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ESTUDO #7

A nova face dos negócios – O impacto do ESG no ambiente empresarial, no consumo e nas finanças

por Vários Autores Atualizado em 19 abr 2021, 13h58 - Publicado em
19 abr 2021
14h00

Apresentação

Recentemente, a sigla ESG (a abreviação em inglês de Environment, Social, Governance) se tornou recorrente no vocabulário de executivos, investidores e mesmo funcionários de grandes empresas. Trata-se da incorporação de práticas de sustentabilidade ambiental, inclusão social e governança do universo corporativo e sua consequente transformação em um ativo tangível do ponto de vista financeiro. Apesar de ser um assunto discutido na Europa, Estados Unidos e Japão há pelo menos seis anos, no Brasil essa discussão começou a ganhar relevância no ano passado, seja no âmbito das empresas ou entre bancos, corretoras e gestoras de investimento. E, tanto no exterior como aqui, o ESG se tornou um fenômeno de peso indiscutível.

No cenário global, estima-se que pelo menos 30 trilhões de dólares em ativos estão hoje sob gestão de fundos que apenas aplicam seus recursos em negócios e empresas com práticas sustentáveis. Metade desse volume se encontra na Europa (15 trilhões de dólares) e um quarto desse valor nos Estados Unidos (cerca de 7,5 trilhões de dólares). E nos últimos anos, essa cifra vem crescendo entre investidores que buscam os chamados “investimentos responsáveis” como fator preponderante da alocação de recursos.

No Brasil, onde o movimento tem uma escala bem menor e a definição dos investimentos ESG se enquadra na definição “sustentabilidade e governança” da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Ambima), também houve significativo crescimento. Pelos dados da entidade, em fevereiro, o patrimônio líquido dos fundos na categoria sustentabilidade e governança foi de 1,07 bilhão de reais, quase o dobro que há um ano. A captação líquida, por sua vez, foi de 307,9 milhões de reais no primeiro bimestre de 2021, crescimento de 787% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Tal expansão é resultado principalmente do interesse e da pressão da sociedade. Hoje, os consumidores exigem que as empresas adotem práticas sustentáveis do ponto de vista ambiental (uso de energia, disponibilização de resíduos e seleção de matérias primas de baixo impacto na natureza) e também se comprometam do ponto de vista ético e de inclusão social. A eclosão da pandemia do coronavírus no ano passado e seus impactos gigantescos sobre as pessoas ajudaram a reforçar essa tendência. Com isso, o que no passado se restringia a estratégias de marketing passou a ser incorporado nas estruturas mais profundas das corporações, a partir de métricas e regras estabelecidas por instituições globais como a Organização das Nações Unidas e o Fórum Econômico Mundial.

Em sua sétima edição, a publicação VEJA INSIGHTS traz sete artigos escritos por executivos da consultoria EY sobre o assunto. Por meio deles, os conceitos que envolvem o ESG, suas implicações e desdobramentos no ambiente de negócios são abordados de maneira clara e abrangente. O objetivo, caro leitor, é oferecer uma ampla perspectiva de um fenômeno que promete mudar profundamente o mundo empresarial e financeiro. Boa leitura.

Um novo conceito de capitalismo

Com quase três décadas de existência, as ideias que originaram a sigla ESG finalmente norteiam os negócios e as finanças globais

TRABALHADORES EM PLANTAÇÃO DE CACAU NA BAHIA - evolução do conceito de produção e de negócio sustentável -
TRABALHADORES EM PLANTAÇÃO DE CACAU NA BAHIA - evolução do conceito de produção e de negócio sustentável – (Paulo Fridman/Corbis/Getty Images)

Nas últimas décadas, o mundo vem assistindo transformações relevantes impulsionadas especialmente pela chamada revolução digital promovida pela inovação e avanço tecnológico. Todos os setores da sociedade passaram a se conectar no ambiente digital e, o que antes era revolucionário se tornou corriqueiro. As mudanças trazidas pelo ESG são comparáveis a esse fenômeno. A sigla que se refere a práticas Ambientais, Sociais e de Governança é uma realidade com potencial transformador equivalente à revolução digital. Governos, empresas e a sociedade de uma forma geral estão cada vez mais conscientes quanto à importância das melhores práticas ESG relacionadas aos aspectos ambientais, sociais e empresariais.

Assim como Bill Gates é um dos principais nomes da revolução digital, o inglês John Elkington é considerado o pai do ESG. Em 1994, Elkington lançou o artigo “Towards the Sustainable Corporation: Win-Win-Win Business Strategies for Sustainable Development” (Rumo à Empresa Sustentável: Estratégias de Negócios Ganha-Ganha-Ganha para o Desenvolvimento Sustentável, em tradução livre). Na década de 1990, efervesceram os movimentos pró sustentabilidade que vinham esquentando há décadas e teve seu marco na Eco 92, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. A publicação de Elkington, dois anos depois, chamou a atenção sobre a necessidade de se medir os impactos ambientais e sociais das empresas por meio do termo “Triple Bottom Line” (conhecido como Tripé da Sustentabilidade).

De lá para cá, enquanto os computadores e os celulares evoluíram, os conceitos de sustentabilidade foram sendo incorporados pelos mais diferentes atores, criando um capitalismo de stakeholders. Governos e órgãos reguladores passaram a ser transformadores e aprimoradores das práticas, trazendo padrões e regras que começaram a ser incorporadas pelas empresas. No Brasil, reguladores como CVM, Banco Central e B3 continuam revisando e incorporando novas práticas e regras.

Porém, a transformação maior é mais recente e tem sido impulsionada, principalmente, pelo mercado financeiro. Nos últimos anos, os investidores passaram a exigir de forma mais intensa que as empresas atendessem às práticas de ESG. Investidores institucionais passaram a priorizar e direcionar seus investimentos para empresas que tenham compromissos de ESG. Em última análise, o mercado é o principal provedor dessa cadeia e essa demanda acelerou pressões pela implementação de práticas sustentáveis de ESG. Alguns dos maiores fundos gestores de ativos do mundo, já formalizaram diretrizes neste sentido, acendendo um alerta em empresas de todos os setores sobre como é fundamental seguir a linha da sustentabilidade.

Outro ator importante na transformação ESG são os consumidores. A opinião pública tem mais consciência social e ambiental, com a propensão de consumir marcas que apoiam essa agenda. A comunicação digital pelas redes sociais acendeu um grande alerta para as companhias, que precisaram fortalecer a sua marca e se tornaram o quarto pilar dessa mudança. Todos eles juntos, consumidor, mercado financeiro, governos, ambiente regulatório e empresas, iniciaram uma corrida sem volta. A sustentabilidade ambiental e social agora é essencial tanto para um negócio quanto para grandes economias mundiais. As mudanças climáticas são grandes fertilizantes dessa agenda e colocaram embaixo do mesmo guarda-chuva boas práticas a serem adotadas pelos mais diversos agentes. É fato que, pela sua força externa, o aquecimento global urge e é discutido nos níveis mais importantes de governo. O estudo Global Trends 2040, publicado em março pelo Conselho de Inteligência dos Estados Unidos, aponta que a força climática é um dos principais elementos que vão orientar questões públicas americanas.

TRABALHADORES EM PLANTAÇÃO DE CACAU NA BAHIA
(Paulo Fridman/Corbis/Getty Images)

No Brasil, a questão vem como demanda da sociedade e do meio empresarial. Diversas são as iniciativas que buscam agendas propositivas em prol da sustentabilidade. Em carta ao governo, líderes empresariais brasileiros incentivam a antecipação das metas de neutralidade de emissão de carbono de 2060 para 2050. A expectativa é contribuir com as autoridades de que não é possível desvincular a agenda econômica da agenda ambiental. Diante da pressão de políticas internacionais voltadas a minimizar os impactos futuros das mudanças climáticas, há uma forte interdependência entre o avanço econômico do país com a adoção de práticas ambientais sustentáveis. Como grande produtor e exportador de produtos agrícolas e recursos naturais, além da importância da extensão territorial da floresta amazônica, o Brasil sofre constantes pressões de governos e organismos internacionais no sentido de assumir compromissos voltados à sustentabilidade ambiental. A evolução da economia verde é irreversível e deverá afetar algumas cadeias produtivas em todo o mundo em busca de fontes de energia limpa, com baixa emissão de carbono e boas práticas ambientais e sociais. Muitas empresas brasileiras têm evoluído de forma substancial e vêm assumindo compromissos de grande impacto na direção das melhores práticas de ESG.

Vivemos um momento decisivo. Em novembro, a Escócia sedia a COP 26, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Em abril, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recebe líderes globais em uma cúpula sobre o clima. Um momento que pode parecer de pressão e risco é na realidade uma grande oportunidade. O governo brasileiro tem a chance de unir a questão climática e o mercado de carbono trazendo retorno ao país. O dilema entre o crescimento econômico ou preservação ambiental não existe, muito pelo contrário. O Brasil tem a possibilidade de transformar desafios em oportunidades, no que se refere à agenda ambiental, criando benefícios para a economia e, consequentemente, para toda a sociedade.

Não são só os consumidores e investidores que querem empresas sustentáveis, mas elas próprias já têm em sua política a priorização dessa agenda. Muito além do cumprimento de requisitos regulatórios e gerenciamento de riscos, a adoção das melhores práticas de ESG gera benefícios tangíveis e intangíveis aos negócios e viabilizam a atração de investidores. O valuation dos negócios é também impactado pelo compromisso e práticas de ESG.

Se no ponto de vista macroeconômico o caminho é desafiador e depende de políticas de governo e relações internacionais, no empresarial é essencial aprimorar as práticas. Numa visão de long term value creation, as corporações passaram a incorporar o ESG de forma ainda mais prioritária em seus planejamentos estratégicos e modelos de governança corporativa e gestão dos negócios. ESG é cada vez mais um diferencial competitivo das empresas e vai ajudar a definir os vencedores no futuro.

A sustentabilidade ambiental e social é fundamental não porque é politicamente correta, mas por ser vital para o ecossistema empresarial e macroeconômico. Ela pede adequação e geração de valor a longo prazo e devolve crescimento, rentabilidade e vida longa aos negócios. O movimento avança, mas pode acelerar. O ESG, de fato, veio para ficar.

José Carlos Pinto, sócio e líder de Mercados da EY Brasil

O desafio das métricas

As companhias que querem alcançar a liderança precisam acelerar a adoção de métodos de mensuração para suas iniciativas de aspectos ambientais, sociais e de governança

REUNIÃO DO WORLD ECONOMIC FORUM, EM DAVOS - parâmetros adotados em escala global -
REUNIÃO DO WORLD ECONOMIC FORUM, EM DAVOS - parâmetros adotados em escala global – (Thierry Falise/LightRocket/Getty Images)

Falar sobre ESG é desfiar uma construção estratégica de conceitos que vem sendo desenvolvida ao longo de muito tempo. Os princípios de um capitalismo mais inclusivo estão presentes nos debates do Fórum Econômico Mundial e da ONU há décadas, no sentido de que é possível capturar valor econômico além dos aspectos financeiros dos negócios.

Com o amadurecimento do tema, as expressões que se referem a essa captura de valor também se tornam mais amplas. No passado, já usamos o conceito Triple Bottom Line (Tripé da Sustentabilidade) para provocar reflexões e lançar um olhar financeiro, ambiental e social para os resultados das empresas. A ideia de capitalismo consciente, por sua vez, parte do princípio de que o olhar puramente financeiro não leva em consideração outros aspectos importantes para o ser humano. Hoje, o ESG coloca os aspectos ambientais, sociais e de governança no mesmo nível, mostrando que é preciso desenvolver um diálogo consistente com todos os stakeholders, a fim de gerar ganhos para os negócios.

Capital humano, preservação da natureza, reputação corporativa: esses são aspectos que geram valor financeiro para o negócio e não necessariamente são medidos pelos modelos tradicionais. Não existe um Retorno sobre o Investimento calculável sobre a reputação da empresa junto aos clientes, por exemplo. Novos tempos exigem novas métricas.

Cada vez mais, o valor gerado pelas empresas transcende questões financeiras tradicionais. A NextEra Energy, maior produtora de energia limpa global, superou a petrolífera ExxonMobil em valor de mercado, em dezembro de 2020. Dez anos atrás, seria inimaginável afirmar que uma companhia focada em usinas eólicas e solares ultrapassaria aquela que, até então, era a maior empresa em valor de mercado daquele país. Essa transformação não aconteceu a partir da lente financeira: o valor da NextEra Energy foi claramente maximizado pela lente ambiental, notadamente pela necessidade de produção de energia fora de matrizes fósseis.

Quais são as lentes que irão ampliar o valor das operações no longo prazo? Identificar esses pontos e encontrar métricas para avaliar essas lentes é uma questão estratégica que se coloca hoje diante de todas as empresas.

Em alguns tópicos, existem questões mais tangíveis. É o caso dos riscos associados ao meio ambiente: a taxação das emissões de carbono já ocorre no Chile e é uma tendência que, nos próximos anos, vai extinguir o valor de companhias que se mantiverem presas a um modelo tradicional de exploração dos recursos. Por outro lado, valor será adicionado às empresas que demonstrarem seu compromisso na preservação ambiental e no uso de fontes energéticas menos poluentes.

No pilar social, as questões relacionadas ao capital humano ganham relevância. Quando se fala em diversidade, inclusão, capacitação e preservação da força de trabalho e condições justas, abordam-se aspectos que influenciam diretamente na capacidade dos colaboradores prestarem serviços e em sua performance diária. Até 2030, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as questões relacionadas à saúde mental serão a maior causa de afastamento das pessoas do trabalho. Gerar um ambiente de trabalho inclusivo e saudável gera um impacto direto na produtividade.

Mas também existe um nível indireto, e certamente mais impactante, no valor de longo prazo das companhias: o impacto à reputação e à disposição de consumo de marcas que se mostram preocupadas com o desenvolvimento das comunidades em que atuam, com a inclusão social e com a diversidade de gênero. Essas são pautas extremamente importantes para os indivíduos e a sociedade, que não podem ser ignoradas pelas empresas.

Deixar em segundo plano o aspecto social também implica na perda de talentos, especialmente para a Geração Millennial, que procura atuar em empresas e negócios que reflitam seus valores pessoais. A falta de alinhamento das corporações com as expectativas, visões e anseios de seus colaboradores acaba gerando a migração de talentos para outros segmentos, interferindo na performance financeira e gerando perda de competitividade.

REUNIÃO DO WORLD ECONOMIC FORUM, EM DAVOS
(Thierry Falise/LightRocket/Getty Images)

Já no pilar de Governança, mecanismos de transparência contribuem para gerar confiança do público na iniciativa privada e em governos. Nestes tempos de pós-verdade e fake news, empresas com iniciativas claras de comunicação, processos transparentes e padrões bem estabelecidos passam a ser vistas como mais confiáveis, reduzindo sua exposição a eventos que minem sua reputação, que abram espaço para perdas financeiras e destruam valor.

A pandemia ampliou o holofote sobre as questões ESG. Desigualdade social, tratamento de minorias e exploração do meio ambiente têm passado por um forte escrutínio e faz com que as corporações se coloquem na linha de frente dessas discussões. Tanto como parte do problema (qual é o impacto de cada empresa na exploração do meio ambiente e dos colaboradores?), quanto como parte da solução (em um mundo em que os Estados têm tido uma capacidade de articulação limitada, como as empresas podem contribuir para a evolução da sociedade?).

Para superar os atuais desafios e gerar valor no médio e longo prazo, as empresas precisam atuar para tangibilizar suas ações ESG e mensurá-las para agregar valor a toda a sociedade.

Como tangibilizar ESG?

Para tangibilizar suas ações ESG, as companhias precisam inseri-las em sua estratégia corporativa. Sem isso, as iniciativas se tornam filantropia: têm valor e geram benefícios para a sociedade, mas sem uma conexão permanente ao propósito e ao posicionamento da empresa. O que se busca é que as empresas façam seu papel por acreditarem que é possível gerar valor tanto para elas quanto para os stakeholders, a partir de ações perenes que não sejam impactadas por questões orçamentárias.

Atualmente, a incorporação do ESG à estratégia das empresas tem um nível baixo de maturidade, o que limita o alcance das ações e seus efeitos sobre a sociedade e sobre o valor adicionado aos negócios. Está cada vez mais claro que ESG precisa fazer parte do propósito e dos valores da empresa.

O investimento das empresas em educação é um bom exemplo de como uma iniciativa ESG pode ser estratégica para agregar valor ao negócio e gerar benefícios para a sociedade. Há algum tempo, estudos realizados pela EY vêm alertando para um “apagão de mão de obra” em diversas áreas relevantes de negócios, como a tecnologia. As empresas têm duas opções: esperar que o setor público ou instituições privadas de ensino identifiquem a demanda e desenvolvam cursos específicos (o que levará pelo menos meia década para impactar os negócios) ou investir na formação de pessoas. Esse é um exemplo de investimento que retorna rapidamente para as empresas, na forma de aumento de competitividade e equipes mais bem preparadas para lidar com o cenário de negócios.

Essa é uma lógica que vai além de vantagens financeiras de curto prazo, chegando a uma construção clara de valor que beneficia a sociedade como um todo e ocupa um papel importante na estratégia de desenvolvimento dos negócios.

O desafio de mensurar a evolução

Medir a evolução das ações ESG e comparar companhias diferentes não é simples. O desafio está no fato de que cada setor possui características únicas e deve adotar pesos diferentes para diferentes aspectos ESG, uma vez que a relevância de cada indicador varia de acordo para o segmento. Cada setor tem seus riscos e oportunidades que se refletem nos indicadores ESG.

Para lidar com essa complexidade, o International Business Council do Fórum Econômico Mundial desenvolveu, em conjunto com as quatro maiores empresas de consultoria do mundo, que inclui a EY, uma série de indicadores universais que possam ser refletidos nos relatórios anuais das corporações, criando um set consistente que pode ser comparado em diferentes países, indústrias e companhias.

Como resultado desse processo, foram identificados 21 métricas-chave e 34 métricas expandidas:

Métricas-chave: são os indicadores mais estabelecidos. Trata-se de métricas quantitativas que já têm sido reportadas por companhias de vários setores, embora normalmente em diferentes formatos, e focam primariamente em atividades realizadas dentro das empresas.

Métricas expandidas: tendem a ser menos difundidas no mercado e têm um escopo mais amplo na cadeia de valor para identificar impactos de uma forma mais tangível, inclusive financeiramente. Esse conjunto de métricas oferece uma oportunidade para medir e comunicar a geração de valor sustentável pelas empresas.

Essas métricas foram reunidas em quatro grandes pilares: pessoas, planeta, prosperidade e governança. Dessa forma, funcionam como linhas-mestras para a adoção, mensuração e divulgação das ações realizadas.

O primeiro passo para aumentar a maturidade ESG das empresas vem do entendimento do que é relevante para cada companhia e onde cada uma delas se encontra nesse processo. Não se trata de algo transversal, e sim único para cada segmento, uma vez que as características e a relevância de cada indicador podem ser radicalmente diferentes.

A partir da definição das métricas e de sua mensuração, o segundo ponto é a realização de auditorias, que mostram para o mercado que aquela informação é confiável e segue as melhores práticas globais. O terceiro aspecto relevante é que, com a ampliação do uso dos 54 indicadores ESG levantados pelo Fórum Econômico Mundial, as empresas passam a ter estruturas comuns para a comparação de suas iniciativas. Esse é um passo importante não apenas para a aceleração das iniciativas, mas também para identificar a influência dessas ações nos resultados financeiros, na reputação dos negócios e em sua sustentabilidade de longo prazo.

O amadurecimento das métricas ESG depende, a partir de agora, da iniciativa das empresas. No Brasil, que tem uma cultura orientada ao compliance e costuma esperar que as exigências legais sejam colocadas para somente então agir, é hora de quebrar essa barreira cultural e avançar. Os investidores e os consumidores têm se mostrado muito mais ágeis em exigir um posicionamento das empresas, usando princípios e percepções ESG para eleger, com seus investimentos e seu poder de compra, as companhias que merecem sua atenção e seus recursos.

Leonardo Dutra , diretor de sustentabilidade da EY Brasil

Uma nova opção para os investidores

Os impactos na sustentabilidade ambiental, social e de governança empresarial passaram a ser decisivos na escolha dos ativos financeiros pelos bancos, corretoras e gestoras de investimento

BOLSA DE VALORES EM SÃO PAULO - investimentos em empresas com responsabilidade ambiental e social e compromisso de governança corporativa -
BOLSA DE VALORES EM SÃO PAULO - investimentos em empresas com responsabilidade ambiental e social e compromisso de governança corporativa – (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

Na última década, os mercados mundiais mais maduros viram um boom quanto à importância do ESG, principalmente no que se refere à sustentabilidade. Os critérios para investir deixaram de ser apenas a rentabilidade e os riscos dos ativos, e se estenderam para seus impactos na sustentabilidade ambiental, social e de governança empresarial. Este movimento germina no Brasil desde 2015, mas se intensificou no ano passado e agora se multiplica com força em bancos, corretoras e gestoras de investimento. Só no primeiro trimestre de 2021 foram 26 emissões de títulos sustentáveis empresariais no país, frente a 38 emissões no ano inteiro de 2020, mostrando que há um grande espaço potencial para fundos de investimento com esse olhar.

Em 2020, o fenômeno ESG cresceu ao mesmo tempo em que o investidor teve de diversificar sua carteira para encontrar maior rentabilidade. A migração para o mercado de renda variável ocorreu em massa nos países cujos juros caíram a taxas historicamente baixas. No Brasil, onde os investidores estão menos habituados aos ativos de risco, os fundos de investimento foram uma opção muito procurada e se multiplicaram com a ampliação das empresas de investimento. Em fevereiro deste ano, o país já possuía 22,7 mil fundos, um crescimento de 15% em relação ao ano anterior.

Um fundo ESG é composto por ativos de companhias que adotam políticas sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e/ou de governança. Com o ganho de relevância que o tema obteve globalmente, essas carteiras passaram a ser mais atrativas aos investidores por adotarem estes critérios. Essa preferência se encontra madura, principalmente no mercado europeu, com destaque para o Reino Unido. Além do ganho em reputação, as empresas ESG apresentam seus resultados com maior transparência. De acordo com o Bank of America Merrill Lynch Global Research de 2019, as companhias bem classificadas em métricas ESG “superaram o mercado em até 3% ao ano nos últimos cinco anos”.

O boom dos ativos ESG se fundiu com o dos fundos de investimento. Dessa forma, os fundos classificados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) como tipo “Sustentabilidade/Governança” também cresceram. De acordo com a instituição, trata-se de “fundos que investem em empresas que apresentam bons níveis de governança corporativa, ou que se destacam em responsabilidade social e sustentabilidade empresarial no longo prazo, conforme critérios estabelecidos por entidades amplamente reconhecidas pelo mercado ou supervisionados por conselho não vinculado à gestão do fundo”. A entidade afirma ainda que “estes fundos devem explicitar em suas políticas de investimento os critérios utilizados para definição das ações elegíveis”. Em fevereiro de 2021, o patrimônio líquido dos fundos “Sustentabilidade/Governança” foi de 1,07 bilhão de reais, quase o dobro que há um ano. A captação líquida, por sua vez, foi de 307,9 milhões de reais em janeiro e fevereiro de 2021, crescimento de 787% em relação ao mesmo período do ano anterior.

A cabeça do investidor também está mudando e, se antes o impacto social era apenas um valor “a mais” entregue pelas empresas, hoje ele é visto como algo que deve estar intrínseco no próprio negócio. Os jovens investidores da atualidade, conhecidos como Millennials ou “Geração Y”, começam a visar menos uma rentabilidade alta a qualquer custo, e mais o quanto seus recursos contribuem com o desenvolvimento de empresas ou negócios socialmente ou ambientalmente sustentáveis. Lucrar é importante, mas esses ganhos devem estar atrelados a benefícios que reflitam em bens à comunidade como um todo. O EY CEO Imperative Study mostrou que os líderes à frente das empresas, por sua vez, compreendem cada vez mais a importância do tema. De acordo com o estudo, “80% dos CEOs acreditam que o governo, as empresas e o público vão recompensar as empresas por tomarem medidas significativas nos próximos 5 ou 10 anos.”

BOLSA DE VALORES EM SÃO PAULO
(Thierry Falise/LightRocket/Getty Images)

Este movimento global foi intensificado com a pandemia do novo coronavírus, que jogou luz à importância da sustentabilidade. Com a emergência sanitária, bancos e governos começaram a pensar mais intensamente em como recuperar a economia de forma sustentável. No Brasil, a questão da falta de infraestrutura, e principalmente de saneamento básico, ganhou holofotes. Ter cerca de 50% da população brasileira sem acesso à água e esgoto tratados mostrou a necessidade de obter investimento para a infraestrutura de saneamento básico no país. Esse é um exemplo que mostra o potencial brasileiro existente para o crescimento dos investimentos e captação via ESG. Ao mesmo tempo em que a Covid-19 trouxe à tona a desigualdade social, as nações com maior equilíbrio na disponibilidade de recursos se mostraram mais resilientes economicamente.

Um tipo de ativo que ganha cada vez mais força no mercado global são os chamados Sustainable Linked Bonds (SLB). Trata-se de títulos de dívida emitidos por empresas cuja rentabilidade é medida pelo impacto social e/ou ambiental. Essas emissões são atreladas a indicadores-chave de performance, os chamados KPIs dos títulos com foco em ESG, que são definidos para todo o período da emissão. Para o caso desses indicadores serem alcançados conforme previsto, a empresa emissora pode se beneficiar de uma redução da rentabilidade direcionada ao investidor, do contrário, caso a emissora não consiga cumprir com as metas, o custo da dívida pode também ser elevado.

De um lado, as companhias recebem grandes retornos em reputação e imagem pública, pois denotam preocupação com questões importantes para a sociedade. Isso naturalmente atrai um interesse maior dos investidores. De outro, os investidores ficam satisfeitos em alocar recursos em empresas de impacto positivo. Além disso, ambos ganham com uma maior transparência do processo de monitoramento e apresentação de indicadores de redução.

Aliás, todo esse crescimento do mercado de ESG passa por uma regulamentação que está sendo tratada no país. A abertura do guarda-chuva sobre o que são esses compromissos na sigla, seja na mentalidade do investidor ou na oferta das empresas, está em processo de definição. Nos Estados Unidos, há normas claras sobre como um fundo deve ser composto para receber esta nomenclatura, com uma série de critérios por meio dos quais é possível verificar se o dinheiro está realmente sendo destinado para companhias ESG. No Brasil, o processo ainda é relativamente simplista, pois ainda não há um framework – palavra muito usada nesse mercado e que significa um conjunto de parâmetros que possui o mesmo propósito e pode ser utilizado por diferentes organizações – exato do que pode ser definido como ESG ou não. Dessa forma, alguns fundos acabam se aproveitando desse vácuo regulatório para se autodefinir ESG. Para aperfeiçoar essa definição, a CVM, Comissão de Valores Mobiliários, está buscando recomendações do mercado para entender como fomentar esse mercado de fundos de investimento ESG.

Outro conceito começa a adentrar o ESG. Além do E da sigla, que trata de Environment, ou seja, do meio ambiente, do S, que trata de parâmetros sociais, principalmente desigualdade, e do G, que é sobre governança, as empresas do mercado financeiro estão começando a incorporar metas específicas para aumentar a equidade de gênero em seu quadro de funcionários. A iniciativa Brazil Green Finance Programme, em parceria com a WILL (Women in Leadership Latin America) e o Consulado Britânico, está trazendo para o Brasil o compromisso Women in Finance Charter, dedicado a promover liderança feminina nas instituições financeiras, que já existe no Reino Unido desde 2015. A iniciativa busca auxiliar as Instituições Financeiras a alavancar seus talentos femininos às mais altas posições de liderança por meio de ações concretas alinhadas à estratégia do negócio e à realidade de cada Instituição. A versão brasileira do compromisso Women in Finance Brasil deve ser lançada em maio e como primeiras signatárias, conta com um grande banco comercial, um banco digital, uma empresa de meios de pagamento e outros dois bancos de fomento. A agenda de diversidade, equidade e inclusão já que começa a aparecer dentro dos indicadores de ESG e pode ser uma forma de atrair mais iniciativas assertivas com foco em gênero nas instituições brasileiras.

Nataly Briquet, gerente sênior de Estratégia e Transações da EY

A força do consumidor

A pandemia e um novo posicionamento com relação às questões éticas e às causas sociais e ambientais mudaram a maneira como as pessoas fazem suas escolhas de bens e serviços

CONSUMIDORA EM LOJA DE COSMÉTICOS - apelo da sustentabilidade na decisão de compra -
CONSUMIDORA EM LOJA DE COSMÉTICOS – apelo da sustentabilidade na decisão de compra – (Lechatnoir/Getty Images)

Os anos 2020 e 2021 ficarão registrados na história do capitalismo como pontos de inflexão em muitos aspectos da vida econômica, social e política. Assistimos a transformações profundas na forma de viver, trabalhar e consumir de bilhões de pessoas em poucos meses.

Com as transformações tangíveis do cotidiano surgiram também novas reflexões, preocupações, alterações na hierarquia de valores e prioridades desses mesmos bilhões de consumidores. A última pesquisa Future Consumer Index (FCI) realizada pela EY em março de 2021 aponta que a pandemia intensificou a preocupação da população em consumir produtos socialmente e ambientalmente sustentáveis. Entre os entrevistados, 49% vão priorizar o meio ambiente e as mudanças climáticas na forma de viver e nos produtos que compram. Quanto à sustentabilidade, 26% a terá como o critério de compra mais importante nos próximos três anos. Já em relação ao impacto social, 56% dos entrevistados afirma ter mais propensão para adquirir produtos de empresas com garantido impacto positivo na sociedade e 38% desses consumidores diz ter mais propensão para comprar de empresas com uma proposta de valor capaz de gerar benefícios à sociedade – ainda que os produtos sejam mais caros. Estes dados nos demonstram que as transformações tangíveis foram acompanhadas por outras intangíveis que trazem novas exigências ao ecossistema de negócios.

Um outro ponto que vale destacar nestas transformações, potenciadas pela digitalização, é a redução ainda mais acelerada das assimetrias de informação. Com o processo de digitalização do consumo, o poder de decisão do cliente aumenta e a assimetria das informações diminui. Para exemplificar, no mundo do consumo físico, fatores como o próprio ponto de venda, a intervenção dos vendedores em loja ou a disposição dos produtos influenciam a decisão de compra. Num mundo em que todas as decisões se fazem atrás de uma tela, em que qualquer informação sobre a) produtos ou serviços, b) competidores ou substitutos, c) empresas e suas práticas, d) executivos e suas condutas, e) consumidores e suas experiências – todas as variáveis que podem influenciar decisão de compra – estão “one click away”, se eleva transparência para um novo patamar.

É neste novo contexto de transparência que a força dos consumidores se une à vontade das organizações para reformar o capitalismo e o papel das empresas na sociedade. Não há mais espaço para ficar fora deste movimento.

O ESG é a materialização deste movimento nos sistemas de gestão das empresas. Mais do que um adereço gerencial, o ESG precisa estar no DNA do modelo de negócio. As boas práticas não podem ser mais iniciativas isoladas, em silos da organização ou da cadeia de valor, precisam ser capacidades que naturalmente emergem no modelo de negócio. Mais importante que fabricar um produto que consome menos energia ou um produto que comprovadamente usou fornecedores responsáveis, a empresa precisa ter todas as suas decisões de investimento, todo o seu footprint de atuação, realmente eficiente e socialmente responsável. Os consumidores não serão mais benevolentes com empresas que apenas “parecem ser responsáveis” com ações do tipo “greenwash”. Precisa ser e não parecer.

Dessa forma, precisamos abraçar ESG como uma transformação de modelo de negócio – de modelos de negócio orientados à produção em massa a custo competitivo para modelos de negócio orientados a presença sustentável na sociedade. No primeiro caso, que caracterizou a base da sociedade capitalista até aqui, as empresas buscavam ganhar consumidores, por meio de preços muito competitivos que garantissem acesso e preferência da sua proposta de valor. No segundo caso, dentro de um modelo de capitalismo mais consciente, teremos cada vez mais empresas que colocam a “experiência total” do consumidor no centro das suas preocupações. É no conceito de “experiência total” que entram as preocupações com responsabilidade social e ambiental, garantindo ao consumidor alinhamento com seus valores e crenças. A sustentabilidade já está enraizada na vida de bilhões de consumidores que escolherão as marcas que se alinham aos seus valores e sua necessidade.

No âmbito do ESG, a empresa precisa estar pronta para abrir qualquer componente do seu modelo de negócio e estar segura que as suas decisões são as mais responsáveis possíveis a qualquer nível – ambiental, social, gestão de pessoas e governança. Responsabilidade e transparência serão cada vez mais “não negociáveis” para os consumidores. As empresas que abraçarem essa transformação do seu modelo de negócio terão vantagens competitivas no curto, médio e longo prazo e resistirão à seleção natural que os mercados naturalmente irão provocar.

Também do lado dos investidores esta transformação é vista como obrigatória. Eles reconhecem a materialidade dos fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nas performances de longo prazo das empresas investidas. “Uma carteira sustentável pode se adaptar a um mercado e a um ambiente econômico em evolução e pode ajudar nossos clientes a passar pela volatilidade que esperamos persistir na maior parte da próxima década”, afirmou o diretor executivo de investimentos do UBS Global Wealth Management, Mark Haefele.

Um outro aspecto deste movimento de responsabilidade e transparência é observar “pequenas organizações ensinando grandes organizações”. Empresas novas, com modelos de negócio altamente responsáveis e transparentes, são muitas vezes a inspiração de grandes empresas multinacionais. Vemos algumas dessas empresas no setor de bebidas, comidas, vestuário, varejo construindo modelos de negócio que nascem com a principal motivação de criar impactos positivos na sociedade. Por definição, estas empresas entregam a “experiência total” aos clientes e geram externalidades positivas nos ecossistemas onde se inserem. Com essa proposta de valor, essas empresas viram referências aos gigantes, muitas vezes ainda focados num modelo de negócio orientado à produção em massa a custo competitivo.

A mudança está aí. Assistiremos a uma adoção de padrões ESG sem precedentes da qual depende a sobrevivência das empresas. O “novo normal” é responsável e transparente!

Miguel Duarte, sócio da EY-Parthenon e líder do segmento de Consumo, Produtos e Varejo para América Latina

O fator ambiental

Investimentos no meio ambiente deixaram de ser opcionais e se transformaram em imperativos estratégicos, decisivos para a conexão com o consumidor e o mercado

UNIDADE DA SHELL NA ALEMANHA - busca por fontes de energia limpa -
UNIDADE DA SHELL NA ALEMANHA - busca por fontes de energia limpa – (plus49/Construction Photography/Avalon/Getty Images)

Dos vetores ESG (ambiental, social e governança), o E (ambiental) é o que é discutido há mais tempo, uma vez que questões relacionadas à proteção do meio ambiente e à sustentabilidade ganharam grande visibilidade nas últimas décadas. Acidentes como os de Bhopal, do Exxon Valdez e com a BP no Golfo do México são exemplos típicos: chamam a atenção do público para questões ligadas aos processos produtivos e disparam importantes discussões a respeito do tema e, com frequência, geram correções de rota (como o Responsible Care, uma iniciativa voluntária da indústria química para melhorar a gestão sobre aspectos ambientais e de segurança).

O E do ESG está na agenda coletiva há mais tempo e tem uma relação direta com o meio produtivo. Isso faz com que a pressão dos consumidores seja maior, uma vez que nenhum produto que consumimos é independente dos recursos naturais. Até mesmo itens fortemente industriais, como um computador, depende de empresas como as de mineração e petroquímica para existir. Água é necessária em vários estágios de sua produção, e o equipamento virará um resíduo no fim de sua vida útil, voltando para a natureza de alguma forma. Dependendo da maneira como cada um desses aspectos é tratado, o processo produtivo se dá de uma maneira mais ou menos responsável.

O foco das questões ambientais tende a mudar ao longo do tempo, conforme algumas delas vão sendo consideradas resolvidas e outras se tornam mais evidentes. Ao mesmo tempo, o uso contínuo de determinados meios produtivos e o desenvolvimento das sociedades criam novas pressões e geram alternativas antes pouco viáveis.

Um exemplo é o fato de que, atualmente, já se discute sobre questões relacionadas à mineração urbana. Talvez, em um futuro não tão distante assim, faça mais sentido (tanto do ponto de vista econômico quanto do ambiental) reutilizar alguns dos minerais que estão em produtos no fim da vida útil em vez de extrair “minerais virgens”. Como a capacidade que o planeta tem de prover esses ativos é finita, modelos de negócios baseados puramente na exploração dos recursos naturais irão se esgotar em algum momento. E, quanto maior a população urbana, mais rapidamente se chega a esse esgotamento.

Se está claro que não teremos ativos ambientais em quantidade suficiente e por tempo infinito para que a fabricação de mercadorias continue a ocorrer como é hoje, em algum momento haverá uma mudança. Precisaremos buscá-los em outro lugar, no caso de as fontes tradicionais se esgotem. E essa lógica vale para tudo.

Em algumas regiões do mundo, essa é uma realidade muito palpável. A água que usamos na agricultura, na pecuária, no consumo pessoal e em praticamente todos os processos produtivos é um item escasso em grande parte do planeta. Isso força a busca por alternativas, que podem ir, por exemplo, da dessalinização da água do mar ao aproveitamento da umidade do ar.

Nem toda alternativa ainda é viável economicamente, tampouco em todo lugar. O que vem ocorrendo há milênios, e será acelerada, é a inovação nos processos produtivos, uma vez que a viabilidade econômica da reciclagem e do reuso de matérias-primas depende muito da realidade de cada setor e geografia. No segmento de papel e celulose, por exemplo, essa já é uma questão definida, com o plantio e o manejo de florestas em regime de rotação, para evitar o esgotamento da madeira. O mesmo ocorre com diversos produtos agrícolas.

Risco de ruptura

Atualmente, conhecemos a capacidade que diversos ativos biosistêmicos têm de romper cadeias produtivas. Um estudo da FAO, a divisão da ONU para alimentação e agricultura, mapeou diversos bioativos, como insetos, que têm um papel importante no ciclo ambiental. É o famoso caso das abelhas que, em uma série de arranjos biosistêmicos, são relevantes para a geração de riquezas. Sem elas, teremos dificuldades tanto na produção de alimentos quanto na preservação da biodiversidade.

O mesmo se dá em relação à água, que tem um impacto que ultrapassa geografias. A Amazônia, embora não seja o “pulmão do mundo”, como se acreditava há algumas décadas, gera cerca de 80% da umidade do continente sul-americano e provê água até mesmo para o sul do continente, recarregando as represas e aquíferos do Sudeste brasileiro, por exemplo. Dessa forma, o desmatamento da Amazônia tira, em última análise, a capacidade de produção de água de uma grande parte do Brasil, gerando impactos sobre boa parte da população.

LINHA DE MONTAGEM DE CARROS ELÉTRICOS DA TESLA - valorização dos negócios que reduzem a emissão de carbono -
LINHA DE MONTAGEM DE CARROS ELÉTRICOS DA TESLA - valorização dos negócios que reduzem a emissão de carbono – (Mason Trinca/The Washington Post/Getty Images)

Do ponto de vista do consumidor, o crescimento da preocupação ambiental apresentou um salto na última década, em um movimento fortemente impulsionado pelas redes sociais. Anteriormente, a exposição de fatos sobre o meio ambiente acontecia na grande imprensa de forma pontual, o que dificultava a criação de uma visão global a respeito do tema. Mas, a partir do momento em que as pessoas se comunicam em rede e compartilham seus pontos de vista, aumentam as oportunidades de comunicação e influência, em um movimento que pauta o pensamento coletivo e, a partir daí, passa a influenciar a imprensa e as empresas.

Com isso, quando um problema ambiental é vocalizado pelos formadores de opinião, as mídias sociais reverberam essa questão, que ganha corpo, influencia o consumo e pode levar até mesmo ao reposicionamento de produtos. Esse é o movimento que tem levado ao desenvolvimento de certificações orgânicas, embalagens biodegradáveis e produtos com componentes ambientalmente corretos, reforçando para o consumidor sua importância no processo de influenciar decisões corporativas.

Hoje, o consumidor entende que, ao substituir um produto por um similar ecologicamente correto, contribui de alguma forma para dirimir os problemas socioambientais. Do uso de canudos de papel à seleção de vestuário de maior durabilidade (o chamado slow fashion), o cliente se manifesta. E, nesse processo, transforma a cultura de consumo.

Curto prazo versus longo prazo

Para as empresas, a transformação da cultura de consumo em direção a práticas mais sustentáveis se torna um caminho sem volta, uma vez que quem não acompanhar as preferências dos consumidores acabará ficando para trás. Ao mesmo tempo em que surgem oportunidades, um grande desafio se apresenta: como equilibrar as necessidades de curto prazo com a visão de longo prazo?

Em um momento de transição para uma economia mais sustentável, as empresas precisam equilibrar suas ações para capturar valor tanto no curto prazo quanto em um horizonte de tempo mais amplo. Abandonar completamente os posicionamentos, processos produtivos e produtos atuais para adotar o que funcionará daqui a alguns anos gera uma ruptura com potencial destrutivo para o negócio. Os mecanismos de transição são a chave para realizar a migração para uma economia mais sustentável sem perder valor econômico.

Ao desenvolver essa transição, é preciso levar em conta quatro vetores de transformação:

1- Características do mercado: quem são os consumidores, investidores e demais stakeholders e como eles se comportam? Quais as características exclusivas do mercado em que você atua? Esses pontos permitirão à companhia avaliar o momento atual e a velocidade de transformação. Cada mercado segue uma lógica diferente: utilizar na Europa Ocidental os padrões brasileiros de legislação ambiental não funciona, e vice-versa, uma vez que a cultura, as regulamentações e a organização social são totalmente diferentes.

2- Inovação: quais as inovações tecnológicas e em processos que devem ser adotadas e quais ainda não amadureceram? Geração de energia fotovoltaica e eólica tiveram um forte crescimento nos últimos 5 anos e uma evolução notável em temos de viabilidade econômica. Ao mesmo tempo, o estudo de novas tecnologias ainda incipientes permitirá que a humanidade emita muito menos carbono daqui a 20 anos. Empresas de sucesso precisam estar atentas às inovações que amadurecem e se conectar a essas inovações. Nesse processo, não basta incorporar tecnologia: é necessário mudar a cultura corporativa e abrir mão de algo que é feito hoje, abrindo espaço para o novo. Isso pode ser incômodo, mas é absolutamente necessário.

3- Regulação: geralmente, as regulamentações surgem quando um problema já está instalado, é amplamente percebido e precisa de linhas mestras de resolução. Quando o Brasil aprovou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, os lixões já eram uma questão de saúde pública há tempos. O RenovaBio, por sua vez, estabeleceu incentivos e metas para a produção de combustíveis de menor impacto ambiental. Estar atento à regulação é importante: será que não surgirá, nos próximos anos, uma regra que mude a viabilidade financeira do seu setor de atuação?

4- Capital: toda transformação depende de investimentos para viabilizá-la. É impossível sair do status quo sem investir em tecnologias, processos e em um novo mindset. É por isso que mostrar para o mercado de investimentos que o negócio é viável do ponto de vista ESG se tornou essencial: o capital busca majoritariamente o retorno financeiro de curto prazo aliado à geração de valor de longo prazo, respeitando questões ambientais. Quem não está alinhado ao capital, perde oportunidades de evolução.

Existe o mito de que realizar investimentos ambientais é muito caro. É hora de fazer uma outra afirmação: o custo de não investir no desenvolvimento ambiental é muito maior, quando considerado um horizonte de 5 ou 10 anos. Esse é um exercício difícil, uma vez que, ao tratar do longo prazo, o nível de incerteza é maior. Mas estamos em um momento em que o custo de não desenvolver ações socioambientais sólidas, dentro de um plano estratégico, começa a superar os investimentos necessários para fazer com que as iniciativas aconteçam.

Daqui em diante, a evolução será exponencial. E as empresas precisam estar preparada para esta transformação.

Leonardo Dutra, diretor de sustentabilidade da EY Brasil

Como criar uma empresa mais diversa e inclusiva

Responsabilidade social está há muito tempo no vocabulário das empresas. O desafio atua é representar os clientes na liderança da empresa leva a melhores resultados financeiros

REUNIÃO EM ESCRITÓRIO NOS ESTADOS UNIDOS - empresas são pressionadas a seguirem princípios de inclusão e diversidade -
REUNIÃO EM ESCRITÓRIO NOS ESTADOS UNIDOS - empresas são pressionadas a seguirem princípios de inclusão e diversidade – (MoMo Productions/Getty Images)

A visão social dos negócios vem evoluindo significativamente e, nesse processo, amplia seu escopo. Se no passado o S do ESG era percebido como responsabilidade social e “fazer o bem”, em um momento mais recente passou também a ser avaliado com base na geração de impacto nos negócios. Atualmente, estamos entrando em uma terceira fase, que acrescenta a esses pontos um fator relevante: garantir a perenidade da companhia.

Para prevalecer daqui em diante, as empresas precisarão ser socialmente responsáveis. Um fator particularmente importante nesse sentido é a ascensão da Geração Z no mercado de trabalho. A população nascida após os anos 90 representa uma parcela cada vez mais importante entre os novos profissionais e caminha rapidamente para se tornar o grupo populacional com maior poder econômico. Seus valores e visão de mundo passam a influenciar cada vez mais as decisões de negócios.

Atualmente, segundo estudos da EY, cerca de 70% da população global pode ser inserida em algum grupo de diversidade. Consumidores e colaboradores são muito mais diversos do que já foram, e isso impacta profundamente seu comportamento e seu mindset. As gerações mais novas, especialmente, não compram somente produtos, mas também os princípios e valores de quem está vendendo. Empresas diversas, inclusivas e socialmente responsáveis se tornam mais relevantes para os consumidores e aquelas que não são poderão sofrer boicotes.

Os colaboradores também passam a selecionar onde trabalhar em função da liberdade que têm para serem eles mesmos. Como resultado, empresas inclusivas e socialmente responsáveis atraem e retém melhores talentos, fomentam a inovação, geram novas perspectivas e alcançam melhores resultados.

Por gerar melhores resultados, empresas socialmente responsáveis passam a ser preferidas por investidores. Com isso, o que no passado significava apenas “fazer o bem”, agora passa a ser fundamental para garantir o desenvolvimento e a perenidade dos negócios.

A evolução da agenda S do ESG dos talentos para os negócios passa a incorporar agora uma agenda ligada ao risco. O aumento da visibilidade de questões relacionadas a assédio, discriminação e tratamento impróprio de equipes é uma consequência do aumento da diversidade nas empresas. Conflitos sobre diferenças surgem, mudanças culturais e comportamentais passam a ser necessárias para construir ambientes cada vez mais inclusivos, e livres de vieses, e torna-se imprescindível tratar esses temas em uma agenda estratégica.

Três agendas, três esferas

Com a evolução das questões sociais para três agendas distintas (talentos, negócios e risco), surgem três esferas claras de influência do S do ESG na estratégia corporativa.

A primeira delas é a esfera mais tradicional, que olha o S pela comunidade. É a responsabilidade social externa, filantrópica, que visa contribuir para a evolução das comunidades e para o desenvolvimento socioeconômico. A abertura de institutos e fundações para endereçar as questões ambientais e sociais é uma característica marcante das empresas, que continua em ritmo forte. Não é à toa que a geração de empregos nas comunidades é um dos aspectos mais ressaltados nos relatórios de responsabilidade social das empresas.

A segunda esfera vem ganhando força e diz respeito a como a empresa contribui para a evolução de seus próprios colaboradores. Existem duas faces importantes desse prisma social: bem-estar e inclusão/diversidade. Especialmente, desde o início da pandemia, as questões relacionadas ao bem-estar e à saúde mental das equipes ganharam destaque, uma vez que o trabalho remoto nem sempre se traduz em maior qualidade de vida. Com muita frequência, acaba se transformando em insegurança em relação ao seu emprego, jornadas de trabalho ainda mais intensas, acúmulos de tarefas profissionais e domésticas ou pessoais e burnout. Endereçar o pilar do bem-estar e da saúde mental contribui para o desenvolvimento de ambientes de trabalho mais sadios, dentro ou fora do escritório.

A outra face é a da inclusão e da diversidade, em que práticas e métricas vêm sendo desenvolvidas e implementadas em todo o mundo. Em alguns casos, são métricas claramente identificáveis, como a quantidade de homens e mulheres, ou segmentações do ponto de vista racial, de orientação sexual ou de pessoas com deficiência. Realizar um censo para entender onde cada empresa está nesse processo é um primeiro passo importante, bem como eliminar o viés inconsciente e gerar critérios claros de recrutamento, seleção e promoção.

inclusão e diversidade
(d3sign/Getty Images)

As empresas estão cada vez mais diversas, mas ainda precisam ter mais equidade e ser mais inclusivas, e esse é um terreno em que é possível avançar muito. Nem sempre a diversidade significa maior inclusão, nem sempre os colaboradores sentem que se tornaram parte da empresa, com voz ativa e autonomia na tomada de decisões (senso de pertencimento). Nesse sentido, aspectos tangíveis, como a equidade salarial, podem e devem ser incorporados aos negócios, assim como ações afirmativas para fomentar uma cultura mais acolhedora e acessível, como, por exemplo, revisão de políticas e formação de grupos de afinidades.

A terceira esfera é a carreira. Será que os colaboradores diversos incluídos às equipes das organizações estão progredindo? Qual é o percentual de mulheres e negros em cargos de liderança, por exemplo? Não se trata simplesmente de cumprir uma cota ou apenas de buscar alguma forma de reparação histórica: existem também razões muito objetivas e pragmáticas para aumentar a diversidade nos níveis mais sêniores.

Em primeiro lugar, quanto mais diversa e inclusiva for a empresa, mais visões diferentes sobre os desafios de negócios, maior a possibilidade de ter role models inspiradores para toda a empresa e, com isso, maior a capacidade de retenção de talentos. Empresas mais progressistas têm, nesse sentido, desenvolvido metas de avaliação de líderes que estão ligadas à diversidade e são atreladas à remuneração variável. Dessa forma, cria-se um estímulo palpável ao fomento da diversidade.

Entretanto, perseguir a representação de determinados perfis na liderança não depende somente do cumprimento de uma cota, ou de simplesmente “dar passagem”. Estudos comprovam que, organicamente, as empresas não chegarão lá – o Fórum Econômico Mundial estima 257 anos para atingirmos equidade de gênero. É preciso, em paralelo, capacitar os profissionais ao longo de todos os níveis hierárquicos. Colaboradores diversos de nível básico devem encontrar, dentro da empresa, o incentivo para que se tornem líderes, e os líderes precisam ter condições para se desenvolver rumo aos níveis mais sêniores com equidade de oportunidades. Sem isso, cria-se uma espécie de “dilema de Tostines” ao contrário: não temos líderes diversos porque não há capacitação ou não existem ferramentas de capacitação porque não existem líderes diversos que as apoiem e as promovam?

Costumamos dizer que diversidade não é promover os despreparados, e sim preparar os que serão promovidos. Para isso, é necessário tratar os aspectos de sucessão e capacitação do pool de talentos da companhia, mapeando as posições que se abrirão nos próximos anos e quais as competências necessárias para assumi-las. A partir daí, ocorre o mapeamento dos profissionais de alto potencial técnico, levando em conta também a necessidade de diversidade e a representação tanto dos colaboradores quanto dos consumidores.

Quando esse processo é bem desenvolvido, as companhias passam a ter um pool a ser ativado nos momentos de sucessão e expansão dos negócios. Os programas de capacitação mais bem-sucedidos funcionam como um roadmap, composto por três fases muito claras. A primeira é o aprendizado das competências necessárias, tanto em hard skills quanto em soft skills. A segunda é o desenvolvimento de experiências que solidifiquem esses conhecimentos. Por fim, uma política contínua de orientação durante a jornada de carreira, com ações de mentoria e acompanhamento da performance.

Muito mais que um exercício de compliance

O exercício de desenvolver lideranças diversas deve ser acompanhado por outras práticas que até recentemente não eram nem consideradas. Um bom exemplo é o do viés inconsciente: os conceitos e crenças que naturalmente assumimos como verdadeiros com base na recorrência ou significância de vivências do passado. É necessário trazer a consciência e ressignificar estes conceitos com base em uma visão de presente e futuro, especialmente em um mundo em constante mudança, como o que vivemos. Não questionar o viés inconsciente leva a dar preferência, por exemplo, a homens para cargos em que seja necessário viajar muito (assumindo inconscientemente que as mulheres teriam mais dificuldade em viajar por causa dos filhos).

Ao mesmo tempo, é preciso haver um alinhamento de posicionamento constante de toda a liderança da empresa não apenas nas práticas externas, mas também no relacionamento com as equipes. Toda a liderança precisa se comportar como uma, o que naturalmente exige que todos aprendam a lidar com as questões de diversidade e inclusão.

A estruturação das políticas de diversidade e inclusão como uma estratégia ligada ao propósito corporativo, para aumentar a competitividade da companhia em múltiplas dimensões, vai muito além de um exercício de compliance e uma vitrine de marketing. É uma transformação cultural dos profissionais e de toda a empresa para abraçar a diversidade e a inclusão e gerar novas oportunidades de inovação e crescimento em um mundo cada vez mais complexo.

Cada empresa percorre uma jornada de negócios diferente e, por isso, precisa ter em seus quadros a diversidade que faça sentido para ela e para o conjunto de consumidores que ela representa. Inclusive, em seu Conselho de Administração. Parece claro que uma empresa de games que tenha 90% de seus clientes abaixo dos 20 anos, mas que só conte com profissionais de mais de 60 anos em seu board, não conseguirá entender seu público e terá dificuldades no médio e longo prazo. O mesmo vale para a diversidade racial ou de gênero.

Aumentar a diversidade nos Conselhos de Administração, porém, pode exigir uma mudança de postura, abandonando alguns critérios tradicionais de indicação de membros que não necessariamente façam sentido para a realidade daquele negócio: os chamados “requisitos excludentes”. Cada vez mais, os boards das empresas precisarão se perguntar se, por exemplo, é preciso ter apenas membros com experiência de CEO. Companhias focadas em seus consumidores precisam dar voz ao púbico, e isso passa por uma maior diversidade também nos Conselhos de Administração. Neste ponto, as mudanças nos aspectos sociais influenciam e são influenciadas pela governança corporativa.

As questões sociais devem ser avaliadas em conjunto com os aspectos ambientais e de governança. ESG se soletra em conjunto, e não como letras separadas. O S do ESG representa uma geração de valor de longo prazo e um desafio que é único para cada empresa. A tendência é que a evolução faça com que as métricas de longo prazo (atingir equidade em 30 anos, por exemplo) sejam acrescidas de indicadores e ações de curto prazo, permitindo um acompanhamento mais próximo de parâmetros mais pragmáticas – e, como consequência, gerando mais consistência e mais representatividade. O valor de longo prazo (long term value), que os investidores tanto procuram ao exigir ESG, precisa começar a ser construído pelas organizações hoje.

Tatiana da Ponte, sócia da EY, líder da prática de consultoria em Diversidade e Inclusão para a América Latina e vice-presidente do Conselho de Administração do EY-Institute.

Responsabilidade, ética e governança

Mais que um 'framework' para as ações estratégicas, a governança é um impulsionador da transformação das organizações e do relacionamento com os 'stakeholders'

REUNIÃO CORPORATIVA - Engajamento e treinamento dos funcionários são decisivos para una boa governança -
REUNIÃO CORPORATIVA - Engajamento e treinamento dos funcionários são decisivos para una boa governança – (Tom Werner/Getty Images)

Uma vez que a agenda ESG passa a fazer parte da estratégia das empresas, o G de Governança se torna o fator que viabiliza a solidificação da preocupação socioambiental nas organizações. É a governança que faz o ESG permear a estratégia do board para toda a empresa.

Podemos dizer que os aspectos de governança são estruturantes. Os princípios de equidade, transparência e regras claras de gestão corporativa criam o framework sobre o qual os fatores ambientais e sociais se desenvolvem. Como os artigos sobre as questões ambientais e sociais mostram, o ESG se torna diferente em cada companhia, uma vez que os aspectos que formam o E e o S em cada organização têm pesos diferentes. É a governança, porém, que garante que exista uma forma de trabalhar essas questões dentro das companhias, com mensurações, verificações e accountability.

Com o aumento da importância das práticas ESG, cresce a atenção dada às questões de governança. O EY Center for Board Matters (CBM) identificou os seis temas mais importantes nas discussões dos Conselhos de Administração de empresas brasileiras, argentinas e chilenas. Como resultado, os critérios ESG aparecem como um dos 3 temas prioritários para os boards em 2021, ao lado da gestão de riscos e da inovação.

A preocupação com as questões ESG não surgiu com a pandemia: 75% dos entrevistados pelo CBM afirmam que o tema já estava na pauta das reuniões dos Conselhos de Administração antes de 2020, e outros 7% disseram que o assunto se tornou mais importante com a chegada da crise.

Embora seja um aspecto estruturante, os critérios de governança foram os mais relevantes em 2020 nas discussões dos boards a respeito dos critérios de ESG, para 30% dos entrevistados, ficando atrás apenas das questões ambientais (35%). Isso se dá, no nosso entender, porque a governança impulsiona a empresa a colocar as discussões desde a alta liderança, alinhando estrategicamente o que é mais relevante para o negócio e, então, criando os fundamentos para desdobrar a estratégia em políticas e diretrizes (por meio dos comitês) e em planos de ação e metas (pela diretoria), para que a organização possa atuar em prol dessa estratégia.

Um processo de evolução contínua

Por mais que tenhamos avançado, o processo de governança é um movimento em contínua evolução nas organizações. Isso ocorre porque as demandas e as prioridades do mercado mudam constantemente e as empresas precisam se adaptar a essas prioridades. Da mesma forma, as pessoas que fazem parte das organizações precisam se preparar para trabalhar adequadamente o tema, principalmente os Conselheiros de Administração.

Atualmente, ainda são poucos os conselheiros amplamente capacitados nas questões ESG, uma vez que poucas empresas estão no estado-da-arte em uma abordagem integral para o tema. O que temos são especialistas em aspectos ambientais, sociais e de governança, isoladamente. Criar uma visão unificada e que permeie toda a corporação é o próximo passo dessa trajetória evolutiva. Com isso, a formação de executivos e conselheiros em ESG é algo que está sendo feito pelo mercado, no dia a dia e ao sabor de erros e acertos.

A pressão externa pelo desenvolvimento de práticas ESG vem de várias frentes. A que impacta mais diretamente os Conselhos de Administração é a força dos investidores, que têm questionado cada vez mais as empresas sobre seus aspectos ESG e cobrado posturas mais rígidas nessas questões. Quando fundos como o BlackRock colocam critérios ESG como parte essencial de sua política de investimentos, isso se torna um imperativo ao qual as empresas precisam responder. Esse movimento passa a pautar as ações dos Conselhos de Administração, criando um processo positivo de atualização e revisão de práticas.

A pressão dos concorrentes também deve ser levada em conta. Nesse caso, esse movimento se dá de uma forma indireta, com empresas saltando à frente por contarem, por exemplo, com mais diversidade em seus quadros. Com isso, elas são capazes de inocular a cultura corporativa com novos pontos de vista, fazendo com que a empresa alcance o mercado com abordagens diversas, da comunicação ao marketing, passando pelo desenvolvimento de produtos, pelas práticas fabris e pela seleção de fornecedores e parceiros.

Quando essa percepção de que a diversidade gera inovação encontra eco nos Conselhos de Administração, as organizações se tornam capazes de identificar e aproveitar melhor as oportunidades de mercado. Quando um board é composto por pessoas muito semelhantes, inevitavelmente haverá pontos cegos, que os membros do Conselho não conseguirão nem compreender, quanto mais posicionar o negócio a respeito. Com a diversidade, surgem novos inputs que não eram nem mesmo considerados.

Trata-se de um ciclo contínuo de retroalimentação, em que a governança é influenciada pelos aspectos sociais e ambientais, precisa tomar posição em determinadas questões e passa a dar o tom da organização sobre esses temas.

Normalmente, os sinais da maior preocupação dos Conselhos de Administração com os aspectos ambientais e sociais aparecem na identidade dos conselheiros (profissionais mais alinhados com determinadas causas E e S) e no desenvolvimento de comitês específicos nas empresas. Quando os comitês ligados ao ambiental e ao social passam a fornecer insumos às discussões estratégicas no board das empresas, os temas ultrapassam o espectro do compliance e passam a representar oportunidades de diferenciação estratégica.

O grande desafio das métricas

Uma vez que o desafio de estruturar a governança a partir de questões ambientais e sociais passa a ser respondido pelas organizações, surge o novo passo dessa jornada: como demonstrar o impacto das métricas ESG no resultado financeiro das empresas. É aqui que está a grande oportunidade de diferenciação estratégica.

Atualmente, identificar quantas toneladas de CO2 a empresa economiza por ano, ou qual é a proporção de homens e mulheres em cargos de liderança, já são métricas simples. A grande questão é: até que ponto o fato de uma empresa ter avançado em um desses indicadores se reflete no demonstrativo financeiro?

Existem ganhos óbvios de reputação ao desenvolver ações ambientais ou em fazer parte de um indicador como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3. Uma pesquisa realizada pela EY em 2020 com cerca de 300 investidores de todo o mundo, por exemplo, apontou que 91% deles levam em conta o desempenho não-financeiro das empresas na tomada de decisões de investimentos. O mesmo acontece com parte dos consumidores, que incluem um mix de aspectos ESG em sua seleção de fornecedores e produtos. Isso faz com que medir e reportar o ESG passe a ser estratégico.

Cada empresa possui uma jornada e incentivos diferentes para atuar nos temas ESG. Há aquelas que têm aspectos ambientais e sociais como um propósito do negócio, norteando práticas de seleção de fornecedores e presença no mercado. Outras têm atuado de forma reativa, buscando garantir o compliance para evitar exposição a riscos.

Uma vez, porém, que as empresas tenham consciência de que faz sentido (financeiro, de negócios e de reputação) atuar em ESG, é preciso atrelar esses aspectos às métricas do negócio, incluindo a remuneração do board e dos executivos. E rapidamente. Um posicionamento sólido em ESG está deixando de ser um diferencial e vem se tornando o padrão mínimo exigido. Em pouco tempo, quem não tiver boas práticas a demonstrar para investidores, consumidores e parceiros de negócios passará a ser visto de forma negativa.

E essa não será a linha de chegada: é uma jornada. Assim como vimos uma evolução nas questões sociais, com mais destaque nos últimos anos para aspectos relacionados à diversidade e equidade de gênero, a governança continua a evoluir. A discussão sobre a presença feminina em Conselhos de Administração, por exemplo, é bastante recente no Brasil, e leva a um entendimento cada vez maior de um princípio fundamental: a governança deve ser a macroestrutura capaz de alavancar o crescimento da organização. Isso se dá respeitando, e principalmente antecipando, as demandas dos stakeholders.

Empresas que dão voz, em sua governança, a todo o seu ecossistema são empresas que crescem mais e obtêm resultados superiores.

Carolina Queiroz, sócia de Consultoria da EY Brasil; e Cyntia Watanabe, gerente sênior de Sustentabilidade e Governança Corporativa da EY Brasil.

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