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Apresentado por:
ESTUDO #8

O novo ciclo das commodities – As oportunidades e desafios para a economia brasileira

por Vários Autores Atualizado em 29 jun 2021, 15h50 - Publicado em
28 jun 2021
13h22

Apresentação

Um dos temores provocados pela pandemia do coronavírus, ainda no primeiro semestre de 2020, era que os movimentos de lockdown e redução no crescimento econômico mundo afora provocassem uma queda nos preços das commodities, decisivas no desempenho da economia brasileira. Passado o choque inicial da crise sanitária, o que se viu foi justamente o contrário. Tanto produtos como minério de ferro e metais usados nas indústrias de infraestrutura e eletroeletrônica como os gêneros agropecuários experimentaram uma surpreendente valorização. Tal movimento se deu em parte pela recuperação rápida da China como também pelos pacotes de socorro emergencial implantados pelas principais economias do mundo, inaugurando o que especialistas já chamam de Novo Ciclo das Commodities.

Um fenômeno desse porte é uma oportunidade única para o Brasil, grande produtor de grãos do planeta, um dos principais exportadores de carne e derivados e de minério de ferro. Com o objetivo de expor as oportunidades que esse novo ciclo representa – e discutir os desafios que ele implica – que VEJA Insights reuniu artigos de seis especialistas na área, de economistas a líderes empresariais do setor. Nas próximas páginas, o leitor encontrará uma detalhada avaliação desse novo cenário bem como ponderações sobre seu impacto na economia brasileira nos próximos meses.

Boa leitura.

Estamos em um novo boom agropecuário?

Por Marcos Sawaya Jank

COLHEITA DE SOJA NO RIO GRANDE DO SUL - salto nas exportações durante a pandemia -
COLHEITA DE SOJA NO RIO GRANDE DO SUL - salto nas exportações durante a pandemia – (Jefferson Bernardes/Preview.com/.)

Nas últimas cinco décadas o mundo passou por dois booms de commodities. O primeiro ciclo de alta de preços ocorreu no começo dos anos 1970, com as altas simultâneas dos preços do petróleo e de várias commodities agrícolas e minerais. O segundo ocorreu entre 2007 e 2012 e resultou da combinação de uma demanda crescente e crises de oferta de commodities em diversos países do mundo.

A pandemia global do coronavírus, que começou no início de 2020, surpreendeu o mundo com um terceiro movimento ascendente de preços. O comportamento das commodities de origem agropecuária neste cenário inédito e surpreendente que estamos vivendo com a pandemia deve ser analisado, bem como o impacto desse novo boom sobre a economia brasileira em geral e sobre o agronegócio em particular.

Logo após a eclosão da pandemia, houve um temor generalizado de que os movimentos de lockdown e queda de crescimento econômico espalhados pelo mundo fossem gerar quedas de preços. Porém não foi o que aconteceu, já que outros fatores provocaram altas expressivas nos preços de commodities.

O primeiro deles foi a demanda internacional aquecida. Apesar dos rompimentos das cadeias de suprimento provocados pelas medidas de isolamento social e pelas restrições às exportações de produtos impostas por alguns países, o comércio internacional de commodities manteve-se firme e aquecido, com aumento dos preços. No caso da agricultura, a explicação é a demanda aquecida nos países emergentes, com destaque para a China e os demais países asiáticos.

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Já o segundo diz respeito aos estoques globais de commodities em níveis muito baixos. Problemas localizados de oferta em países-chave como Estados Unidos, Argentina, Austrália, Índia, Tailândia e Brasil explicam parte das recentes altas de preços. No Brasil, por exemplo, a safrinha brasileira de milho teve quebra de 20 milhões de toneladas em 2021. Ao mesmo tempo, é importante destacar que os governos dos países desenvolvidos e da China reduziram fortemente as suas intervenções na formação de estoques estratégicos ao longo da última década, o que aumentou a volatilidade dos preços. Os booms anteriores foram marcados por forte intervenção de governos nos mercados, por meio de estoques reguladores, uma prática que foi sendo abandonada. Em outras palavras, o “cobertor está curto” e quebras de safras em países-chave podem levar a disparadas de preços em níveis nunca vistos.

A recuperação acelerada das economias também impactou nos preços. Após um ano de processos recessivos no mundo pandêmico, o avanço da vacinação em massa e a eliminação progressiva das medidas de isolamento social estão gerando movimentos de rápida retomada do crescimento em diversos países, acompanhados dos pacotes de ajuda governamental às populações mais impactadas pela perda de empregos e renda.

E por último vem a crise da Peste Suína Africana (PSA) na China. Dois anos antes da pandemia, a suinocultura chinesa, que responde por metade da produção mundial de porcos, foi atingida por uma gravíssima epidemia da PSA. Cerca de 40% do rebanho daquele país foi dizimado, atingindo principalmente a produção de fundo de quintal, onde os animais são criados soltos em condições precárias de nutrição e sanidade. Essa crise atingiu o seu pico no ano passado e fez com que a China “varresse” o mercado mundial de carnes em busca de alternativas para a queda do consumo doméstico de carne suína, proteína preferida na culinária chinesa.

Com isso, o país aumentou fortemente as suas importações de carnes suína e bovina do mundo e o Brasil ocupou espaço de destaque nessa demanda emergencial. Ao mesmo tempo, a China iniciou um processo de mudança acelerada do seu modelo de produção de suínos, eliminando a produção de fundo de quintal em favor da construção de granjas porcinas modernas de alta escala. Como esse novo modelo produtivo demanda volumes crescentes de rações à base de milho e soja, tivemos um forte aquecimento da demanda chinesa por essas duas commodities, que ocupam lugar estratégico na exportação brasileira.

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A conjuntura internacional favorável estimulou as exportações brasileiras do agronegócio, que devem atingir mais de 120 bilhões de dólares esse ano, o maior nível já alcançado pelo país – em 2020, nossas exportações foram de 101 bilhões de dólares. Soma-se a isso dois vetores macroeconômicos que se alinharam no estímulo à produção e às exportações do agronegócio. O primeiro foi a surpreendente desvalorização da taxa de câmbio após a pandemia, causada pela insegurança de investidores frente à conjuntura instável do país, inclusive na área política. O segundo foi a taxa real de juros que hoje se encontra em níveis muito baixos, o que estimulou o crédito e os investimentos na agricultura.

Esse “alinhamento de astros” macroeconômicos e setoriais levou às fortes altas de preços dos produtos agropecuários e alimentos no Brasil, com destaque para as commodities exportadas como soja, milho, carnes, algodão, café, açúcar, etanol, celulose e suco de laranja. Vale notar também que a logística brasileira melhorou muito, com projetos de peso como os investimentos na malha ferroviária paulista e na Ferronorte, que vai até Rondonópolis no Mato Grosso, e a conclusão da ferrovia Norte-Sul, que deve estar operando ainda esse ano ligando os portos de Santos, em São Paulo, e Itaqui, no Maranhão.

Além disso, a conclusão da pavimentação da rodovia BR-163 permitiu uma volumosa exportação de grãos do Mato Grosso pelo chamado Arco do Norte, que combina transporte rodoviário com uma hidrovia que sai de Miritituba, às margens do rio Tapajós, e segue pelo rio Amazonas até os portos marítimos do Pará e do Amapá. Em breve, novas ferrovias serão construídas para levar commodities agrícolas do centro do estado do Mato Grosso, maior estado agropecuário do país, até os portos do Norte e do Sudeste do Brasil.

Em suma, a conjuntura pós-pandemia, que gerou esse aquecimento na oferta e nos preços das commodities agropecuárias, têm impactos altamente positivos para a economia brasileira e o agronegócio. A entrada de divisas que contribuem para o equilíbrio do balanço de pagamentos do país, a alta rentabilidade da produção de grãos – que tem atingido margens EBITDA superiores a 30% -, a entrada de capitais no setor e a geração de investimentos e empregos. Basta dizer que a área agrícola do país deve crescer cerca de 3 milhões de hectares este ano, entre soja, milho e algodão.

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É importante destacar que esse crescimento ocorrerá principalmente sobre as nossas áreas de pastagem, com o aumento acelerado do processo conhecido como Integração Lavoura-Pecuária (ILP). O Brasil tem 85 milhões de hectares ocupados pela agricultura e 175 milhões pelas pastagens. Há espaço suficiente para a agricultura crescer sem precisar desmatar a Floresta Amazônica. Na realidade, a integração Lavoura-Pecuária e a melhoria da logística intermodal são as duas grandes revoluções silenciosas que vão se consolidar no país ao longo da atual década.

Os impactos negativos deste novo boom de commodities, no entanto, não podem deixar de ser mencionados. Um deles é o aumento dos preços em reais das commodities, que já teve impacto inflacionário em 2020. A variação acumulada do grupo “alimentação” no IPCA foi de 14% entre janeiro e dezembro de 2020, contra 4,5% do índice geral de preços. O problema é que a inflação de alimentos e bebidas acaba atingindo as populações mais frágeis, principalmente a grande quantidade de brasileiros que ficaram em situação de insegurança alimentar após a pandemia por conta das perdas de renda e empregos.

É importante deixar claro que o aumento da insegurança alimentar no Brasil decorre da redução da renda da população, e não de falhas na oferta de alimentos, como aconteceu em outros países. Ocupando a posição de 3º maior exportador de produtos agropecuários e alimentos do mundo, o Brasil produz muito mais do que consome, mas a queda da renda da população mais pobre causada pela pandemia aumentou os níveis de insegurança alimentar e precisa ser compensada por mecanismos de estímulo à economia e à geração de empregos e de ajuda direta, como o coronavoucher.

Os usuários domésticos de produtos exportados também sofreram impactos negativos porque a maior parte da produção agropecuária brasileira é consumida dentro do país e o aumento dos preços em reais impacta fortemente os clientes e consumidores domésticos. Um bom exemplo é o milho, que hoje é vendido por cerca de 100 reais a saca, e a soja, a 160 reais. Esses valores encareceram significativamente o custo das rações para produção de aves, suínos, ovos, leite e pescados. Ou seja, a bonança dos produtores de grãos é acompanhada por um aperto das margens dos produtores de proteínas animais, já que a ração é o principal item do custo de criação de animais domésticos e o repasse deste custo é difícil num país em recessão. O mesmo ocorre com a puxada do preço da arroba de boi para mais de 300 reais, que levou a um forte aumento do preço de reposição de bezerros e garrotes, comprimindo as margens futuras dos pecuaristas.

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Aumento dos preços da terra, arrendamentos, máquinas e insumos agropecuários também complementam conta negativa. Um dos impactos complicados da melhoria de renda da agricultura é o aumento que tem sido observado no preço da aquisição de terras, arrendamentos, máquinas, equipamentos e insumos necessários para a produção agropecuária. Nos últimos meses, os produtores têm se deparado com aumentos de custos de insumos-chave do processo produtivo, que se somam a problemas no aprovisionamento de máquinas e equipamentos, seja por falta de produção ou de disponibilidade de peças de reposição. Obviamente há um processo de captura de margens dos produtores agropecuários pelas indústrias de máquinas e insumos, que são segmentos que têm uma estrutura de mercado mais concentrada.

A conjuntura da pandemia e do pós-pandemia aponta para a consolidação de um ciclo de alta de preços de commodities que pode ser caracterizado como um novo boom de commodities agropecuárias. Temas como segurança alimentar, segurança do alimento em um contexto de epidemias que atingem a saúde humana e dos animais, e desafios ambientais e climáticos mudaram de patamar nos últimos tempos. O novo boom de commodities gera impactos redistributivos de renda dentro do agronegócio e entre este setor e o resto da economia, criando ganhadores e perdedores.

Mas ainda não sabemos qual será a duração deste fenômeno, pois os fatores que o causaram são diferentes dos ciclos anteriores, da década de 1970 e de 2007-2012. Por enquanto, o novo boom tem características conjunturais que apontam para um ciclo de menor duração, mas é possível que o mesmo se estenda se surgirem novos fatos conjunturais e mesmo estruturais.

Marcos Sawaya Jank, professor sênior de agronegócio e coordenador do centro “Insper Agro Global”

Entre o campo e a prateleira

Por Domingo Lastra

FAZENDA DE SOJA NO MATO GROSSO - tecnologia de substitutos da carne com base vegetal -
FAZENDA DE SOJA NO MATO GROSSO - tecnologia de substitutos da carne com base vegetal – (Paulo Fridman/.)

Se tem algo que o brasileiro se enche de orgulho é dizer que já ganhou cinco copas do mundo. O país é consagrado dentro de um campo do futebol e tem também agora a oportunidade de mostrar sua excelência em um outro campo, o do solo fértil, aquele em que tudo o que se planta dá. Prova disso é a nomeação do engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli, indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021. Ex-ministro da Agricultura, Paolinelli se destaca por sua trajetória dedicada ao desenvolvimento da agricultura brasileira. Um de seus grandes marcos foi a criação, em 1979, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), órgão público cujo foco é o desenvolvimento de tecnologias e conhecimentos para o setor agropecuário do país.

De lá para cá, o que se viu foi um processo de mudança no sistema de agricultura do país. O Brasil saiu da condição de importador para a posição de um dos maiores exportadores de alimentos. E foi justamente essa revolução verde que atraiu a atenção de grandes multinacionais de commodities, que decidiram abrir as portas no Brasil, como nós da Archer Daniels Midland Company, mais conhecida por suas iniciais ADM.

Hoje, os números do agronegócio brasileiro são surpreendentes: 214 milhões de cabeças de gado, 5,7 bilhões de aves, 37 milhões de suínos, 257,8 milhões de toneladas de grãos por ano. Em outras palavras, somos um país responsável por produzir uma quantidade de alimentos que atende a 800 milhões de pessoas em todo o mundo, e que deve continuar ampliando sua contribuição para o abastecimento mundial.

A contribuição brasileira para a alimentação das pessoas é acompanhada de uma grande responsabilidade, pois parte da produção de soja e milho, por exemplo, além de ser destinada para o consumo humano, também pode virar matéria-prima para biocombustíveis. Para isso, cerca de 10% do território nacional é usado para a agricultura de acordo com o IBGE/ INPE/ Mapa. É uma janela de oportunidade sem precedentes para a economia, colocando mais uma vez o agronegócio como uma grande mola propulsora do país. Vale lembrar que o setor já representa quase um quarto do PIB nacional.

Apesar dessa posição privilegiada, temos pela frente grandes desafios. O consumidor está mais informado e mais atento aos impactos que a produção em larga escala trouxe para o planeta. Como uma das maiores empresas de exportação de grãos do mundo, temos compreensão da importância da sustentabilidade e das práticas responsáveis. Enquanto ponte entre os produtores e os produtos nas prateleiras das lojas, a ADM se empenha em influenciar as práticas responsáveis ​​em toda a cadeia de valor agrícola.

Somos uma empresa centenária, vemos e vivenciamos a transformação do campo há muito tempo. Para dentro da porteira, sabemos a importância do apoio da iniciativa privada aos produtores rurais que também são responsáveis pela preservação do meio ambiente. Por meio de construções de parcerias, devemos ajudá-los a adotar as melhores práticas ambientais, ampliando assim o leque de seus negócios, a conquistar certificações, a ter acesso à linhas de créditos em bancos que exigem respeito e diretrizes legais nas áreas sociais e ambientais. É um jogo de ganha-ganha, no qual todos crescem juntos.

Potencial para dobrar a produção e subir no ranking mundial de exportações, sem precisar derrubar matas nativas, o país tem. Tanto que em março deste ano, lançamos uma atualização da nossa política de sustentabilidade com o objetivo ambicioso de alcançar a rastreabilidade total de toda a nossa cadeia de suprimentos direta e indireta de soja no Brasil, Paraguai e Argentina até o final de 2022. E no restante do mundo, livre de desmatamento até 2030.

Mas não basta apenas garantir segurança alimentar, trazendo comida à crescente população que deve chegar a 8,6 bilhões em 2030, e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Os consumidores de hoje esperam que sua comida e bebida cheguem à mesa a partir de ingredientes saudáveis, e produzidos de forma sustentável por empresas que compartilham os seus valores. O consumidor é hoje o grande elo de protagonismo para a transformação na agricultura, pois ele não quer só alimentos saudáveis e produzidos de forma sustentável. Ele quer também o bem-estar, humano e animal.

Esse forte crescimento da conscientização ambiental, junto à necessidade de usar recursos naturais de maneira segura e sustentável, vai mudar tudo na agricultura e a tendência é ela se integrar a outras cadeias de valor. Atentas a isso, diversos setores já começaram um movimento de se alinhar às expectativas desse consumidor cada vez mais exigente.

Para apoiar essa transformação na indústria de alimentos e bebidas, adquirimos mais de 15 empresas deste setor nos últimos anos, dando início assim a uma evolução dos negócios para a área de nutrição. Temos mais de 100 centros de inovação espalhados no mundo e equipes com expertise para criar produtos inovadores que tragam sabores, texturas, composição nutricional para categorias que estão ainda em desenvolvimento. Um bom exemplo disso são os alimentos plant-based.

Dados de uma de nossas pesquisas identificou que 52% dos consumidores estão buscando diversificação de uma dieta com produtos mais saudáveis e uma composição nutricional melhor. Um levantamento feito no ano passado pelo Ibope, com mais de 2 mil pessoas a partir de 18 anos, selecionadas por gênero, idade e diferentes regiões do país, mostrou que 50% dos entrevistados estavam diminuindo o consumo de proteína animal, e substituindo esses produtos por proteínas alternativas, encaixando esse público entre os flexitarianos.

Grãos de milho
(Lucas Ninno/.)

Esse cenário abre um leque muito positivo de oportunidades para todas as empresas do agronegócio, o que vai exigir também uma conversão no campo. Cada vez mais, propriedades rurais deverão aprimorar o seu modo de produção, baseada em práticas sustentáveis e socialmente responsáveis. Empresas do futuro serão orientadas por uma nova métrica, que tem por trás o conceito ESG – sigla em inglês para “environmental, social and governance”. O ESG é uma evolução em sustentabilidade, pois ele mede as práticas ambientais, sociais e de governança, e os grandes investidores já se deram conta que a geração de consumidores que está emergindo não valoriza o lucro por si só, mas também empresas responsáveis com a sociedade e o meio ambiente.

Toda essa transição exige uma atenção mais adiante. No campo, por exemplo, serão desenvolvidas novas sementes com alto teor de óleo ou proteína. Soja, ervilha, grão de bico, beterraba e inclusive jaca já são utilizados para a produção de hambúrgueres, coxinhas, carne moída, kibe, almondegas, tudo à base de plantas. E ainda há muito espaço para ser explorado. Para ter uma ideia do tamanho, a taxa de crescimento de consumo plant-based cresce de 10% a 15% ao ano. E estamos falando de um mercado de proteína vegetal que hoje está em torno de 10 bilhões de dólares e deve chegar a 30 bilhões de dólares em 2030. É um nicho com um grande potencial de crescimento para os agricultores e a cadeia como um todo precisa estar conectada, do campo à prateleira.

Tecnologia para levar mais produtos saudáveis à mesa do consumidor também não falta. Hoje, temos um portfólio robusto de proteínas e de ingredientes naturais para oferecer às foodtechs que querem investir em produtos de alto valor agregado à base de plantas – capazes de mimetizar aromas, cores, texturas e suculência – e assim aprimorar ainda mais a experiência do consumidor final.

À medida que melhoramos a produtividade na agricultura, produzimos alimentos em quantidade e qualidade. A cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, sedia a maior fábrica de proteínas de soja da América Latina. Um investimento da ordem de 250 milhões de dólares para produzir uma série de proteínas complexas para serem utilizadas em pratos prontos, alimentos para animais domésticos, antibióticos fermentados, alimentos vegetarianos, bebidas nutricionais, além de muitos outros.

Esses produtos diferenciados, que estão nos supermercados com uma tecnologia de ponta embutida e de alto valor agregado, ainda estão para causar uma grande revolução das prateleiras. Muitas tecnologias estão sendo criadas com foco nas pessoas que optam por alimentos de base vegetal seja porque querem reduzir o seu impacto ambiental ou simplesmente querem diversificar a sua dieta. E se o produto tiver qualidade e satisfaz os desejos do consumidor, ele certamente estará disposto a colocar na cesta de compras.

Não tenho dúvidas de que o Brasil reforça cada vez mais sua natureza como potência agrícola que alimenta o mundo, e este futuro tem tudo para ser brilhante.

Domingo Lastra, presidente da ADM na América Latina

A nova revolução verde

Por Gilberto Tomazoni

CRIAÇÃO DE GADO NA AMAZÔNIA - busca por modelos sustentáveis de produção -
CRIAÇÃO DE GADO NA AMAZÔNIA - busca por modelos sustentáveis de produção – (Lucas Ninno/.)

Frear a mudança do clima é talvez o maior desafio que a humanidade já enfrentou. É preciso agir com urgência para limitar o aumento da temperatura global a no máximo 2°C, com esforços para contê-lo a 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais. Com essas metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, um tratado assinado em 2015 por 196 países, será possível evitar os impactos mais catastróficos causados por elevações ainda maiores na temperatura do planeta.

A iniciativa privada tem um papel crucial para influenciar e promover ações concretas rumo a uma economia de baixo carbono, ou seja, um modelo produtivo que interrompa o acúmulo adicional de gases causadores do efeito estufa (GEE) na atmosfera. E, felizmente, muitas companhias já compreenderam isso. Pelo menos 25% das empresas do ranking Fortune 500 já têm algum tipo de compromisso climático. Levantamentos feitos por consultorias internacionais mostram que as corporações que estão assumindo compromissos claros de cortar suas emissões de GEE estão sendo mais premiadas pelo mercado. Isso reflete uma preocupação de toda a sociedade. Mais do que isso, mostra a compreensão do setor privado de que ser mais sustentável, promovendo a melhoria de processos e a substituição de antigas tecnologias, torna as companhias mais competitivas. Ser sustentável, portanto, não é um custo, mas um investimento.

Um aspecto fundamental dessa crise climática é a segurança alimentar, algo que está na base de nosso entendimento moderno de civilização: tem como princípio a garantia de que todos tenham acesso permanente a alimentos nutritivos e seguros, em quantidade suficiente para atender às necessidades que vão além da simples subsistência. E acesso não significa apenas fazer o alimento chegar às pessoas, mas chegar a um preço que todos possam pagar. Um direito básico, mas que só começou a mobilizar países e organismos internacionais entre as duas grandes Guerras Mundiais e o choque do Petróleo na década de 1970. Os conflitos e a crise, causada pelo aumento do preço do combustível que movia o mundo, mostraram que era preciso planejamento, tecnologia e uma razoável dose de colaboração internacional para garantir a produção e distribuição global de alimentos. Uma missão que nunca foi plenamente completada, mas que agora enfrenta esse novo inimigo ainda mais temível: o aquecimento global.

Foram os avanços tecnológicos das ciências agrícolas – que ganharam em conjunto o nome de Revolução Verde – que triplicaram a produção entre o fim da década de 1960 e 2015. A rápida industrialização e o fenômeno da globalização permitiram estocar e levar alimentos entre pontos cada vez mais distantes, ainda que a fome nunca tenha sido completamente erradicada no mundo. Mas essa nova crise, em grande parte provocada justamente pelos combustíveis que usamos para movimentar toda essa cadeia, coloca-nos agora frente a um desafio ainda maior para garantir a segurança alimentar. A Terra não vai suportar se a humanidade seguir produzindo como faz hoje, e estará em xeque a nossa capacidade de alimentar uma população mundial crescente, que até 2050 deve atingir a marca de 10 bilhões de pessoas.

O climatologista Carlos Nobre, integrante do painel de especialistas da ONU que estuda os efeitos do aquecimento do planeta, relata que, nas regiões Sul e Sudeste da Amazônia, a estação seca está de três a quatro semanas mais longa – o que já afeta a produção de algumas culturas. É um impacto direto do desmatamento, cujas consequências no Bioma Amazônia podem influenciar, inclusive, cultivos em outras áreas do Brasil. Estima-se que 70% das chuvas no Sul e no Sudeste do país resultam da transpiração das árvores amazônicas – vapor d’água que viaja pela atmosfera em um fenômeno conhecido como “rios voadores”. A matemática é simples: com menos árvores, há menos vapor d’água e, consequentemente, menos chuvas em importantes áreas voltadas para a agricultura no país.

Tais efeitos nocivos das mudanças climáticas não são observados apenas no Brasil. No ano passado, por exemplo, os Estados Unidos gastaram o dobro da média dos últimos 41 anos para lidar com a destruição deixada por furacões, secas e incêndios. Foram US$ 95 bilhões para sanar os prejuízos de 22 eventos extremos ocorridos somente em 2020 – na década de 1980, a média de ocorrência desses fenômenos era de apenas três por ano. Atravessando o Atlântico, no Quênia, produtores rurais que sempre souberam identificar as áreas sujeitas a inundações e as que enfrentam longos períodos de estiagem agora sofrem para planejar suas produções. Há mais chuvas em áreas tradicionalmente secas e inundações que varreram no ano passado 8.000 hectares de terras agrícolas.

Por compreender o quadro emergencial que vivemos, a JBS, a segunda maior indústria de alimentos do mundo e líder em proteína, deixou de ver a sustentabilidade como parte de sua estratégia, para considerá-la a própria estratégia. Uma prova disso é que a companhia adota o conceito da economia circular como modelo de negócio e aproveita praticamente quase todos os resíduos orgânicos de sua produção. Eles são usados como biomassa, para gerar energia nas caldeiras, e até dão origem a novos produtos, como fertilizantes orgânicos e biodiesel. A JBS Ambiental, unidade dedicada apenas a pensar em soluções para gerenciar e reaproveitar resíduos da companhia, cria produtos totalmente inovadores, como “pisos verdes” que usam plásticos das embalagens como matéria-prima. Atualmente, conseguimos reaproveitar ou reciclar quase metade dos resíduos que geramos. Mas não é o bastante.

Temos a responsabilidade de promover a transformação dos mercados agropecuários: estamos na interseção entre o agricultor e o consumidor, catalisando toda a cadeia de valor ao transformar o trabalho do campo na base para a vida humana. Sabemos que podemos e precisamos fazer mais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e sermos um indutor da economia de baixo carbono, envolvendo desde os fornecedores dos nossos fornecedores até o pós-consumo de nossos produtos. Por isso, a JBS se tornou a primeira empresa global de proteína a assumir o compromisso de zerar até 2040 o balanço de suas emissões de gases causadores do efeito estufa. A meta é audaciosa, ao antecipar em 10 anos o prazo adotado pela maioria das empresas e governos ao redor do planeta. Ser Net Zero o mais depressa possível não é apenas a coisa certa a se fazer. É nossa única opção.

O compromisso Net Zero da JBS inclui as operações globais da empresa, assim como sua diversificada cadeia de valor, que inclui todos os seus fornecedores. Nos próximos 10 anos, a companhia investirá 1 bilhão de dólares para atingir esse objetivo. Neste momento, estamos construindo o plano detalhado, com base científica e prazos estabelecidos, para cumprir o compromisso. Mas já estabelecemos metas importantes como, por exemplo, reduzir em 30% as emissões decorrentes de nossas operações e do consumo de eletricidade até 2030, adotar em toda a nossa operação 100% de energia elétrica de fontes renováveis, atrelar a remuneração variável de altos executivos às metas relacionadas às mudanças climáticas, entre outros. Também serão investidos 100 milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento, na próxima década, para implementar soluções de mitigação das emissões.

Hoje, a ciência sabe que a agropecuária, ainda vista por muitos como uma atividade responsável por boa parte das emissões de gases causadores do efeito estufa, pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar a sequestrar carbono da atmosfera. É preciso aplicar em larga escala as práticas de agricultura regenerativa – uma nova Revolução Verde – que nos permitirá alimentar o mundo de maneira sustentável. Um amplo repertório de técnicas pode ajudar a recuperar o solo, armazenando o carbono que iria para a atmosfera. O plantio direto na palha, por exemplo, evita que o terreno seja arado. O uso de safras de cobertura, quando os campos estão vazios, pode estender a fotossíntese ao longo do ano, sequestrando anualmente cerca de 1,2 tonelada métrica de gás carbônico por hectare. Técnicas como essas podem ser aplicadas em conjunto com sistemas de produção que aumentam a produtividade e diminuem a extensão do uso de terras. O modelo de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) agrega na mesma propriedade diferentes sistemas produtivos – grãos, fibras, carne, leite e agroenergia, além da manutenção da floresta. A diversificação de culturas ajuda na recuperação de solos degradados e minimiza riscos para o produtor, que terá cada vez mais oportunidades de expandir sua produção ao mesmo tempo em que reduz seu impacto ambiental.

Criação de gado
(Lucas Ninno/.)

Pastagens bem manejadas também têm grande potencial para funcionar como áreas de sequestro de carbono, retirado da atmosfera pela vegetação. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) calcula que a captura de carbono das pastagens pode compensar significativamente as emissões, com estimativas globais de cerca de 600 milhões de toneladas de gás carbônico por ano, equivalente a cerca de 40% das emissões brasileiras em 2018. Outras técnicas ajudam a diminuir a liberação de gases causadores do efeito estufa pelos rebanhos, a partir do balanceamento da ração e de melhorias genéticas que aumentam a produtividade.

É a adoção de pequenas e grandes medidas – em conjunto por todo o setor – que pode fazer a diferença para frear as mudanças climáticas. Todos os elos da cadeia produtiva de alimentos devem assumir o compromisso de reduzir suas emissões e tornar suas operações mais sustentáveis. O combate ao desmatamento ilegal é um exemplo de ação que exige, necessariamente, o comprometimento de todas empresas do setor. Devido à natureza da cadeia de produção de bovinos no Brasil, que é extremamente fragmentada, rastrear a procedência dos animais e a adequação das fazendas a critérios socioambientais sempre foi um desafio. Mas agora temos a tecnologia ao nosso lado.

A JBS já mantém há mais de 10 anos uma política de tolerância zero para o desmatamento ilegal e monitora seus fornecedores para assegurar o cumprimento de seus critérios socioambientais. Dispõe de um sistema de imagens via satélite que fiscaliza 60 mil fazendas e que já bloqueou 11 mil por desrespeito à sua Política de Compra Responsável de Matéria-Prima. No entanto, agora com tecnologia blockchain aplicada ao nosso setor, estenderemos esse mesmo controle aos fornecedores de nossos fornecedores, o que nos proporcionará uma cadeia livre de desmatamento ilegal. Com toda a segurança digital, o blockchain preserva a integridade dos dados dos fornecedores, mantendo a confidencialidade das informações em todo o processo.

Desenvolvida pela JBS, a Plataforma Pecuária Transparente poderá ser utilizada por todo o setor. Essa rastreabilidade da cadeia produtiva é um ótimo exemplo para a situação que enfrentamos enquanto sociedade. A solução não estava clara, no início, mas sabíamos qual era o nosso propósito e trabalhamos para encontrar o caminho.

O mesmo ocorre com o aquecimento global. Reconhecemos a gravidade do problema e temos convicção de que temos uma jornada pela frente para solucioná-lo. O caminho, porém, ainda não está totalmente mapeado. Não temos todas as respostas sobre como nossa civilização pode enfrentar a mudança do clima. Resta a certeza de que, se concentrarmos nossos esforços, energia, investimento e potencial humano, poderemos ter um planeta melhor para as gerações futuras.

Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS

O agronegócio brasileiro em perspectiva

Por Roberto Rodrigues

CULTIVO DE GRÃOS NO OESTE DA BAHIA - nova fronteira agrícola brasileira -
CULTIVO DE GRÃOS NO OESTE DA BAHIA – nova fronteira agrícola brasileira – (Paulo Whitaker/.)

A grande tragédia da pandemia nos trouxe algumas revelações bastante constrangedoras, como a constatação de que a régua da questão sanitária no mundo está muito baixa e será necessário um grande esforço coordenado das nações para erguê-la. Ou que a ciência não tem resposta harmonizada sobre o combate ao vírus. Ou ainda pior, que ele pode servir a interesses menores, tanto relativamente à corrupção quanto a questões meramente eleitorais. Mas o grande alerta da Covid-19 está nas duas janelas que se abriram para o futuro imediato da Humanidade: segurança alimentar e sustentabilidade. Em outras palavras, eliminar a fome sem destruir os recursos naturais e com a economia funcionando.

Interessante é que ambos os temas – segurança alimentar e sustentabilidade – passam pelo agro. Só ele pode responder adequadamente aos desafios colocados, mas qual agro? A resposta nos diz respeito muito de perto: ao agro do cinturão tropical do planeta, porque nele está a disponibilidade de terras por integrar aos sistemas produtivos e onde pode se desenvolver uma tecnologia tropical sustentável, da qual o Brasil é líder absoluto. E deve ser o grande difusor dessas tecnologias para a América Latina, para a África Subsaariana e até mesmo para diversos países asiáticos. Nossa história recente mostra por que isso.

Até os anos 1970 o Brasil era importador de alimentos. Depois disso, o cerrado foi domado por cientistas que aprenderam a transformar aquela gigantesca área de vegetação degradada no Maracanã onde vai ser jogada a partida final da Copa do Mundo da Alimentação. E com inovadora tecnologia, o vazio do centro-oeste e de parte do Nordeste foi ocupado por gente empreendedora, produtores rurais e trabalhadores que vieram do Sul, do Sudeste e do Nordeste e transformaram a região na fronteira agrícola formidável que nos permite hoje alimentar quase 1 bilhão de pessoas em mais de 180 países.

Desde 1990, quando o Plano Collor começou a acabar com a ciranda financeira, a área plantada com grãos cresceu 81% no nosso país, enquanto a produção cresceu 353%. E depois disso e do Plano Real, quatro anos mais tarde, os agricultores e pecuaristas tiverem que buscar tecnologias para aumentar a produtividade e manter a competitividade. E o dado mais importante foi a poupança de terras. Atualmente são cultivados 69 milhões de hectares com grãos (na verdade, bem menos que isso, perto de 55 milhões; mas esse número corresponde à soma de primeira e segunda safra, em que a mesma terra é usada duas vezes no ano safra); se tivéssemos a produtividade por hectare de 1990, seria necessário plantar mais 103 milhões de hectares para colher a safra desse ano, que talvez não seja recorde pela intensa estiagem que afetou as regiões produtoras entre março e o começo de junho. Em outras palavras, esses 103 milhões de hectares foram poupados de desmatamento, e isto significa sustentabilidade na veia!

A mesma numerologia se repete com a proteína animal, que na verdade é grão e capim transformados em carnes e laticínios: a produção de frangos no mesmo período cresceu 500%, a de suínos 305% e a de bovinos – com um ciclo de vida muito mais longo – outros 108%. A inovação tecnológica segue avançando, com o Projeto ABC – Agricultura de Baixa Emissão de Carbono lançado pelo Ministério da Agricultura, que permitirá ao Brasil cumprir seus compromissos quanto a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Na mesma direção se insere a agroenergia. A emissão de Gases de Efeito Estufa do etanol de cana, por exemplo, é de apenas 11% do que emite a gasolina. Ou ainda o plantio de florestas, cuja área se aproxima de 10 milhões de hectares. Em resumo, a tecnologia tropical aqui praticada e replicável alhures é de fato sustentável.

Não é por outra razão que instituições como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) e mais recentemente o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), retomando a tese da segurança alimentar, afirmam que em 20 anos só haverá comida para todos os habitantes da Terra se houver um aumento de 20% na sua oferta: e que, para isso acontecer, o Brasil deverá aumentar a sua exportação de alimentos em 40%, o dobro do que o mundo precisa crescer.

É um desafio e tanto. Mas bastante possível, visto que os fatores que permitiram os saltos até aqui persistem: tecnologia em avanço, terra disponível (de acordo com a Embrapa, todas as plantas cultivadas no país ocupam apenas 9% do território e outros 21% são ocupados com pastagens), gente jovem e competente em todos os elos das cadeias produtivas e, naturalmente, mercados demandantes continuam crescendo.

Nesse aspecto os números também são eloquentes. No ano 2.000, o agronegócio brasileiro exportou 21 bilhões de dólares e no ano passado, 20 anos depois, foram 100,8 bilhões. Mais interessante ainda é que em 2000, 59% das exportações foram para Estados Unidos e União Europeia e no ano passado só 23%. O que explica isso é o grande crescimento das exportações para os países emergentes e os da Ásia, com ênfase na China. Do exportado em 2000, 2,7% foi para a China e em 2020 a porcentagem subiu para 34%. E a demanda continua aumentando nessas regiões devido ao crescimento da renda per capita de suas crescentes populações.

Diante dessas circunstâncias todas, a pergunta é: poderemos crescer os tais 40% citados pelo USDA? A resposta é sim, desde que resolvamos alguns temas recorrentes, como a falta de infraestrutura e logística adequada, sobretudo para exportação das colheitas do centro-oeste e na nova fronteira representada pelo Matopiba (sigla para Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia). Infraestrutura que depende de parcerias público-privadas, que por sua vez dependem das reformas fundamentais, como a tributária e a administrativa. Também precisamos de uma política comercial que busque resultados concretos em acordos bilaterais ou multilaterais, abrindo novos mercados para o crescimento das exportações. Entre esses avulta a negociação União Europeia e Mercosul, fundamental para ambos os blocos.

Uma política de renda para o campo é necessária, com ênfase para um seguro rural compatível com o tamanho do agro brasileiro, que hoje detém o maior saldo comercial do mundo. Nesse ponto é preciso destacar que políticas públicas que estabilizem a renda rural não representam nenhum favor ao produtor, porque ele é o único agente capaz de produzir o suficiente para abastecer as populações urbanas, inclusive as do exterior. Segurança alimentar é para todos, mas a produção é responsabilidade do agropecuarista.

Outro ponto muito relevante é investir em tecnologia. Temos a melhor tecnologia tropical sustentável do planeta, mas isso pode mudar se não seguirmos investindo vigorosamente no setor. A inovação em internet das coisas, na digitalização e conectividade no campo chegou com vigor. A questão sanitária, em que estamos bem, pode ser limitante se não adequadamente encaminhada.

Cultivo
(Yasuyoshi Chiba/.)

Estimular a organização dos produtores é central, em especial quanto ao cooperativismo. As cooperativas são o mecanismo capaz de garantir escala ao pequeno produtor, no conjunto de seus colegas de profissão, e a globalização da economia vem reduzindo a margem por unidade de produto, de modo que a renda só se dará com a escala. No Brasil as cooperativas agropecuárias já respondem por 53% do volume das safras agrícolas, mesmo que 80% dos seus associados sejam pequenos e médios produtores. Além disso, as cooperativas de crédito vêm crescendo muito no crédito rural, e respondem por quase 20% do seu volume.

E finalmente, é absolutamente imperioso acabar com as ilegalidades que infelizmente ainda são cometidas no país, como desmatamento ilegal, incêndios criminosos, invasão e grilagem de terras, descumprimento de contratos. Há que buscar o cumprimento das leis como o Código Florestal, que é o mais rigoroso do mundo, e também a solução da questão fundiária, sobretudo na Amazônia: um produtor sem seu título de propriedade não tem o que oferecer como garantia para acessar o crédito rural e acaba na ilegalidade do desmatamento.

Com essas ações desenvolvidas, o Brasil se consolidará como grande campeão da segurança alimentar global. Já somos hoje o maior exportador mundial de açúcar, de café em grão, de suco de laranja, do complexo soja (grão, farelo e óleo), de carne de frango e bovina, segundo em milho, terceiro em algodão, quarto em carne suína. Com os fatores apontados, devemos crescer muito nesses produtos todos e em outros.

Por exemplo, somos o terceiro maior produtor mundial de frutas, mas estamos em vigésimo terceiro lugar entre os exportadores. Há grande espaço para crescimento nas exportações de lácteos e pescado, e ainda engatinhamos nesses mercados. Estamos crescendo em orgânicos, mas falta muito para sermos um player respeitado. A produção de trigo vem tendo saltos espetaculares de produtividade no cerrado irrigado, e brevemente seremos competitivos nessa commodity. Em outros grãos temos espaço para avançar, como amendoim, grão de bico e sorgo.

E estamos expandindo nossa condição de exportadores de alimentos processados, e temos expressão e qualidade na produção de vinhos, de óleos, bebidas (como a cachaça), carne industrializada, rações para animais (pets). Naturalmente somos muito eficientes na produção de biocombustíveis e agora entrando numa nova fase com o álcool de milho. Somos exportadores de celulose e papel.

Em resumo, nossa atividade agropecuária tropical sustentável deverá colocar o Brasil na posição de campeão mundial da segurança alimentar e esse título não será dos produtores rurais, e sim de todos os brasileiros. Afinal, ninguém planta uma única semente sem a participação dos trabalhadores urbanos, que são responsáveis pela fabricação de máquinas, veículos e implementos agrícolas, de insumos como fertilizantes, defensivos, corretivos e bioquímicos e pelos serviços essenciais de crédito, seguro e assistência técnica. Há ainda os investimentos em energia, logística e portos e também a indústria de alimentos, de embalagens, distribuição e exportação. O Brasil será campeão mundial da paz com a articulação de toda a sua população.

Roberto Rodrigues, Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV

A B3 e o novo ciclo de commodities

Por Louis Gourbin

PREGÃO DA B3, EM SÃO PAULO - aumento no número de negociações envolvendo commodities na bolsa -
PREGÃO DA B3, EM SÃO PAULO - aumento no número de negociações envolvendo commodities na bolsa – (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

O desempenho da economia brasileira está diretamente ligado ao agronegócio. Em 2020, o setor movimentou 2 trilhões de reais em produção e serviços, o que corresponde a 26,6% do PIB brasileiro. Em 2019, essa participação no PIB era menor, de 20,5%. O agronegócio é uma alavanca importante para impulsionar as atividades econômicas do país, gerando emprego e renda. A cada três trabalhadores da agropecuária, comércio, serviços e indústria, o agronegócio emprega ao menos um. Isso mostra mais uma vez, de uma ótica diferente, a relevância do segmento na vida dos brasileiros e da nossa economia.

Todos sabemos que a pandemia trouxe infinitos reflexos nas economias em todas as partes do mundo. E também na forma de viver da população. Foi, sem dúvida alguma, um grande marco na história humana recente. Mas, diferentemente de outros setores impactados pelo isolamento social e paralisações das atividades econômicas, como comércio e serviços, o agronegócio, e aqui também incluo a indústria alimentícia, não pararam e seguiram de forma resiliente e em ritmo acelerado de crescimento, impulsionado pela demanda, especialmente a internacional, que depende das exportações brasileiras.

Aqui entra um diferencial: o setor responde por 48% das exportações e o país ocupa lugar de destaque como um dos maiores produtores e exportadores de diversos produtos da cadeia agrícola, como soja, café, suco de laranja e açúcar — apenas para citar alguns. No caso da soja, respondemos por aproximadamente 30% da produção mundial e mais de 50% das exportações mundiais.

O agronegócio continua crescendo com uma safra recorde de grãos, preços em alta e taxa de câmbio que favorece as exportações. Se fizermos um recorte do comportamento de empresas do segmento na Bolsa, veremos que as ações de produtoras de commodities e siderúrgicas também têm se beneficiado do processo de retomada externa e da alta das cotações das matérias-primas.

É nesse cenário de recuperação das atividades econômicas e, consequentemente, de renda na cadeia produtiva, que a B3 pode ajudar o agronegócio a seguir esse ritmo de crescimento sustentável e mitigar eventuais volatilidades de preço. Além disso, a bolsa brasileira está inserida em um contexto global favorável ao Brasil. Com o excesso de produção, temos como país a oportunidade de nos tornarmos protagonistas e oferecer alternativas mais neutras e perenes para os investidores, em grãos e outras commodities.

Com o crescimento do agronegócio, toda a sua cadeia, do financiamento à entrega física, passou a contar com ferramentas para melhor gestão de risco e diversificação de crédito, para produtores rurais, cooperativas e indústria. Entre eles, educação financeira, atendimento especializado e oferta de produtos e soluções. O mundo rural vai estar cada vez mais na bolsa e para que a relevância do agronegócio brasileiro na economia real reflita também na B3, produtos financeiros aos produtores tiveram acesso ampliado.

Com o cenário atual de taxas baixas de juros e a busca incansável de diversificação dos investimentos, abriu-se espaço para diferentes fontes de captação de recursos para o desenvolvimento do setor junto ao mercado de capitais, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). O volume financeiro em estoque de CRA passou de R$ 38,4 bilhões em maio de 2019 para R$ 54,7 bilhões em maio 2021.

Além disso, o registro de Cédulas de Produto Rural (CPR) foi impulsionado pela nova Lei do Agro (13.986/2020) e se tornou obrigatório para parte dos títulos em 2021. Desta forma, a B3 criou uma estrutura para assegurar esse processo de registro para agrotechs, cooperativas, tradings e revendas. O mercado já está começando a colher os benefícios dessa nova dinâmica. A obrigatoriedade do registro das CPRs traz mais transparência na medida em que viabiliza o mapeamento do volume e a concentração dessas operações pelo país, além de mostrar o nível de endividamento de cada produtor, facilitando a análise de crédito, recompensando boas práticas, e assim reduzindo o custo de captação do recurso por parte da ponta tomadora. De agosto de 2020 a maio de 2021, vimos um salto do estoque do produto, de R$ 17,2 bilhões para R$ 48,5 bilhões em valores financeiros, equivalente em quantidade de ativos a um crescimento de 16.020 para 24.892 CPRs registradas.

Já no universo de produtos derivativos, listados (futuros e opções) e balcão (swaps e estruturas), soluções relacionadas à gestão de risco e gestão de preço atuam como um multiplicador da produção brasileira no longo prazo, permitindo melhorias nas práticas comerciais e investimentos mais seguros, além de reduzir o custo do crédito rural. É no mercado futuro, por exemplo, que os participantes da cadeia, sejam eles o produtor rural, uma cooperativa ou mesmo a indústria, podem fazer uma operação de hedge e assim se proteger de um dos principais riscos que afetam o seu resultado: a oscilação de preços. Essa previsibilidade traz transparência e segurança a todas as partes envolvidas. O mercado tem usado esses instrumentos cada vez mais: a negociação média diária de contratos listados de commodities na B3 passou de 9.300 contratos em 2019 para 17.500 em 2021. Uma boa estratégia de gestão de risco em tempos de crise é fundamental.

Outro reflexo importante do crescimento das commodities na B3 foi a criação de novos produtos e ferramentas para ajudar os participantes do mercado físico. Com a demanda mundial impulsionada pelo aumento da população global e mudanças alimentares que levam ao consumo de mais proteína animal, vemos crescimento da demanda de soja no mundo. No Brasil, isto refletiu em aumento das áreas de cultivo, crescimento da produtividade com o uso de tecnologia e melhorias na infraestrutura logística do país. O país já era o maior exportador de soja e agora também é o maior produtor.

Por isso, em parceria com o CME Group, estamos desenvolvendo dois contratos futuros de soja, nos quais os participantes poderão fazer a arbitragem de preço e de origem, ampliando com isso a distribuição global e gerando liquidez ao produto. O contrato B3 vai ser acessível para o produtor rural, para as cooperativas, para as empresas do setor e para investidores e traders nacionais, enquanto o contrato CME será destinado aos traders, comerciantes globais e investidores offshore.

Desde o início, a pandemia testou a capacidade de adaptação e transformação da B3 em uma velocidade que não poderíamos imaginar. Se de um lado o ano foi de intensa volatilidade nos mercados e teste de toda nossa capacidade operacional e resiliência dos sistemas, de outro houve também números recordes na chegada de investidores e financiamento de empresas via mercado de capitais e dívidas.

Nesse cenário inédito de juros baixos, com tantas mudanças no comportamento dos investidores e das empresas, o agronegócio também percebeu a importância de diversificar suas fontes de financiamento. Como apenas 30% dos recursos do setor vêm de fontes de crédito rural obrigatório, especificamente do Plano Safra, o mercado de capitais começou a ocupar esse espaço para contribuir com instrumentos financeiros para os produtores rurais renegociarem suas dívidas e diminuir o custo de financiamento.

Hoje temos 23 empresas do agronegócio brasileiro listadas na B3, considerando agricultura, açúcar e álcool, carnes e derivados e alimentos diversos, mostrando que o mercado de capitais pode ser uma excelente alternativa para o setor produtivo financiar a expansão das suas atividades, gerar empregos e ajudar o país na retomada da economia.

Tecnologia no Agro
(Avalon_Studio/.)

E quando falamos de agronegócio, da agenda ESG (Environmental, Social and Governance), empresas, investidores e consumidores perceberam que este é um caminho sem volta, que tem se tornado importante, relevante e indispensável em todo o mundo. Falar de ESG é falar de um futuro coletivo melhor, é falar de negócio.

O agronegócio trouxe esse tema para as suas operações e vem mostrando que é possível conciliar meio ambiente, produção e produtividade em suas entregas. A B3, como infraestrutura de mercado, tem o papel de induzir boas práticas ESG no mercado brasileiro e apoiar nesta evolução, que conecta os temas da agenda com o negócio. As pessoas têm o poder de escolher em quais empresas investir e aquelas que estiverem mais alinhadas vão conseguir engajar recursos e, com isso, poder promover e crescer os seus negócios.

Atualmente, além de apoiar e oferecer ferramentas para que as companhias listadas embarquem e avancem nessa jornada, temos uma família com sete índices ligados aos critérios ESG, como o ISE B3 e o ICO2 B3. Estamos trazendo visibilidade para os títulos temáticos, que são os títulos verdes, sociais ou sustentáveis, bem como disponibilizamos a plataforma de negociação e de registro de emissões para Créditos de Descarbonização (CBIOS), dentro do Programa Renovabio.

Em maio, o volume de Cbios registrado na B3 foi 70% do total emitido no ano passado: foram registrados 12,3 milhões de Cbios. Apenas para efeito de comparação, em 2020, entre abril e dezembro, foram registrados 18,5 milhões de Cbios, sendo que 14,6 milhões de reais foram aposentados. Esse é apenas mais um bom exemplo de como estamos atentos às necessidades e às oportunidades do mercado.

Num contexto global ainda desafiador, em que pensar como será a economia e o futuro não é tarefa fácil mesmo para os mais experientes e otimistas, temos uma boa oportunidade para seguirmos apoiando esse setor tão importante para a economia brasileira e que segue com imenso potencial de crescimento no longo prazo.

Vamos continuar oferecendo ferramentas para o financiamento e o hedge da produção brasileira, apoiando os players de toda cadeia produtiva e compartilhando o nosso conhecimento sobre o mercado financeiro com participantes e investidores agro. Dessa forma, acreditamos fazer a diferença e ser o ponto de conexão que pode ajudar o país na retomada da economia que tanto vislumbramos para o pós-pandemia.

Louis Gourbin, superintendente de Commodities da B3

O que fazer com os preços das commodities?

Por Joaquim Levy

TRANSPORTE DE MINÉRIO DE FERRO NO PORTO DE TUBARÃO (ES) - aumento da demanda chinesa -
TRANSPORTE DE MINÉRIO DE FERRO NO PORTO DE TUBARÃO (ES) - aumento da demanda chinesa – (Ricardo Funari/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Não há dúvidas de que os preços das “commodities”, isto é, das matérias primas e semiprocessadas negociadas internacionalmente, aumentaram desde que as vacinas contra a Covid-19 se tornaram uma realidade. Eles estão bem acima da média dos últimos anos, com altas de 180% para o milho, 200% para o minério de ferro e de 250% para a madeira serradas nos Estados Unidos. Mas o que isso significa para os próximos meses e anos, especialmente para o Brasil?

O salto dos preços reflete a rápida recuperação da economia chinesa e americana, com muitos produtores sendo pegos de surpresa, especialmente aqueles que reduziram a oferta em 2020 ou já tinham alguma restrição antes. O corte de árvores na América do Norte, por exemplo, foi reduzido em seguida a pragas nas florestas em 2015, o que levou ao fechamento de muitas serrarias. O setor ficou despreparado para o surto de construção a partir do ano passado e continuará em desequilíbrio por vários trimestres, mesmo com a diminuição das reformas no domicílio, agora que as pessoas podem sair e viajar. Então, como saber se o atual surto nos preços corresponde a um ajuste temporário, ou ao começo de um “super” ciclo?

Para muitos especialistas, um “super” ciclo tem que abranger um grande número de commodities e ter preços em alta por vários anos. Usando esses parâmetros, encontram-se três ou quatro desses ciclos desde finais do século XIX: o primeiro, crescendo da década de 1890 até a Primeira Guerra Mundial. O segundo, começando nas profundezas da depressão dos anos 1930 e com auge logo depois do esforço da Segunda Guerra Mundial, o próximo correspondendo à expansão dos anos gloriosos da sociedade de consumo no Ocidente nos anos 1960, e o último à expansão da China nos anos 2000.

Em alguns dos super ciclos, a subida dos preços veio não só do aumento da atividade econômica, mas também de um componente monetário. As commodities continuaram se valorizando contra o dólar na virada dos anos 1970, quando o auge da expansão da economia mundial foi acompanhado da perda de valor da moeda americana, na esteira do aumento de gastos públicos com a guerra do Vietnã e a expansão dos programas sociais nos Estados Unidos. Hoje há a preocupação de a subida dos preços das commodities persistir por conta da possível insistência do banco central americano, o Fed, em manter as taxas de juros baixas por um longo tempo, enquanto o governo americano passa novos pacotes fiscais, inclusive voltados à infraestrutura.

A preocupação com o dólar não pode ser rejeitada, mas, apesar da dispersão e abrangência dos recentes aumentos de preço das commodities, os mercados futuros por enquanto não sugerem que o ciclo de alta vá durar muitos anos. Os contratos de minério de ferro apontam queda de 30% nos próximos 12 meses. Os de soja, queda de 40% até 2024 e o de petróleo de 30% até 2025. Assim, apesar do FED, o risco de um superaquecimento global que dure vários anos ainda parece limitado, não só pelos freios que o sistema político americano impõe a voluntarismos, mas também pela aparente moderação do crescimento chinês sugerido pela contenção do crédito e de atividades como a siderurgia naquele país. Se o crescimento do PIB chinês for de 6% no ano que vem, ele corresponderá à metade do observado no último super ciclo das commodities, o que seria compatível com a recente baixa do preço do minério de ferro depois da sinalização das autoridades chinesas.

Se a expectativa de crescimento de preços de uma grande gama de commodities por um longo período de tempo parece improvável, mesmo com um dólar sem muita força, há uma série de commodities cujos preços serão favorecidos por inovações tecnológicas e esforços de descarbonização da economia mundial ao longo da década, criando um tipo de ciclo longo.

Levar as economias a emissões líquidas zero de gases de efeito de estufa (ELZ-GEE) exigirá forte e rápida redução do uso de combustíveis fósseis e a expansão de alternativas de energia. Vários países anunciaram metas de redução de emissões de GEE em 40% a 50% nos próximos dez anos como uma etapa para ELZ. Ainda onde a ambição parece menor, há mudanças, como na China, onde as emissões deverão começar a cair ainda na década corrente, antecipando a expectativa do Acordo de Paris.

O caminho para ELZ passa pela ampliação da geração elétrica por fontes eólica e solar, a expansão dos biocombustíveis, e a eletrificação de muitas atividades, notadamente nos transportes, como indicou o recente relatório da Agência Internacional de Energia (IEA)1 e tem sido a ênfase do governo americano. Essas mudanças estão previstas também em vários planos de recuperação pós-covid nos países desenvolvidos e deverão criar novas demandas para várias commodities. Elas alcançarão o cobre, lítio, níquel e cobalto. E também o paládio, de grande uso na indústria eletrônica e na purificação do hidrogênio, e as “terras raras”, tais como o neodímio usado para imãs em motores e em equipamentos de saúde. O preço do paládio vem crescendo 40% ao ano desde 2015, mesmo que os contratos futuros sugiram agora certa estabilização.

E quais as consequências desses movimentos para o Brasil? Muitas, podendo ser diretas e imediatas, como a influência da maior renda auferida pelos produtores de commodities no câmbio e na atividade. E indiretas, como o efeito nas condições financeiras do Brasil de um aperto na política monetária americana para responder ao seu impacto na inflação americana.

A valorização recente das commodities ajudou a apreciar o real desde o começo do embarque da safra de soja na virada do segundo trimestre de 2021. Houve também a volta dos investidores estrangeiros à bolsa brasileira desde o começo do ano, o que influenciou o fluxo cambial e valorizou as ações de empresas com exposição a commodities como celulose, minério de ferro e produção de carnes. O efeito multiplicador no PIB do maior valor das exportações agrícolas desde 2020 está refletido na expansão da produção de implementos e veículos de transporte, e no investimento nas propriedades agrícolas. Além disso, a apreciação do câmbio começa a ajudar o Banco Central a controlar a inflação, diminuindo a pressão sobre os juros de curto prazo. Com isso, a preocupação com a dívida pública é aliviada, estimulando o investimento no país. Algum cuidado sempre é necessário, porque o aumento do preço das commodities também pode ter efeitos fugazes ou até atrapalhar o Brasil, na medida em que ele não for bem aproveitado, ou leve a um aumento antecipado dos juros internacionais.

Olhando de forma mais ampla e horizonte mais longo, vale a pena aproveitar o bom momento das commodities para avaliar as perspectivas no setor agropecuário. Os principais grãos estão sob grande pressão causada por fatores como a queda na área plantada nos EUA, talvez em reação à queda nas exportações e aumento de subsídios aos produtores nos anos recentes; eventos climáticos negativos em vários países produtores; mudanças na estrutura produtiva da carne suína na China, agora mais intensiva em grãos; e o pulo na demanda por biocombustíveis. Os dois primeiros fatores são temporários, enquanto os dois últimos devem ser mais permanentes. Há pouco o que fazer em relação ao clima, afora proteger os biomas naturais. Em relação aos outros, é importante estar atento às intenções da China e aos incentivos criados pela urgência de se avançar para um mundo ELZ.

Extração de Minérios
(Luis Veiga/.)

A China é o maior produtor mundial de arroz, trigo, batatas e amendoim; o segundo de milho e o terceiro de cana de açúcar e algodão, além de liderar a produção de numerosos legumes e frutas. As regiões rurais da China perderam quase 200 milhões de pessoas nos últimos 10 anos, mas o desafio tem sido enfrentado com o desenvolvimento e difusão de tecnologias adaptadas para pequenas propriedades nas regiões agrícolas tradicionais, e para grandes espaços na fronteira agrícola do Oeste. Essa fronteira é árida, mas de grande potencial, quando pensamos no milagre da tecnologia no Cerrado brasileiro. Ou seja, apesar das vantagens comparativas da China importar comida e exportar bens industriais e tecnologia, ela tem recursos suas compras a considerações de segurança alimentar, incorporando novas áreas de produção de alimentos, e variando a composição e intensidade tecnológica da sua produção agropecuária. Ela pode fazer isso sem penalizar muito sua produtividade e com repercussões potencialmente importantes no comércio internacional. Independente dos preços dos alimentos hoje, são considerações quando se pensa na agricultura brasileira, sua concentração em alguns produtos, e sua sustentabilidade em cenários de aquecimento global acima de 2ºC.

Também temos que explorar os biocombustíveis, que a IEA prevê responderão por até 20% da energia consumida em um mundo ELZ. Há espaço para florestas plantadas, para o querosene de dendê enquanto os aviões elétricos ou a hidrogênio não chegam, e para biocombustíveis hidrogenados, além do etanol reformado em hidrogênio para alimentar as células combustíveis dos automóveis.

As células combustíveis e os metais que elas requerem como catalisadores para a formação da corrente motriz apontam para o mundo de recursos minerais a ser conquistado ou reconquistado pelo Brasil. Somos marginais em muitos dos metais da nova economia, nossa produção de cobre tendo caído, apesar do preço do metal ter quintuplicado desde 2000. Um esforço nacional de pesquisa fora das áreas de proteção ambiental parece indispensável para criar oportunidades nesse setor, aproveitando nossa experiência na mineração e nos alinhado a países como o Chile, que está alavancando sua liderança em cobre e lítio.

O Chile também está investindo em outra commodity do futuro, que é o Hidrogênio Verde produzido com eletricidade de fontes renováveis. Ele pretende exportar $25 bilhões por ano desse produto, o que lhe renderá valor comparável ao das exportações atuais de cobre. A amplidão das áreas com bons ventos e radiação solar no Brasil nos permite essa possibilidade também, participando também em um mercado global já incentivado pela Europa.

Em suma, para o Brasil o mais importante é criar condições para que a riqueza trazida pelo recente aumento do preço das nossas commodities possa ser investida no país hoje, nos prepararmos para condições financeiras internacionais um pouco mais apertadas no futuro próximo e, especialmente, para aproveitar as muitas oportunidades associadas à economia com emissões líquidas de carbono zero (ELZ) que está chegando.

Joaquim Levy, diretor de estratégia econômica e relações com o mercado no Banco Safra S.A. e ex-Ministro da Fazenda

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