A rota da retomada – Um plano para a reindustrialização brasileira
por RedaçãoAtualizado em 2 dez 2022, 17h01 - Publicado em
28 nov 2022
10h00
Apresentação
Elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Plano de Retomada da Indústria apresenta a sua contribuição para a retomada do desenvolvimento industrial, que é fundamental para o crescimento consistente e sustentável economia nacional.
Seu objetivo principal é lançar as bases para a reindustrialização do país, em novos padrões, de forma que possamos ser parte da solução das questões climáticas e, ao mesmo tempo, nos integrarmos, de forma competitiva e sustentável, nas cadeias globais de valor, levando em conta o contexto das transformações globais ocorridas nos últimos anos.
O Plano de Retomada da Indústria integra um conjunto harmônico de objetivos estratégicos de longo prazo com propostas de curto prazo, que visam subsidiar as ações governamentais nos primeiros 100 dias do novo governo, para fazer face aos desafios do desenvolvimento industrial.
“Mais do que nunca, é fundamental e urgente que o Brasil utilize melhor sua grande disponibilidade de recursos naturais e de fontes de energia limpa, aumentando os investimentos em inovação e novas tecnologias”, explica Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, e completa: “Dessa forma, além de gerar benefícios para a nossa população, estaremos, também, contribuindo, de modo efetivo, para o futuro do planeta”.
O setor industrial é o que tem maior capacidade para dinamizar a economia e multiplicar riquezas. A cada R$ 1 produzido na indústria de transformação, são gerados R$ 2,43 na economia como um todo. A título de comparação, na agricultura são gerados R$ 1,75 e nos setores de comércio e serviços, R$ 1,49. Gera cerca de 10 milhões de empregos, o equivalente a 20% do total de trabalhadores formais do país. E são ocupações que, em geral, são mais qualificadas e mais bem remuneradas que a média nacional.
Apesar disso tudo, e ainda de representar 22% PIB, 68% dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento e 72% das exportações de bens e serviços, a indústria é onerada com 38% de toda a tributação no Brasil. A consequência é o entrave de um setor que tem a capacidade de puxar o crescimento do restante da economia por possuir cadeias produtivas longas e ser o grande indutor de inovações. A alta produtividade e a produção em larga escala da agropecuária nacional, por exemplo, deve-se, em grande medida, aos insumos fornecidos pela indústria, tais como ferramentas, máquinas e equipamentos com grande conteúdo tecnológico; rações para animais; sementes, fertilizantes e defensivos.
Em meados da década de 1980, o setor fabril chegou a ser responsável por quase metade do PIB brasileiro. Desde a década de 1990, entretanto, o Brasil tem sofrido um preocupante processo de desindustrialização, que se agravou severamente nos últimos dez anos. A indústria de transformação – 27% do PIB em 1985 – terminou o ano de 2021 com apenas 11% de participação na produção nacional.
Mais grave ainda foi a queda da participação da brasileira na produção mundial. Em 1995, nossas manufaturas representavam 2,77% do total global, percentual que hoje é de apenas 1,28%, como mostra recente estudo elaborado pela CNI.
O grande responsável por esse encolhimento é o chamado Custo Brasil: um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país, influenciam negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos nacionais e custos de logística, comprometem investimentos e contribuem para uma excessiva carga tributária.
Estudo realizado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), por encomenda do Ministério da Economia, estima que os diversos fatores que compõem o “Custo Brasil” retiram, anualmente, cerca de R$ 1,5 trilhão das empresas instaladas no país, o equivalente a 20% do PIB nacional.
A economia mundial vive um novo contexto, sobretudo em função dos impactos da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia, das mudanças climáticas e das tecnologias disruptivas que caracterizam a Quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0. Neste cenário, todos os países estão buscando formas de fortalecer suas indústrias, com a implementação de políticas industriais lastreadas no lançamento de planos estruturantes para lidar com as transformações em curso.
Atualmente, existem apenas medidas esparsas de incentivo e apoio setorial à indústria. O Brasil está ficando, novamente, para trás na corrida pela competitividade. Os recursos públicos direcionados à indústria são desproporcionalmente inferiores à sua contribuição para a economia. Apesar de sua importância, a indústria recebe aportes e incentivos bem menores do setor público do que o agronegócio, por exemplo.
Reverter a desindustrialização é crucial
Por Robson Braga de Andrade*
Em meados da década de 1980, o setor industrial chegou a ser responsável por quase metade do PIB brasileiro. A expansão do setor foi resultado da adoção de políticas públicas que incentivaram investimentos do governo e da iniciativa privada em setores estratégicos, como energia, transportes, comunicação, siderurgia, mineração e petróleo. Elas foram decisivas para o crescimento e a consolidação de nosso parque industrial, hoje entre os mais modernos e diversificados do mundo.
Desde a década de 1990, entretanto, o Brasil tem sofrido um preocupante processo de desindustrialização, que se agravou severamente nos últimos dez anos. A indústria de transformação, que em 1985 representava 36% do PIB, terminou o ano de 2021 com apenas 11% de participação na produção nacional. O fenômeno aconteceu na contramão do restante do mundo: em 1995, nossa indústria manufatureira representava 2,77% da produção mundial, percentual que hoje é de apenas 1,28% – menos da metade da importância que já teve.
A capacidade que o setor tem de multiplicar riquezas torna esse encolhimento especialmente danoso ao nosso país. Cada R$1 produzido pela indústria de transformação gera R$2,43 na economia como um todo, ao fomentar longas cadeias produtivas e agir como indutor de inovação. A título de comparação, R$ 1 na agricultura acarreta um crescimento de R$1,75, e nos setores de comércio e serviços, R$1,49. Um exemplo que ajuda a esclarecer como se dá essa multiplicação é a revolução de telecomunicações: graças à criação de produtos industriais como smartphones, sensores, torres de transmissão, entre outros, permitiu-se um profundo aumento na produtividade dos setores de serviço e comércio. A eficiência e a produção em larga escala da agropecuária devem-se também, em grande medida, aos insumos fornecidos pela indústria, tais como ferramentas, máquinas e equipamentos com grande conteúdo tecnológico, além de rações para animais, fertilizantes e defensivos.
São muitas as causas da perda de competitividade da indústria nacional. Destacam-se, entre elas, os elevados custos sistêmicos, conhecidos como Custo Brasil, além da ausência de uma estratégia de desenvolvimento industrial. O Custo Brasil – que, como divulgado pelo Ministério da Economia, consome 1,5 trilhão de reais anualmente das empresas – é o somatório de diversos problemas, como o sistema tributário complexo, oneroso e cumulativo, a infraestrutura deficiente, o financiamento escasso e caro, a baixa qualidade da educação no país, o ambiente macroeconômico instável, e a insegurança jurídica.
Produzir no Brasil, por esses fatores, é mais caro em comparação com os nossos principais concorrentes. Eles tornam o preço final dos produtos nacionais mais altos, o que se converte em perdas de exportações no exterior e de um maior espaço para importados no mercado doméstico. Para eliminar, ou pelo menos minorar essa dicotomia, uma prioridade urgente é a reforma da tributação sobre o consumo. A Proposta de Emenda à Constituição 110/2019, em discussão no Senado, contempla as principais demandas do setor produtivo nessa área: a eliminação da cumulatividade, e a imediata recuperação dos créditos tributários devidos. A consolidação da tributação indireta é imprescindível pa- ra acabar com as distorções do sistema tributário atual, que levam à perda de competitividade e de eficiência, não ape- nas da indústria, mas de toda a economia brasileira.
Outra medida essencial é a recuperação da capacidade de investimento em infraestrutura. A ampliação dos aportes em transportes, energia, saneamento e telecomunicações garantiriam reduções de custo significativas para as empresas.
“A capacidade que o setor tem de multiplicar riquezas torna esse encolhimento especialmente danoso ao nosso país.”
Não basta, porém, superar os gargalos antigos relacionados ao Custo Brasil. É imperativo que o país invista na adoção de uma política industrial moderna, alinhada com as melhores práticas internacionais. Novas estratégias de desenvolvimento industrial têm sido o grande foco de Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, China, Alemanha e demais integrantes da União Europeia. Um levantamento realizado pela CNI sobre os ambiciosos planos destes países nesta área revela que, juntos, eles preveem investimentos da ordem de 5 trilhões de dólares nos próximos anos em políticas de apoio às suas respectivas indústrias, com vistas a alcançar objetivos estratégicos, como a digitalização e a descarbonização da economia.
E o principal meio para se atingir as metas de uma política industrial moderna é o desenvolvimento científico e tecnológico, que coloca a inovação como principal fonte de ganhos de produtividade e de competitividade. Nos Estados Unidos, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) correspondiam, em 2018, a 2,83% do PIB. No mesmo ano, a China investiu 2,14% de seu produto interno, e a Coreia do Sul chegou a 4,53%. Na contramão do mundo, o Brasil vem reduzindo seu investimento em P&D e, hoje, investe apenas o equivalente a 1,2% de sua economia.
Será essencial que o presidente eleito tenha como prioridades de governo reduzir o Custo Brasil e apoiar firmemente a indústria nacional no desenvolvimento de técnicas de manufatura avançada e na incorporação dos avanços da Indústria 4.0. É urgente, também, que o país aproveite as janelas de oportunidades abertas na área de meio ambiente, em função das mudanças climáticas, investindo em tecnologias que permitam a transição para uma economia de baixo carbono, com políticas destinadas à transição energética e à economia circular.
A política de desenvolvimento industrial deve ser estruturada com a garantia de recursos orçamentários e com uma ampla capacitação de mão de obra para sua implementação. Um de seus principais pilares deve ser o financiamento direcionado, com juros competitivos, para inovação, exportação e economia de baixo carbono. No mundo todo, as linhas de aporte que sustentam esses investimentos são majoritariamente públicas, dada a sua importância estratégica. Ela também precisa, necessariamente, ser construída com foco no longo prazo – o que requer previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica, fatores essenciais para amparar as decisões de investimento do setor privado.
A reversão da acelerada e precoce desindustrialização em curso no Brasil é crucial para que o país retome a trilha do crescimento econômico sustentável. E este objetivo só será alcançado com a adoção de medidas que garantam às indústrias nacionais igualdade de condições frente à acirrada competição do mercado internacional, com a eliminação do Custo Brasil e com políticas de apoio à indústria similares às implementadas pelos nossos competidores. A premissa básica é que não existe país forte e desenvolvido sem uma indústria dinâmica, competitiva e integrada ao mercado global.
–(CNI/.)
*Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
As principais propostas do plano de retomada da indústria
–(Sarote Pruksachat/Getty Images)
O Brasil vive um momento complexo e desafiador, porém repleto de oportunidades que não podem ser perdidas. O cenário internacional e o contexto econômico interno recomendam que a indústria nacional ofereça alternativas ao presidente eleito, para que o novo governo possa adotar, o mais rapidamente possível, as medidas necessárias para reindustrializar o país. Só assim será possível retomar a trilha do desenvolvimento de forma sustentável e inclusiva.
Com essa finalidade, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) apresenta a sua contribuição para a retomada do desenvolvimento industrial, que é fundamental para o crescimento da economia. O presente plano torna públicas as propostas do setor industrial para a ampliação dos investimentos, da produção manufatureira e das exportações em basesmodernas e inovadoras, de forma a viabilizar a inserção competitiva do país nas cadeias globais de valor.
O Plano de Retomada da Indústria integra um conjunto harmônico de objetivos estratégicos de longo prazo com propostas de curto prazo, que visam subsidiar as ações governamentais nos primeiros 100 dias do novo mandato, para fazer face aos desafios do desenvolvimento industrial.
Em linhas gerais, o plano busca dar à indústria um tratamento equivalente ao dispensado ao setor agropecuário, com alocação de recursos públicos proporcional ao peso do setor na formação do PIB. Seu objetivo não é onerar as contas públicas. A ideia é justamente que ele autofinancie ao acelerar o crescimento econômico e a arrecadação tributária.
A redução do Custo Brasil tornará nossos produtos mais competitivos no mercado internacional e no mercado doméstico, ganhando espaço nas exportações mundiais e em relação aos produtos importados. Já as propostas de estímulo à inovação e digitalização da economia terão impacto direto sobre a nossa produtividade, permitindo que se produza mais a partir de menos recursos.
As propostas foram divididas em 11 temas, e estão resumidas a seguir:
Financiamento e Garantias
– Reformular o sistema de financiamento e garantias para exportação.
– Ampliar os recursos públicos para fundos garantidores internos (FGO e FGI).
– Aprovar o Novo Marco de Garantias.
– Implantar um programa de consolidação do mercado de Venture Capital focado em startups intensivas em tecnologia.
Tributação
– Promover a completa desoneração dos investimentos e das exportações.
– Ampliar as possibilidades de compensação automática de créditos tributários.
– Assegurar o ressarcimento imediato dos créditos tributários acumulados.
– Permitir a depreciação acelerada de bens de capital aplicados a investimentos.
– Harmonizar as regras de tributação de lucros obtidos no exterior com os padrões internacionais.
– Aprimorar o modelo brasileiro de Acordos para Evitar Dupla Tributação.
– Aperfeiçoar os mecanismos tributários de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica (PD&I).
Ambiente de Negócios
– Recriar o Ministério da Indústria e do Comércio Exterior.
– Aprovar do Código de Defesa dos Contribuintes.
– Atualizar do Código Tributário Nacional.
– Aprovar o Marco Legal do Reempreendedorismo.
– Elaborar plataforma online para registro de todos os regulamentos federais vigentes.
– Elaborar plataforma de denúncias sobre produtos pirateados ou roubados.
Comércio Internacional
– Estabelecer modelo de governança e coordenação intra e intergovernamental em matérias de comércio exterior.
– Avançar nos acordos do Mercosul com UE e EFTA, México, Canadá, Reino Unido e SACU.
– Revitalizar a agenda do Mercosul.
– Avançar no processo de adesão à OCDE.
– Ampliar o intercâmbio das agências e órgãos reguladores brasileiros com os seus congêneres internacionais.
–(Krongkaew/Getty Images)
Compras Governamentais
– Regulamentar o Art. 26 da Nova Lei de Licitações para estabelecer as margens de preferência e os critérios para sua adoção nas compras públicas.
– Estabelecer os critérios à aplicação de medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica.
Recursos Humanos
– Elaborar uma política nacional de educação profissional e tecnológica.
– Ampliar as matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
– Implementar ações de requalificação profissional.
– Atualizar cursos de engenharias alinhados às novas demandas do futuro do trabalho.
– Implementar Política Nacional de Educação Digital.
Relações de Trabalho
– Permitir o trabalho aos domingos e feriados para todas as atividades.
– Permitir que o serviço médico da empresa subsidie a perícia médica do INSS.
– Criar o Conselho Administrativo de Recursos Trabalhistas.
– Modernizar a legislação de aprendizagem profissional.
Infraestrutura e Logística
– Aprimorar o modelo regulatório e comercial do setor elétrico, assegurando a expansão do mercado livre
– Reduzir os encargos setoriais incidentes sobre a conta de energia elétrica
– Promover o acesso de terceiros às infraestruturas essenciais no setor de gás natural e à infraestrutura de transporte no setor de combustíveis líquidos.
– Permitir outorgas de concessão na área do Pré-sal.
– Conceder as administrações portuárias para a gestão privada.
Meio Ambiente
– Criar Programa de Eficiência Energética na Indústria.
– Incentivar novas fontes renováveis de energia, como hidrogênio e eólica.
– Implementar um mercado regulado de carbono, na forma de um sistema de comércio de emissões.
– Instituir a Política Nacional de Economia Circular.
– Impulsionar cadeias de valor que valorizem a floresta em pé e o uso sustentável da biodiversidade.
– Aprimorar e modernizar o processo de licenciamento ambiental.
Inovação, Ciência e Tecnologia
– Estruturar uma Política Nacional de CT&I articulada à Política Industrial.
– Elevar o investimento nacional em P&D aos níveis praticados pela OCDE.
– Criar mecanismos de encomendas que estimulem o desenvolvimento de tecnologias nacionais.
– Assegurar a autonomia financeira e de gestão do INPI.
– Criar um programa para a difusão de técnicas de manufatura enxuta.
– Acelerar a digitalização das empresas industriais brasileiras.
Saúde e Segurança no Trabalho
– Tornar o país referência em Atenção Primária a Saúde.
– Criar mecanismos para consolidar bases de dados de saúde no Brasil.
– Estabelecer parcerias com países referência em gestão de saúde.
– Regulamentar a Telessaúde.
Os vetores do progresso econômico
Por Josué Gomes da Silva*
Neste ano do bicentenário da Independência, o Brasil, um país que ostentou elevadas taxas de crescimento nos primeiros 80 anos do século passado, perdeu o ritmo de expansão. Nas últimas quatro décadas, a indústria de transformação nacional encolheu: sua de participação no PIB, que já foi de 27%, patina hoje por volta dos 11%. A questão é especialmente grave porque nenhum outro setor tem tamanha capacidade de dinamizar a economia.
Alguns dados comprovam essa importância. A indústria de transformação possui efeito multiplicador de 2,4, ou seja, a cada R$1 produzido, são gerados R$2,40 na economia. Além disso, possui efeitos positivos sobre o mercado de trabalho ao pagar maiores salários e ter um alto grau de formalização. A indústria representa 67% dos gastos privados em pesquisa e desenvolvimento, com efeitos que transbordam para outros setores da economia e fortalecem o progresso tecnológico. Uma das razões pelas quais a indústria está perdendo participação é o fato de arcar com a maior parcela na arrecadação tributária total, ao redor de 30%, a despeito de representar 11% do PIB.
Para a economia, é fundamental recuperar o tamanho da indústria de transformação. Ela é a portadora do futuro, dada a sua capacidade de inovar, e tradicionalmente apresenta uma produtividade maior quando comparada com outros setores. Essa relação se deve, principalmente, à intensidade de capital e à presença de economias de escala, que viabilizam a absorção de tecnologia por meio de máquinas e equipamentos, bem como via transbordamentos tecnológicos para outros setores. Contudo, a produtividade brasileira vem se reduzindo e a indústria está sendo penalizada nesse processo. O rendimento do trabalho no Brasil já foi quase 50% do norte-americano, mas representa hoje menos de 26%. É menor também do que a do México e dos europeus.
Reverter esse processo não é uma tarefa fácil, embora os diagnósticos sejam plenamente conhecidos. As federações das indústrias, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), têm feito um trabalho importante no campo da educação, condição necessária para promover a recuperação do setor. O investimento na área é uma emergência nacional, uma vez que a pandemia agravou o atraso brasileiro neste campo. Os índices mostram que, a cada 100 alunos que entram no ensino fundamental I na rede pública em São Paulo, menos de 70 concluem o ensino médio até os 19 anos. Dos que terminam o ensino fundamental, menos de 50% possuem aprendizagem adequada em Língua Portuguesa, enquanto no ensino médio esse índice cai para menos de 40%. Para dizer o mínimo, trata-se de aprendizado insuficiente e desadaptado às necessidades do estudante, da sociedade e da economia.
“Para a economia, é fundamental recuperar o tamanho da indústria de transformação.”
Os impactos desse retrocesso não serão resolvidos de imediato. Há que se eleger prioridades, portanto. O primeiro passo é avançar na melhoria dos indicadores do ensino médio, e uma das melhores alternativas é prestigiar o itinerário profissional tecnológico. Um avanço importante foi verificado a partir da aprovação da Lei do Novo Ensino Médio, que passou a incluir a qualificação profissional no currículo. Contudo, há mais o que fazer nesse tema a fim de promover a valorização e a qualificação do corpo docente.
Precisamos reforçar a importância da educação profissional e tecnológica na sociedade, modalidade de ensino que possui a grande vantagem de associar dois direitos fundamentais: o direito à educação e o direito ao trabalho. Em lugares como Alemanha, Suíça, Áustria e Holanda, metade dos alunos do ensino médio também recebem formação profissional tecnológica. Não é por acaso que tais países apresentam os menores índices de desemprego entre os jovens e as maiores taxas de industrialização dos países europeus que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, em contraste, apenas um em dez estudantes matriculados no ensino médio têm acesso a cursos profissionalizantes.
Ao assumir a presidência da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), meu principal propósito foi investir em educação. Para voltar a contar com uma indústria de transformação pujante, indispensável para o país retomar taxas elevadas de crescimento, precisamos nos dedicar a educar nossos jovens. A boa notícia é que o Brasil já dispõe de instituições como o SESI e o SENAI, que prestam serviços eficientes não só à indústria, mas à sociedade como um todo, por meio do fomento à instrução de qualidade, inovação e tecnologia, cultura, lazer e esporte. O SENAI tem conhecimento e capacidade para ajudar os estados a expandirem e modernizarem o ensino profissional no país, de forma articulada com o sistema público.
Para o incremento da produtividade é imperativo, ainda, o fortalecimento do acesso ao crédito que permita o investimento em máquinas e equipamentos modernos. A partir de uma educação de qualidade e capital da fronteira tecnológica, será possível retomar a expansão do setor e da economia como um todo. Caso contrário, continuaremos a ver nosso rendimento diminuir dia a dia.
É fundamental neste processo também implementar mudanças no modelo atual de tributação, e o ideal é a instituição de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplamente adotado pelas principais economias ao redor do globo. Esse princípio favorece a isonomia, a transparência e a simplicidade, com efeitos diretos sobre a competitividade das empresas e a segurança jurídica.
E temos que aproveitar que estamos muito bem colocados para nos tornarmos líderes em economia verde. As autoridades estrangeiras compreendem que o setor privado faz sua parte e que as empresas brasileiras cuidam do meio ambiente, a despeito de alguns casos isolados que, ao arrepio da lei, acabam prejudicando nossa imagem. A maneira de reindustrializar o Brasil é descarbonizando a economia, o que vem sendo feito por outras nações. O país deve abraçar essa alternativa, pois trata-se de uma oportunidade de desenvolvimento em uma área em que o país já tem autoridade, graças a um histórico de pesquisa e produção de etanol e outros biocombustíveis. Podemos exportar diversos produtos de valor agregado, mas para isso é fundamental que este processo seja conduzido com o desenho políticas industriais modernas, priorizando o progresso tecnológico e a transição para uma economia de baixo carbono.
O bicentenário da Independência é uma data a ser lembrada, comemorada e, ao mesmo tempo, analisada com um olhar para a frente, para que os próximos 200 anos contemplem uma trajetória de crescimento sustentado. Os investimentos convertidos hoje serão a base para a estrutura produtiva e a inserção da economia brasileira nas cadeias globais de valor no futuro.
–(./.)
*Josué Gomes da Silva, empresário e presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)
A relevância do domínio tecnológico
Por Paulo Gala*
São diversos os fatores que fomentam o desenvolvimento econômico de uma nação, mas um deles se destaca como condição primordial: o domínio tecnológico. Os países são ricos porque têm esse domínio ou, como dizem os economistas, estão na fronteira tecnológica. Não existe outro caminho para aumentar a renda per capita, enriquecer o país, e reduzir desigualdades, que não seja pelo avanço do conhecimento técnico e científico, em sintonia com a janela de oportunidade do momento histórico. Para usar um termo de Freud, a indústria é a “estrada real” para o domínio tecnológico. E não existe sociedade que tenha chegado na fronteira tecnológica do mundo sem um setor industrial forte. A ideia de que existe desenvolvimento sem indústria não para de pé.
Todos os países mais ricos do mundo são hiperindustrializados e têm um domínio tecnológico de fronteira. A produção per capita industrial das nações mais avançadas é de, no mínimo, 5 mil dólares, em algumas chega a 10 mil dólares. Elas perderam parte das fábricas chamadas medium tech ou low tech para regiões com mão de obra mais barata, mas mantêm a indústria de fronteira. Alemanha, Suécia, Coreia do Sul, Suíça, Estados Unidos, Finlândia e Dinamarca, por exemplo, são países com um parque super high tech e produção industrial per capita altíssima.
O setor de serviços sofisticados, em geral, caminha nessa mesma trilha. Um bom exemplo é a Apple, empresa mais valiosa do planeta, com valor estimado em cerca de 2.4 trilhões de dólares. Não é possível afirmar se ela é uma empresa predominantemente industrial ou de serviços tecnológicos. É claro que ela vende computadores e smartphones, porém toda a parte de design, TI (Tecnologia da Informação), e criação de softwares mostra que sua divisão de serviços complexos e sofisticados é essencial. Você não vai encontrar um setor de serviços hipersofisticado sem um setor industrial igualmente hipersofisticado ao lado.
Essa é uma premissa-chave para entendermos o que é preciso fazer para viabilizar a reindustrialização do Brasil. Não há outro caminho. O problema é que esse processo tem que ser feito em um ambiente em que os mercados estão extremamente concentrados. A ideia de que vamos simplesmente promover uma abertura comercial e conquistar compradores no mundo todo é um mito, porque vivemos em um cenário em que as grandes multinacionais detêm 30%, 40%, 60% do comércio mundial. Nosso desafio é enfrentar essa concentração, bater os incumbentes (players tradicionais), e construir empresas do porte de uma Boeing, de uma Siemens, de uma Pfizer.
Esse é o tipo de desafio que o Brasil enfrenta para se desenvolver no setor industrial. É ingênuo imaginar que a abertura comercial pura e simples fará com que consigamos lutar de igual para igual com empresas que possuem escala produtiva, domínio de patentes, e economias de escopo – vantagens que estão estruturando há séculos. Precisamos reconhecer a assimetria de competição. Cortar ou reduzir tarifas e abrir a economia brasileira não basta. O campo do comércio mundial não é neutro, mas inclinado, onde os países emergentes jogam chutando de baixo para cima. Alemanha, Suíça, Suécia, Itália, Estados Unidos e Japão têm posição de domínio nos mercados tecnológicos mais sofisticados. Suas multinacionais jogam de cima para baixo, graças às ações tomadas no passado em seus países.
“Todos os países mais ricos do mundo são hiperindustrializados e têm um domínio tecnológico de fronteira.”
Nosso desafio é encontrar vantagens comparativas que nos permitam bater as empresas que já dominam o jogo. São necessárias as políticas públicas para que elas consigam galgar espaços tecnológicos. E que se cobrem contrapartidas, como a conquista de mercado internacional, alcance metas de exportação e avanços em pesquisa e desenvolvimento. Já temos algumas companhias com domínio tecnológico e alcance global – como WEG, Marco Polo, Embraer e Iochpe – mas elas ainda são exceções à regra. É preciso mais, muito mais.
Janela de oportunidades
Uma chave crucial para destravar o salto tecnológico é a identificação certeira de oportunidades no cenário global. Exemplo disso é a Coreia do Sul, que nas décadas de 1980 e 1990 soube dar saltos para aproveitar janelas tecnológicas que então se abriam. O país conquistou o mercado de televisões ao fazer um bypass na inovação dos aparelhos: enquanto o Japão explorava suas fábricas de televisores com tubo, os coreanos pularam direto para a tela plana. Anos depois, repetiram a estratégia ao pular os telefones celulares direto para os smartphones.
Mais recentemente, a China aproveitou a janela de oportunidades aberta pelo mercado de veículos movidos a eletricidade. Do total de 1 milhão de automóveis elétricos fabricados por ano no mundo, os orientais produzem mais da metade. Na cidade de Shenzhen, 100% dos ônibus e 50% dos táxis já rodam a bateria. A principal linha de montagem da Tesla, que criou o primeiro veículo totalmente elétrico do mundo, fica em Shanghai.
O Brasil tem, hoje, a oportunidade da janela da transição verde, da sustentabilidade. Já somos um dos maiores players mundiais em etanol e em biomassa, e temos um grande potencial para o hidrogênio verde. Além disso, 10% da energia nacional é gerada em parques eólicos no Nordeste. Isso é mais do que é gerado na usina Itaipu. A multinacional brasileira WEG está entrando no mercado de aerogeradores e já tem participação importante na produção de veículos elétricos na China.
Há consenso de que o meio ambiente está sendo destruído. Se não fizermos uma transição energética, a civilização não vai aguentar. Todos os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, mas, para aproveitar a oportunidade, precisamos desenhar políticas públicas que fomentem o desenvolvimento do país nessa área. A janela para fazer o bypass é agora.
A visão da sustentabilidade precisa ser reunida com visão de negócio, como oportunidade para reindustrializar o Brasil, na transição em marcha da economia mundial. Essa é a grande janela que se abre para o desenvolvimento econômico do país. Temos os recursos necessários para nos beneficiarmos dessa chance histórica, mas precisamos fazer as escolhas certas.
Commodities X Tecnologia
De tempos em tempos, o Brasil se beneficia de um boom mundial de commodities. Avançamos muito nos últimos dez anos em área plantada de soja. Estamos entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo, com praticamente 4% da produção global. O volume que exportamos de minério de ferro, carne de boi, soja e demais produtos do agronegócio nos deixa em uma posição muito boa nos rankings internacionais.
No entanto estamos lidando mal com o desafio do desenvolvimento tecnológico industrial. Não temos políticas públicas desenhadas especificamente para aproveitar esse bom momento, com o propósito de reindustrializar o país. O desemprego está alto e os salários baixos, a produção industrial patina e, pior, a inflação voltou. Esse é o velho dilema brasileiro: quando temos uma bonança proporcionada pelas commodities, o fluxo de dólares enche nossas reservas e os setores extrativistas e do agronegócio têm um boom. Mas a consequência é o aumento do custo de vida, e a entrada de produtos importados, o que afeta a indústria nacional.
Nos últimos anos, graças ao grande volume de reservas de gás natural do pré-sal, o Brasil tornou-se uma espécie de Arábia Saudita do Atlântico Sul. Entretanto, de nada adianta só extrair o gás e vendê-lo para o mundo. Precisamos de políticas públicas que aproveitem o fluxo de divisas para investir na reindustrialização do país. Seria fundamental criar, por exemplo, uma indústria nacional de fertilizantes nitrogenados, para dar segurança ao agronegócio. O conflito bélico na Ucrânia revelou o altíssimo risco de ficarmos na dependência da Rússia e da Bielorrússia nessa área.
As missões industriais estão colocadas de maneira mais forte do que nunca. Não podemos cair no canto da sereia do boom de commodities. Não devemos repetir os erros do passado. É necessário e urgente desenhar uma agenda de reindustrialização com políticas públicas, missões, metas e projetos industriais, usando o BNDES e outras fontes de promoção do desenvolvimento. Esse é um dos grandes desafios colocados para o Brasil hoje, no contexto de transição para a economia verde e a sustentabilidade.
–(./.)
*Paulo Gala, economista e professor de economia na FGV-SP. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. É autor do livro “Brasil, uma economia que não aprende”
Retomada depende de estratégia e união
Por Armando Monteiro Neto*
O Brasil teve uma industrialização tardia, nascida um século e meio depois de estabelecidas as Primeira e Segunda Revoluções Industriais na Europa. Graças a um acerto em políticas adotadas a partir do início do século XX, o país conseguiu construir uma indústria vigorosa, diversificada e que, até bem pouco tempo, foi a mais importante plataforma manufatureira da América Latina. Nas últimas décadas esse processo se estagnou, o que nos colocou em uma situação curiosa: tivemos uma industrialização tardia e uma desindustrialização precoce.
Desde o início, o Estado desempenhou papel importante para o desenvolvimento nacional. Na Era Vargas, edificamos a indústria de base, que deu suporte ao vigoroso ciclo de substituição de importações, com produção de bens de consumo duráveis. Não fosse a implantação das siderúrgicas, petroquímicas e mineradoras, por exemplo, o Brasil não teria dado esse salto. O segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), nos anos 1970, avançou a pauta com um ciclo de substituição de importações de bens intermediários e de bens de capital.
Entretanto, vários fatores nos fizeram perder o impulso a partir dos anos 80: a instabilidade macroeconômica, inflação descontrolada e, depois, no próprio processo de estabilização da economia, fortíssima apreciação cambial e drástica elevação das taxas de juros. Esse solavanco econômico atrapalhou muito a indústria brasileira.
Houve, também, uma certa dificuldade de entendermos a natureza das mudanças no cenário mundial. Não conseguimos transitar da política de substituição de importações para um modelo aberto, que exigia desenvolver competências, especialmente na produção de bens de maior densidade tecnológica e maior complexidade. Aos poucos, ficamos defasados em áreas fundamentais, o que se refletiu no déficit na balança de manufaturados nos setores farmacêutico, eletroeletrônico e de informática.
O desafio, agora, é definir uma estratégia industrial que dialogue com os tempos atuais: a Indústria 4.0, a economia digital. É preciso entender que temos oportunidades que podem ser aproveitadas na transição energética da descarbonização da indústria. Contudo, tudo isso dependerá da capacidade de adotarmos políticas industriais nascidas de uma aliança estratégica entre o setor privado e o setor público, para promoção da competitividade, em várias dimensões, longe de um viés protetivo.
O nó do Custo Brasil
Os obstáculos para o crescimento da indústria são enormes. A sua infraestrutura física se deprecia a cada ano sem que o Estado consiga fazer sua manutenção. As disfuncionalidades do sistema tributário, que privilegia a importação em detrimento da produção nacional, adota um viés anti-industrial. Sobrecarrega o setor com uma segmentação em favor da tributação de serviços, algo único no mundo. O consenso internacional é que as taxas e impostos sejam integrados para que se redistribua a carga setorial de forma mais justa.
Diversos fatores determinaram esse quadro e terminaram por tirar o Brasil do ranking dos dez países com maior produção industrial. Perdemos espaço nos últimos anos para Taiwan e Indonésia, por exemplo. A Coreia do Sul já havia nos ultrapassado, e até o México, que tem uma configuração industrial diferente da nossa, já avança significativamente. Para recuperar relevância, precisamos de melhor coordenação intragovernamental para focar em uma agenda que corrija as distorções do chamado Custo Brasil.
“O desafio, agora, é definir uma estratégia industrial que dialogue com os tempos atuais: a Indústria 4.0”
O primeiro desafio é fazer avançar a reforma tributária, mas para isso é preciso desfazer o grande número de regimes especiais. A cada ensaio de avanço, alguns setores que ganham com as atuais disfunções se opõem às propostas colocadas na mesa. Por estar dispersa em várias áreas do governo, a agenda pró-competitividade demanda uma forte coordenação, com definição clara de metas e objetivos. Portanto, é como se tivéssemos, a um só tempo, uma agenda velha, que nos remete à solução de problemas antigos, e uma agenda nova, associada à aceleração do desenvolvimento de novas competências, sem o qual o Brasil poderá ficar definitivamente para trás na corrida industrial.
Um estudo elaborado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) estima que o Custo Brasil tira R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no território nacional, o que representa 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa oneração do setor industrial puxa a competitividade do país cada vez mais para baixo. É essencial priorizar o tema na agenda nacional, trazer para a discussão os setores público e privado, para políticas que enfrentem o problema de forma sustentada, sem mudanças ao sabor dos ciclos políticos. Precisamos ter clara compreensão de que, se não atacarmos a questão do Custo Brasil, vamos comprometer todos os esforços de modernização da economia feitos ao longo do tempo. O desafio é concentrar esforços nesse grande ônus que pesa sobre o setor produtivo brasileiro e atuar firmemente para enfrentar essa agenda dentro da formulação de uma política industrial moderna.
O tecido industrial brasileiro é muito heterogêneo. Há setores que estão na ponta do estado da arte, em termos microeconômicos, mas as ineficiências e os custos sistêmicos terminam por comprometer os esforços modernizantes. A reforma é fundamental para baixar o Custo Brasil. Esse modelo fragmentado que adotamos faz com que o setor de serviços seja subtributado no país. Não há uma compreensão adequada, por exemplo, referente à forte tributação sobre bens, que, por serem “comercializáveis”, nos deixam em desvantagem em relação à concorrência externa.
A busca pelo consenso
A boa notícia é que há um esforço de muitos atores da economia para superar os obstáculos que se impõe. As entidades representativas do setor produtivo têm promovido um constante diálogo com o Congresso Nacional, e os resultados já são visíveis. Já está na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição 110, que tem como diretriz principal a instituição de um modelo dual do Imposto de Valor Agregado (IVA). Ao nosso ver, a PEC responde de maneira adequada a um modelo tributário de classe internacional, harmonizado com os sistemas que hoje predominam no mundo.
A PEC 110 apresenta inédito consenso na esfera federativa. Pela primeira vez, Piauí e São Paulo se entenderam a respeito do que seria essa trajetória. Alguém até brincou: “quando isso acontece, desconfie, porque a conta vai ser endereçada ao consumidor”. Não é o caso. Os próprios estados perceberam que o sistema atual prejudica a todos, na medida em que a base do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) está se erodindo com a economia digital e com o crescimento em importância do setor de serviços. Essa agenda fundamental deve ser o norte, a grande orientação da mandala do combate ao Custo Brasil.
Se há razão para otimismo, há também motivo para se preocupar: o governo federal não conseguiu dizer, com clareza, qual era o seu projeto de reforma tributária. Tivemos sempre uma percepção de algo errático no Planalto: ora ele queria tratar do projeto que estabelece mudanças no Imposto de Renda para pessoas físicas, empresas e investimentos financeiros, ora queria fazer uma reforma de alcance muito limitado em relação apenas ao PIS/COFINS, que há muito já está definido. Se a PEC 110 não avançou, isso se deveu, em grande medida, à falta de clareza e de determinação do governo em relação ao tema, que só avança se o Executivo Federal tiver posição clara e compromisso claro a esse respeito.
É importante ressaltar que o longo período de relativa estagnação da economia brasileira coincide, em termos relativos, com o período de declínio da indústria. Entender que o Brasil só cresce se a indústria crescer é crucial, pois ela dissemina conhecimento e proporciona importantes conexões intersetoriais. Nos anos em que a indústria conseguiu crescer, a economia como um todo teve uma expansão per capita de quase 5%.
A implementação de uma estratégia que coloque a retomada da indústria no centro da agenda nacional é primordial. Este é um momento desafiador e, por isso, a liderança empresarial tem um papel decisivo para que essa agenda tenha centralidade. Há uma certa fragmentação no movimento corporativo e uma falta de clareza de interesses estratégicos, que devem se sobrepor a eventuais divergências interseririas. Gostaria de ver o surgimento de entidades com perfil multisetorial demonstrando, de forma unida e integrada, um compromisso claro na defesa dessa agenda estratégica para o Brasil. Esta é a nossa incumbência: fazer com que o peso político de nossa representação possa corresponder à exata medida das nossas ambições para o futuro.
–(./.)
*Armando Monteiro Neto, empresário, foi deputado federal, senador da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi também presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da qual, atualmente, é conselheiro emérito
A necessidade de uma política industrial robusta
Por Ana Cristina Rodrigues da Costa*
A industrialização tardia e dependente foi, certamente, um dos fatores que impediu o Brasil de alcançar um maior desenvolvimento até agora. Podemos dizer que a história do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criado há 70 anos, se confunde com o apoio do Estado para a industrialização do país de forma mais potente e efetiva. Desde então, conseguimos construir um moderno e diversificado parque industrial, onde convivem grandes transnacionais com um enorme número de micro, pequenas e médias empresas.
Para nos adaptarmos a um mundo em constante transformação geopolítica, com crescente tensão entre estados nacionais, reconfiguração das cadeias de valor global, e escassez de insumos, é crucial a criação de uma política industrial que fortaleça as cadeias locais de fornecimento com maior agregação de valor e inovação. Trata-se do único caminho para tornar o país mais resiliente diante de crises de diversas naturezas. O pressuposto dessa política é a constituição de setores com empresas capazes de assimilar e produzir novas tecnologias.
Ainda que o Brasil tenha grandes desafios e gargalos a serem superados, precisamos perceber que esse mesmo contexto complexo abre novos espaços e oportunidades para a construção de uma política industrial sustentável própria, que transforme o país de um absorvedor para um desenvolvedor de tecnologia.
O conjunto de capacitações organizacionais e produtivas pode ser desenvolvido pela rede de instituições científicas e tecnológicas existentes no país – como a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e os Institutos Senai de Inovação. Ambos têm larga expertise em desenvolver as chamadas tecnologias habilitadoras, que perpassam vários setores. Essas redes contribuem fortemente para a agenda da descarbonização, aprimorando tecnologias maduras, como o uso do etanol, até as de fronteira, como o hidrogênio verde. Já temos importante atuação no campo da indústria 4.0, mas precisamos aumentar nossa capacidade para mobilizar recursos a custos adequados.
Outro ponto relevante é como “relegitimar” a indústria por meio da promoção sua função social: gerar empregos de melhor qualidade, mais bem remunerados, e capacidade para inovar. Quem investe na indústria constrói os alicerces para gerar mais riquezas no futuro. Cabe ao governo estabelecer uma linha macroeconômica convergente com a política industrial, para que o país possa ter a capacidade de equilibrar seu balanço de pagamentos ao longo do tempo.
Nos últimos anos, temos importado cada vez mais peças, componentes e insumos. Uma consequência disso é que nossos engenheiros perdem a capacidade de inovação e de absorção tecnológica, o que mata a exportação de produtos de maior valor agregado. O desafio é como adentrar nas cadeias de valor global, de maneira a termos mais do que indústria maquiladora. Só assim teremos uma economia mais resiliente, descarbonizada e mais autônoma nas suas tomadas de decisão.
A força do Estado
Quem tem capacidade de ação e planejamento na grandeza necessária é o Estado. Cabe a ele, portanto, abrir relações com a academia, com a sociedade civil e com as empresas para a construção de ambientes democráticos onde se possa desenvolver pactos de curto e longo prazo. Neles, a indústria deve ser relevante – a tal ponto que os apoios dados pelo Estado ao setor se legitimem graças à possibilidade de ajudar a construir o futuro da nação: geração de riqueza mais bem distribuída, com melhor equidade e justiça social.
Temos possibilidades de construir uma indústria mais competitiva, mas para isso as políticas macroeconômicas e industrial precisam ser convergentes. As tecnologias habilitadoras – ou tecnologias genéricas, pervasivas – são a chave para fazer com que os diversos setores consigam adentrar na digitalização, na biotecnologia, na nanotecnologia e em outras inovações já existentes. O Brasil possui conhecimento nesses campos, tanto no setor privado quanto na academia. A área da saúde, por exemplo, se ressaltou nesse período da pandemia, e sua cadeia produtiva vem trabalhando para termos insumos estratégicos que atendam a nossas necessidades, nos momentos de crise ou não.
O Brasil tem possibilidade de trabalhar no que hoje tem sido chamado de nearshoring, que significa o fornecimento em cadeias produtivas próximas geograficamente da sede das empresas multinacionais. Recentes problemas ligados a guerras e à pandemia na Rússia e China evidenciaram o risco de se concentrar a produção na Ásia. Temos capacidade de atração, mas precisamos agir com inteligência, instalando centros de P&D para elaborarmos cadeias produtivas locais de suprimento, com capacidade de desenvolvimento tecnológico e inovação, nas quais tenhamos ganhos relativos e agregação de valor aos nossos produtos e serviços.
“Quem investe na indústria constrói os alicerces para gerar mais riquezas no futuro.”
Os investimentos mais significativos do Brasil nesse campo remontam ao PND (Plano de Desenvolvimento Nacional) e ao Plano de Metas e Bases, desenvolvidos no início da década de 1970. Atualmente não temos uma linha mestra organizada, mas temos casos recentes de sucesso, como a formação da cadeia de fornecimento de energia eólica. Os instrumentos para tal já existem. Temos que olhar o passado para aprender a construir o futuro, levando em conta a realidade do presente.
As políticas industriais e de inovação nos países avançados sempre estiveram ativas nas décadas de 1980 e 1990. Pós-2008, depois da falência do Lehman Brothers, e principalmente a partir de 2012, percebeu-se que era preciso construir novas estratégias. Os Estados Unidos começaram a perder liderança para a China, em parte porque os orientais passaram a ter o processo produtivo mais próximo da academia. Quando isso acontece, consegue-se potencializar a inovação.
Precisamos aproveitar o processo produtivo ainda existente, fortalecer os laços com as universidades e garantir que política industrial e macroeconômica sejam convergentes. Também devemos rever premissas que nos amarram. Os chineses juntam o prático e o teórico e sem se prender a ideologias ou conceitos que perderam o sentido. Princípios devem ser repensados o tempo todo. O binarismo a que estamos acostumados precisa ser escanteado, para que possamos aprender a agir de maneira mais orgânica e a usar vários instrumentos, antigos ou não.
Desafios da inovação na indústria
Sem demanda agregada, não podemos pensar em investimentos. Quando se analisa o investimento de um plano de inovação, o agente financeiro olha a perspectiva do mercado potencial para saber se o projeto vai se pagar. O empresário tem essa mesma preocupação: ter confiança de que vai vender o suficiente para quitar o empréstimo ou remunerar o capital dos sócios. Oferta e demanda precisam estar equilibradas.
Quando um país dispõe de um aparato de Estado trabalhando em encomendas tecnológicas dirigidas para o futuro, ele garante a previsibilidade que permite que empresas invistam regularmente, e não de forma esporádica, em P&D. Esse processo não ocorre da noite para o dia, pois é cumulativo. É vital que as empresas se empenhem em inovações incrementais que, em algum momento, possam gerar inovações disruptivas. As empresas precisam ter capacitação para inovar, ter planos e estar sempre buscando se modernizar, com a perspectiva de mercado potencial: o que pretende e porque está fazendo essa ou aquela aposta.
Os países que seguem políticas industriais agregam vários setores, inclusive os bancos de desenvolvimento. Mesmo o Brasil tem um sistema nacional de fomento pronto. Urge mapear, estimular e aplicar os recursos adequados e coerentes para melhorar os indicadores de inovação. O contexto atual é bastante positivo para essa mudança, o desafio é reforçar a capacidade de inovar. Para isso, há que se combinar os tecidos industrial e acadêmico, frutos de investimentos pretéritos ainda relevantes. Ainda que tenhamos urgências sociais, precisamos trabalhar o curto prazo sem perder de vista o longo.
A indústria é fornecedora de bens, máquinas, equipamentos e serviços, que estão cada vez mais juntos e misturados com os conceitos da indústria 4.0. Podemos trabalhar com o parque fabril que temos, inclusive para atender às urgências sociais e ambientais. Os Estados Unidos têm como driver de crescimento os investimentos em defesa, energia e saúde. Precisamos descobrir quais são nossos drivers, para fazermos as ligações com setores cujas tecnologias ali desenvolvidas perpassem os demais setores.
Por exemplo, temos investimentos para a indústria 4.0 que aumentam a produtividade e a eficiência, especificamente para se atingir a meta de descarbonização. Já temos um vasto avanço no desenvolvimento de fontes renováveis de energia, como os biocombustíveis, o biogás e a biomassa, além das usinas eólica e solar. Da mesma forma, setores relevantes – como agricultura, petróleo e gás, defesa e aeronáutica, saúde e mobilidade – podem ser estimulados a investir a partir de encomendas tecnológicas, parcerias público-privadas, leilões e concessões. Assim, conseguiremos criar uma matriz positiva, gerando um ciclo virtuoso para repassar ao restante da economia. Instituições como o BNDES, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e as FAPS (Fundações de Amparo à Pesquisa) são muito relevantes, não apenas como agentes financiadores, mas também como catalisadores dos investimentos privados, para termos como financiar com custos adequados o desenvolvimento do país. É o caminho para conseguir, através da inovação na indústria, uma transição tecnológica e energética que nos torne capazes de enfrentar questões climáticas e sociais tão prementes.
–(Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP/.)
*Ana Cristina Rodrigues da Costa, economista, é coordenadora de Estratégia Industrial e Desenvolvimento da área de Indústria, Serviços e Comércio Exterior do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
Os caminhos para a reindustrialização
Por Dan Ioschpe*
A contribuição da indústria para o avanço tecnológico – processos, equipamentos, matérias-primas e serviços – favorece o crescimento da produtividade geral da economia e o acesso da sociedade a novos bens e serviços. A indústria arrecada impostos em proporção superior à sua expressão no PIB, seja pela formalidade do setor ou pelo elevado valor agregado dos seus produtos e dos serviços embutidos. É crítico, pois, que o setor cresça, e existem quatro condições essenciais para isso. A primeira, que tem sido mais problemática nos últimos tempos, é a tranquilidade institucional. A segunda é uma história já relativamente longa no Brasil: o equilíbrio macroeconômico, a partir de uma trajetória de ajuste fiscal ao longo do tempo. Em terceiro lugar está o combate à histórica desigualdade social e, por fim, a sustentabilidade ambiental, uma agenda cada vez mais vital.
Ajustadas as condições essenciais, temos de avançar na agenda da competitividade, que passa pela implementação de medidas fundamentais para o desenvolvimento da indústria e do país como um todo. A primeira é a realização de uma reforma tributária. É imperativa a unificação dos impostos incidentes sobre o consumo de bens e serviços, em um nível nacional, isonômico, simples e abrangente, com tributação no destino e devolução rápida de créditos gerados no sistema. A seguir, é preciso avançar com uma reforma administrativa concentrada na melhoria da prestação dos serviços ao público, na digitalização e na desburocratização, buscando redução do custo da máquina do Estado ao longo do tempo. Há que se aprofundar as mudanças na legislação trabalhista, para acompanhar a mutação constante e acelerada das relações entre empregadores e empregados. Finalmente, é preciso achar formas de reduzir a insegurança jurídica em todos os campos.
Em paralelo, faz-se necessário um fomento eficiente à realização de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com a imediata revisão da Lei do Bem, a maior disponibilização e o não contingenciamento de recursos para sistemas como a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e os diversos institutos de ciência e tecnologia existentes no país. É fundamental, também, que haja uma expansão acelerada da infraestrutura, a partir de concessões em setores como saneamento, estradas, ferrovias, portos, aeroportos e conectividade. A participação efetiva do Estado nesse campo é necessária, preferencialmente por meio das parcerias público-privadas, nos projetos não viáveis do ponto de vista econômico, mas necessários do ponto de vista social. Da mesma forma, é preciso que se dê prioridade à participação do BNDES na aceleração dos projetos de infraestrutura, no fomento a pesquisa, desenvolvimento e inovação, notadamente em digitalização e sustentabilidade, e no avanço do comércio exterior, áreas em que a capacidade de aporte do banco é conhecida.
Finalmente, e não menos importante, é crucial que se busque uma maior integração do Brasil com o mundo, de forma continuada e incondicional, por meio de acordos comerciais graduais que sejam horizontais, sem setores ganhadores e perdedores, que respeitem o desafio da redução do Custo Brasil. A meta seria contar com uma cobertura de, ao menos, 80% do nosso comércio exterior sob acordos ao longo dos próximos anos, com amplo conhecimento público, para que as empresas e pessoas tomem suas decisões com a máxima antecedência. Nesse sentido, um grande avanço seria a implementação do acordo com a União Europeia, em que já se trabalha há duas décadas, e sua utilização como plataforma para futuros acordos com demais países e regiões.
Ainda nessa seara da inserção internacional, há a necessidade premente de ingresso efetivo do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para que possamos seguir sistemas e metodologias comprovadamente bem-sucedidos, evitando o processo de tentativa e erro que tanto tem nos caracterizado. Precisamos entender que essa visão nos possibilitaria uma aceleração do desenvolvimento socioeconômico do nosso país, ao mesmo tempo em que impulsionaria o crescimento da indústria, alavancando os demais setores e viabilizando avanços tecnológicos, o aumento da arrecadação de tributos, a geração e formalização de empregos com maior renda, uma melhor formação profissional e melhores condições de trabalho nas empresas.
Agenda certa com planejamento
O fato de a nossa industrialização ser tardia em relação a outros países é menos relevante hoje do que a dificuldade que o país teve em avançar a partir da década de 1980. No ciclo entre 1930 e 1980, o Brasil teve o maior crescimento econômico do mundo, puxado pelo setor industrial. Termos desperdiçado os últimos 30 ou 40 anos tem, com certeza, maior relevância do que a tardia industrialização. Éramos, talvez, uma semi-China na época. O avanço da tecnologia, os recursos financeiros e humanos que se colocam hoje e a capacidade de processamento da tecnologia da informática – tudo isso em ritmo cada vez mais acelerado – reduziram a velocidade de nosso crescimento. Uma série de desacertos explicam por que não conseguimos manter o passo. A parte interessante é a possibilidade de retomarmos o ritmo, com uma agenda correta, conhecida e relativamente óbvia, que se some ao planejamento. Mas isso exige, sobretudo, estabilidade política e econômica.
“A primeira, que tem sido mais problemática nos últimos tempos, é a tranquilidade institucional.”
Atualmente, vivemos uma enorme instabilidade nesses dois campos, o que tem impossibilitado o desenvolvimento de ações e planos de médio e longo prazo. Isso tem um preço. Por exemplo: a China representa metade da produção e da demanda por mobilidade elétrica no mundo, uma nova tendência que está ocorrendo com velocidade cada vez maior. Os chineses não chegaram a essa condição por acaso: houve um planejamento que pensou no consumidor, na descarbonização, na poluição e na movimentação em centros urbanos. No caso chinês, essa eletrificação é feita à base de carvão. Imaginemos o nosso potencial se tivéssemos tido visão mais planificadora em anos anteriores para a nossa imensa capacidade para a economia verde!
Na China, mesmo sem a cadeia de descarbonização, a opção da mobilidade elétrica gerou escala para um novo padrão tecnológico e uma escala mais ampla de mercado, que induz a escala de produção. O resto do mundo terá que competir com essa circunstância chinesa. No lado americano, na Índia e em outros países há um enorme esforço público-privado, planejado para avançar e reduzir essa diferença com a China. Vamos ter muita dificuldade se não enfrentarmos a agenda da competitividade e adotarmos o planejamento para avançar com rapidez e eficiência.
Se não tivermos uma recuperação da indústria, mesmo que o PIB avance um pouco, a correlação com o dispêndio em PD&I (Pesquisa Desenvolvimento & Inovação) no Brasil não atingirá o patamar dos outros países. Estaremos transferindo o esforço de PD&I para ser realizado em outras nações, uma vez que são tecnologias habilitadoras, que devem estar próximas do processo, e têm casualidade estratégica. O elo estratégico para o fomento de pesquisa em inovação ocorre em países que têm maior preocupação com a segurança nacional, com a segurança alimentar ou com a segurança energética.
No Brasil, a indústria está declinando rapidamente em relação ao PIB, em um nível desproporcional, inclusive com economias desenvolvidas onde já houve enriquecimento da população média. Seria natural a redução da indústria em relação a serviços. Nos países desenvolvidos, essa participação está bem acima, ao redor de 18%, 20%. O encarecimento da força de trabalho, que é uma derivada do enriquecimento da própria economia, leva à redução da participação da indústria no PIB, como estamos vendo nos Estados Unidos e na China. No caso do Brasil, saímos do trilho antes da hora. Não estamos tendo enriquecimento proporcional aos outros países e tivemos um declínio forte. Se não conseguirmos maior vitalidade do tecido industrial, casada com uma visão macroeconômica e estratégica das possibilidades do país, dificilmente sairemos dessa posição. Vamos minguar com o PD&I em relação ao PIB, porque esse investimento certamente será aplicado em outras regiões do globo.
É possível lograr êxito. Temos uma agenda relativamente simples, que vem sendo realizada em outros países. A receita do bolo está disponível e não nos falta potencial. Se fizermos um planejamento melhor e a implementação certa das etapas, poderemos alcançar grandes avanços, especialmente nas áreas da contemporaneidade, como a descarbonização e a segurança alimentar, em que temos muitas vantagens comparativas. A única razão de não obtermos sucesso será nossa incapacidade de transformar potencialidades e recursos em resultados.
Estudos realizados pelo IEDI concluem que um dos nossos principais problemas foi o equívoco de não percebermos que o caminho exige política industrial e sintonia entre governo e empresas. Isso tem provocado a recusa – e, até mesmo, a proibição – de se tratar essas questões. Temos que apontar para a sociedade, empresas, governos, lideranças acadêmicas e demais líderes do país que existe um caminho a ser seguido e que ele não é complexo, mas requer delineamento, organização, constância. O país precisa se reinventar a cada momento, mas seguindo uma trilha lógica, já realizada por outros países que tiveram sucesso e nos mostram seus exemplos.
–(./.)
*Dan Ioschpe, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Integra o conselho deliberativo da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e os conselhos de administração das seguintes empresas: Iochpe-Maxion, WEG, Cosan, Embraer e Marcopolo
Inovação rumo ao futuro
Por Carlos Américo Pacheco*
A questão tecnológica é indissociável da indústria. No Brasil e no mundo, ambas nasceram no século XIX, mas ainda como fenômenos pontuais, relativamente isolados. Aqui, as iniciativas de Barão de Mauá e de Delmiro Gouveia inauguraram uma era de modernidade, tal como a criação de instituições de ciência e tecnologia dessa época, como o Museu Nacional, o Museu Goeldi e a Escola de Minas, em Ouro Preto. No século XX, isso adquiriu enorme velocidade. A ciência, a tecnologia e a indústria saíram triunfantes da II Guerra Mundial. Foi enorme o salto de conhecimento e o aumento de produtividade no período, como mostram o aprimoramento tecnológico e o gigantesco aumento da construção naval e aeronáutica, o laser, a penicilina, e por fim, a bomba atômica.
Saímos do conflito engajados nas possibilidades de crescimento da indústria e cientes do papel que a ciência desempenharia nisso. Militares, diplomatas e lideranças da CNI (Confederação Nacional da Indústria), entre outros, tiveram papel decisivo na construção das instituições de fomento à ciência criadas no pós-guerra. O impacto do que acontecia nos Estados Unidos e Europa sobre o Brasil é tão extraordinário que a primeira instituição que nós criamos depois de 1945 foi o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, voltado à questão nuclear. Depois foi a vez do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Em paralelo, o governo Vargas fundou o BNDES, cujo papel, até hoje, é fundamental para o desenvolvimento industrial do país. Fizemos, depois, um esforço significativo, no contexto do Plano de Metas, para avançar na produção de bens duráveis. Com isso, a indústria e as entidades de ciência e tecnologia foram crescendo.
O segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), lançado em meados da década de 1970, talvez seja a maior demonstração da articulação entre a agenda tecnológica e a agenda industrial. O discurso do então Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso, quando apresentou o PBDCT (Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) ao Presidente da República Emílio Garrastazu Médici, é uma peça-chave para entender o processo, seu propósito e sua lógica. Reis Veloso afirmou: “Nós vamos colocar bilhões nesse esforço, porque a tecnologia é absurdamente importante para o desenvolvimento industrial brasileiro”. Foi o primeiro grande programa-polo do Brasil, e nos deve inspirar ainda hoje. Ali nasceu o Proálcool. Está na moda falar em moonshots, em pesquisa orientada à missão, do tipo que representou o Projeto Apolo para levar o homem à Lua. O Proálcool foi um esforço gigantesco, uma espécie de missão desenvolvida por muitas instituições e empresas brasileiras para o desenvolvimento de tecnologias nacionais próprias, com o objetivo de enfrentar os desafios daquele momento: energia cara e balança de pagamento.
Na década de 1980, perdemos o passo, com a crise da dívida e a hiperinflação. Quando conseguimos estabilizar a economia, modernizamos as instituições, as universidades cresceram e os institutos de pesquisa ficaram melhores, mas a apreciação cambial e a macroeconomia cobraram seu preço. O sistema industrial reduziu seu peso na economia brasileira, apesar de continuar sendo um setor relevante.
Temos pela frente um desafio complexo: nos mantermos relevantes e competitivos nos setores da Segunda Revolução Industrial, como o têxtil, o petrolífero, a automobilístico e o químico; conservar alguma competência na indústria que emergiu no pós-guerra, como a eletrônica, que migrou para a Ásia; e, em especial, se posicionar na indústria do futuro, que talvez não seja um setor novo, mas um conjunto de tecnologias que vão impactar todos os setores econômicos, como inteligência artificial, ciência de dados, IoT (Internet das Coisas), entre outras.
A nova “corrida do ouro”
Para se ter ideia do que está em jogo, o Congresso Americano determinou que o Escritório de Ciência e Tecnologia da Casa Branca faça um relatório anual sobre o que está acontecendo na direção da indústria do futuro. Eles se perguntam “O que é a indústria do futuro? Que setores novos serão dinâmicos e qual a evolução com relação às revoluções industriais anteriores?”. Todos os países estão em uma corrida em torno da agenda tecnológica para as próximas décadas. Estados Unidos e China alimentam em uma rivalidade crescente em torno da tecnologia quântica. Esta é, talvez, a única que pode gerar um setor novo, cujo impacto ainda não conhecemos, porque suas aplicações vão muito além do que é a computação quântica.
No meio dessa corrida, o Brasil retrocedeu do ponto de vista econômico. Nos últimos seis ou sete anos, andamos de lado ou para trás. Fizemos um enorme esforço para tudo dar errado. O preço disso foi o baixíssimo crescimento da economia. Quando você não cresce, não há agenda industrial e tecnológica que funcione. O cenário internacional é difícil, em função de um tensões cada vez maiores, com barreiras comerciais, proibição de compras e de aquisições de empresas, veto de acesso tecnológico às empresas chinesas e um conjunto de questões que, agora, ficaram ainda mais exacerbadas pelas implicações da Guerra da Ucrânia. Temos uma tentativa de desacoplamento entre o Ocidente e o Oriente, mesmo que o grau de interligação hoje existente no mundo torne difícil imaginar que isso seja possível.
“Nos últimos seis ou sete anos, andamos de lado ou para trás. Fizemos um enorme esforço para tudo dar errado.”
Há uma batalha de medidas jurídicas e sanções econômicas entre norte-americanos e chineses, entre europeus e americanos. Nesses vários países está sendo debatida a importância da volta do planejamento. É impressionante o impacto dos planos de médio e longo prazos sobre o desenvolvimento científico e tecnológico no país de Xi Jinping. Mais do que o projeto, impressiona a sua execução em busca, sobretudo, da redução do grau de dependência em relação às tecnologias produzidas nos Estados Unidos. Washington, por sua vez, bloqueia cada vez mais o acesso das empresas chinesas às patentes do país. Recentemente, o Senado americano aprovou a lei United States Innovation and Competition Act, com 3 600 páginas, que trata de semicondutores, espaço, aeronáutica, reforma das agências americanas. Na própria lei, o Congresso Nacional trata, explicitamente, sobre a “ameaça chinesa”.
Lições do passado
Nossa industrialização teve importante avanço durante o Plano de Metas e também na década de 1970, quando havia rivalidade entre as empresas americanas e as europeias do setor automotivo. Seu objetivo principal era propiciar o ingresso do Brasil no mundo desenvolvido até o final do século XX. Há, aqui, uma inspiração que pode nos ajudar hoje: formular uma política industrial nessa linha, acoplada com a política tecnológica, nos moldes daquela idealizada pelo ex-ministro Reis Veloso. Já conseguimos isso antes e podemos fazer outra vez. Temos que olhar o que está acontecendo na arena internacional para escolher o papel que nos cabe nesse novo e imprevisível cenário, e o que é preciso ser feito para aproveitar as oportunidades para a inserção do Brasil na economia global.
Dada essa nova realidade, se não quisermos ficar ainda mais para trás, teremos que pensar o que fazer em um mundo em que há enorme planejamento e ações concretas. Nesses últimos anos, temos atuado com muita improvisação. Um dos nossos principais desafios, senão o maior, é melhorar nossa posição no ranking internacional da inovação (hoje ocupamos a 57ª posição em um levantamento que abrange 132 países). Nas últimas duas décadas, alcançamos bons avanços nessa área: modernizamos vários marcos regulatórios, reformamos a Lei de Propriedade Intelectual, aprovamos a Lei de Inovação, criamos marcos regulatórios novos em biossegurança e definimos ações do Banco Central e da CVM na regulação do mercado de financiamento, de investimentos e fundos, o mercado de risco. Viabilizou-se o surgimento de inovações financeiras importantes, como as fintechs, e outras ações que vão ter impacto importante no acesso ao crédito no Brasil nos próximos anos.
Tivemos, ainda importantes melhorias nas relações entre universidades, institutos e empresas, com várias iniciativas que buscam aprimorar esse processo, entre as quais destaco a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), fórum criado pela CNI, composto por dezenas de CEOs e executivos de empresas industriais que colocam a inovação no centro de suas estratégias e buscam realizar ações integradas com a academia e o setor público. A criação da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) é um resultado concreto dessa articulação.
Desafios para o futuro
Apesar desses avanços, a sensação é de que o país não sai do lugar. Isso se deve, em grande parte, ao fato de termos uma agenda de reformas já conhecida, que há anos adiamos cumprir: tributária, administrativa, política. A inovação é essencial para que as empresas nacionais sejam mais competitivas e consigam operar globalmente, mas sem crescimento econômico e uma política que as estimule a inovar, as chances de avançar são mínimas.
O mundo já saiu na frente no estabelecimento de bases para o desenvolvimento em inteligência artificial, tecnologias quânticas, ciência de dados, etc. Temos que formar gente qualificada para dar conta do desafio. Precisamos fazer um plano para desenvolver as competências de pessoas e, também, de empresas, em diversos segmentos tecnológicos. Falta mão de obra no mundo inteiro para atuar nessas áreas.
Normalmente, os países atacam o problema, olhando as tecnologias e enfrentando também os grandes desafios em setores como energia, saúde, defesa. Na Europa, o grande moonshot é o conjunto das tecnologias verdes, uma vez que as nações europeias querem ser neutras em emissão de carbono em 2050. No caso do Brasil, um grande moonshot, ou seja, uma grande missão seria dar um tratamento prioritário ao desenvolvimento sustentável da Amazônia, para viabilizar e consolidar o protagonismo do país nas áreas de energia e descarbonização da economia. Esse pode ser o nosso Proálcool dos próximos anos. Por outro lado, se não nos posicionarmos corretamente em relação à Amazônia, se não fizermos aquilo que é nossa responsabilidade, nosso dever de casa, vamos prejudicar as empresas brasileiras no acesso a diversos mercados internacionais. Precisamos agir logo, de forma consistente e planejada, porque há muitos e novos desafios vindo, alguns verdadeiros tsunamis sociais, econômicos e culturais.
–(Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP/.)
*Carlos Américo Pacheco, professor de economia da Universidades de Campinas (Unicamp) e diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Foi secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, presidente do Conselho de Administração da Financiadora de Estudos de Projetos (Finep), reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)
Chance para uma nova missão
Por Bernardo Gradin*
O debate sobre desenvolvimento econômico precisa ter como vetor o que se convencionou chamar de ESG, termo usado como referência a práticas empresariais e de investimento que se preocupam com critérios de sustentabilidade, e não apenas com o lucro. A sigla vem do inglês “Environmental, Social and Governance”, que, em português, pode ser traduzida como “Ambiental, Social e Governança”. No Brasil, com uma sociedade assimétrica – a oitava mais desigual do mundo, com 50 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 5,50 por dia, e ocupando o 67º posto no ranking mundial de educação –, a sustentabilidade começa por erradicar a pobreza, melhorar a qualidade da educação básica, diminuir a desigualdade e trazer dignidade para a população por meio do emprego.
No contexto da celebração (e reflexão) dos 200 anos de independência, a situação precária da educação no país explica muito do que deixou de ser feito ao longo dos últimos dois séculos, e a oportunidade desperdiçada para a construção de uma economia eficiente e uma sociedade igualitária e justa, capaz de oferecer à população qualidade digna de vida e bem-estar social. Estagnamos socialmente e fomos ultrapassados por Coreia do Sul, China e outros países do sul da Ásia, que eram mais atrasados que o Brasil na década de 80 em termos de PIB, concentração de renda e potencial de desenvolvimento.
O primeiro passo para a sustentabilidade e para a viabilização do progresso é priorizar a educação como força motriz do desenvolvimento econômico e social do país. Sem fazer essa “lição de casa”, ficaremos sempre à mercê de algumas consequências indesejáveis: o voto alienado, um Congresso mais preocupado com agendas particulares do que com a agenda nacional, baixa produtividade, baixos salários e uma quase impossibilidade de planejarmos o Brasil para o médio e longo prazos. Isso porque, sem a cobrança como contribuintes e o exercício pleno da cidadania, assistimos a uma política de governos com fragmentação setorial, legítima ou não, que evita onerar alguns no curtíssimo prazo, enquanto prejudica o propósito de beneficiar toda a população no futuro, com políticas públicas de Estado, visando às consequências de longo prazo. Daí vêm concentração de renda, baixa produtividade, baixo consumo, baixa poupança e persistência da pobreza.
Ao mesmo tempo, vale destacar que, desde a proclamação da Independência, há 200 anos, conquistamos avanços significativos. Somos hoje um país democrático, com instituições sociais constitucionalmente estabelecidas, economia diversificada e uma indústria que ainda compete globalmente. Continuamos avançando, a despeito da persistência de alguns problemas históricos, como o corporativismo, o cartorialismo, a burocracia e o cipoal tributário, mas poderíamos ter alcançado muito mais.
Uma possível alternativa para reposicionar o país na rota de crescimento sustentável seria implementar um processo que a economista ítalo-americana Mariana Mazzucato e outros autores chamaram de MOIP (Mission Oriented Innovation Policies), que pode ser traduzido como Programas de Inovação Orientados por Missão. Um exemplo desse modelo foi o projeto desenvolvido pelos Estados Unidos, na década de 1960, para levar o homem à Lua.
Naquela época, os recursos tecnológicos ainda eram insipientes e não havia uma movimentação social clara – apenas uma corrida contra os russos –, mas os americanos criaram um arcabouço sistematizado, com senso de missão – o Projeto Apollo –, e conseguiram o que parecia impossível aos olhos de muitos.
Políticas como a MOIP, pela essência de sentido de missão de longo prazo, permitem que recursos escassos não caiam na disputa imediatista orçamentária e se estabeleça um verdadeiro sistema cooperativo público-privado, sem as resistências dos concorrentes atuais. A vertente da sustentabilidade ambiental, voltada a uma economia de baixo carbono é, por natureza, uma vocação brasileira.
Uso dos recursos naturais
Nas últimas quatro décadas, já perdemos oportunidades de avançar na produção de chips microprocessadores, na transição tecnológica da Indústria 4.0, na robotização e na promoção de uma modernização maior e mais efetiva do nosso parque industrial. Além disso, de sustentar uma classe média capaz de poupar e consumir. Agora, temos a chance de sermos guardiões de uma Amazônia produtiva, que é vista hoje como patrimônio mundial, propondo seu desenvolvimento racional e soberano por meio de cadeias produtivas limpas. Conservar a Amazônia, protegendo seus recursos naturais e garantindo sua sustentabilidade, demanda estratégia de país para sua utilização racional.
Quando queimamos a Floresta Amazônica indiscriminada e ilegalmente, queimamos o Brasil, tanto na realidade quanto na imagem. No lugar de mostrarmos que nosso país tem capacidade para ser líder na economia verde e conservar a Amazônia dentro do nosso direito soberano de utilizar sustentavelmente seus recursos, somos vistos como destruidores da natureza. É lamentável, também, ver parte do patrimônio genético da região sendo patenteado por outros países, limitando sua utilização pela indústria nacional. Os prejuízos para o Brasil, especificamente para o mundo dos negócios, são incalculáveis.
Quando queimamos a Floresta Amazônica indiscriminada e ilegalmente, queimamos o Brasil, tanto na realidade quanto na imagem.
A proteção e conservação de seu patrimônio ambiental são imperativos para que o país consiga se tornar protagonista no enfrentamento de duas crises que assombram o mundo atualmente: a necessidade de produção de alimentos, para atender a cada vez maior população da Terra; e a transição para uma economia de baixo carbono, que reverta os dramáticos efeitos das mudanças climáticas sobre o planeta. No primeiro caso, já somos um dos maiores produtores de grãos e de proteínas do mundo, e temos potencial para aumentarmos ainda mais nossa participação nesse mercado, sem causar danos ao meio ambiente. No caso da crise climática, o Brasil tem como vantagens comparativas o fato de ter a maior biodiversidade do planeta, sediada em grande parte na região amazônica, e a produção, em larga escala, da chamada “energia limpa”.
Nesse caso específico, temos uma experiência inovadora, com muito sucesso, que vem sendo desenvolvida com o senso de missão, há quase cinco décadas: o Proálcool, programa criado em 1975 pelo governo brasileiro para incentivar a produção de álcool combustível e enfrentar a crise energética decorrente do então chamado “choque do petróleo”. Ao longo dos últimos anos, o setor sucroalcooleiro nacional se desenvolveu bastante, se tornando o maior produtor mundial de etanol, com uma produção anual de 30 bilhões de litros. Ocupando uma pequena fração do solo arável brasileiro, o setor produz 60 terawatts por hora de energia e gera, diretamente, mais de 800 mil “empregos verdes” diretos e cerca de 2 milhões no total, incluindo os indiretos.
Nova geração de etanol
Uma próxima experiência na mesma magnitude de impacto social está ao nosso alcance. Apenas com os resíduos do setor sucroalcooleiro, a tecnologia de etanol celulósico que temos hoje permitiria produzir entre 50% e 60% mais etanol do que já produzimos, sem aumentar a quantidade de área utilizada. É importante ressaltar que, nos últimos anos, esse setor também alcançou significativos progressos na área ambiental. Saímos, por exemplo, da colheita queimada para a colheita mecanizada, e aumentamos a produção de cana-de- açúcar, matéria-prima do etanol, sem precisar de mais terra para as lavouras. Esse aumento de produtividade ocorreu graças à aplicação de novas tecnologias, a maior parte delas desenvolvida em universidades brasileiras e por instituições nacionais de pesquisa, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) e o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
Com a tecnologia atual de etanol de primeira e segunda geração, com variedades mais modernas de cana – a cana energia –, a produtividade no setor sucroalcooleiro pode crescer para 24 mil litros por hectare irrigado. Outro dado de impacto refere-se ao potencial dessa produtividade aplicada em área degradada ou usada extensivamente para gado. Se utilizássemos menos da metade da área degradada no Brasil – no total, são 200 milhões de hectares –, seríamos capazes de produzir, potencialmente, o equivalente ao consumo total de gasolina no mundo. Isso mesmo: 1,4 trilhão de litros! Por esses e outros atributos, o Brasil tem potencial – e a chance histórica – de liderar mundialmente a chamada “economia verde”, baseada no processo de descarbonização. Depende, sobretudo, de vontade política.
Na Europa e em outros lugares, a tendência é que a transição da mobilidade vá para a eletrificação. Cada país faz a legislação que mais lhe convém. Para o europeu, vale que o carro seja “verde”, ou seja, que não emita CO2, não importando de onde vem a eletricidade. Pode vir, por exemplo, da queima do carvão, mesmo com a emissão de gás carbônico e o aumento do efeito estufa. Eles querem a cidade descarbonizada e o carro descarbonizado, mesmo na contradição da fonte de energia.
Transição energética e inovação
Nós, por outro lado, temos a condição de realizar a transição energética para uma economia verde, considerando toda a cadeia produtiva desde a fonte original do carbono. Temos tecnologia da bioeletrificação já aplicada no Brasil, com utilização da célula sólida de combustível. Alguns fabricantes já têm protótipos rodando no país, que separam o hidrogênio do etanol e da água no tanque. O carro elétrico movido pelo hidrogênio contido no etanol e por água como fontes de íons não precisa da bateria de lítio de uma tonelada – e seus desafios de reciclagem – nem da energia do “grid”. O motor elétrico usa a chamada célula a combustível de óxido sólido (SOFC) e não precisa de eletricidade do “grid”, ou seja, gera a eletricidade no próprio carro. Trata-se de um carro elétrico sem tomada. O novo Proálcool é bioelétrico.
Precisamos de uma política estratégica que proteja o que é patrimônio ambiental e o que é alavanca para o desenvolvimento sustentável, como vantagem comparativa no contexto prioritário de segurança energética nacional. É preciso deixar claro que esse ambiente para promover o desenvolvimento tecnológico não depende apenas de mecanismos de incentivo para o empresário correr o risco de inovar. Precisamos criar, também, um ambiente amplo de cooperação científica, tecnológica e regulatória, que proteja e acelere a inovação, as patentes e o conhecimento, de forma mais efetiva, sistêmica e ampla. Essa é uma premissa para que a inovação no Brasil cresça com o apetite de quem inventa e de quem empreende. O primeiro passo nesse caminho é construir um ambiente de colaboração efetiva, com senso de missão para o país, desde a ciência na academia, onde temos um berço sólido, até a interface com a tecnologia, como ela é financiada e como chega ao mercado.
O Brasil é um grande produtor de papers científicos e tem uma base acadêmica invejável para produção de ideias originais, mesmo no atual hiato científico. Alguns exemplos são a Unicamp, a USP e várias outras grandes universidades, além de instituições de pesquisa como o CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais), o CENPES (Centro de Pesquisas da Petrobras), a Embrapa, o IAC e o IPT. Temos, ainda, outras iniciativas, como: os Institutos SENAI de Inovação e Tecnologia, que hoje se propagam pelo Brasil inteiro; a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial); a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) e o CONIC (Conselho Superior de Inovação e Competitividade), da Fiesp, entre outros.
Contudo, o ambiente tem que ser melhorado para que a ciência e a inovação aplicadas tenham resultados mais efetivos, como se vê em diversos outros países. É preciso aprofundar, acelerar e desburocratizar o processo de cooperação entre o setor público, a iniciativa privada e a academia, além do incentivo às startups. Esse é um dos pré-requisitos para que tenhamos um futuro mais promissor, com base e compromisso sustentáveis, nessa e em outras áreas. A sustentabilidade depende da inovação e vice-versa.
–(./.)
*Bernardo Gradin, empresário, fundador e CEO da empresa GranBio. Integra o Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI)
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