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Um banco mais enxuto

Nomeação de Joaquim Levy para o BNDES sinaliza que dias do “Bolsa Empresário” ficaram para trás; banco será mais rigoroso na concessão de empréstimos

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 nov 2018, 18h53 - Publicado em 16 nov 2018, 07h00

Em uma semana desanimada para o mercado, ainda frustrado com o baque nas contas públicas causado pela aprovação do aumento de salários no Judiciário e pela redução de impostos para a indústria automotiva, o anúncio do nome de Joaquim Levy para a presidência do BNDES tranquilizou os investidores. Não que o economista tenha dado entrevistas ou, à moda Jair Bolsonaro, feito um pronunciamento via redes sociais depois que teve a nomeação confirmada pelo presidente eleito. Na verdade, ele não abriu a boca. É que sua vasta experiência em cargos de grande visibilidade — acaba de deixar a diretoria financeira do Banco Mundial, para ficar no exemplo mais recente — e também sua produção acadêmica como doutor em economia pela Universidade de Chicago dão sinais concretos sobre qual será o norte de sua gestão. O principal banco de apoio ao desenvolvimento do país deve se tornar mais criterioso na concessão de crédito, com uma rigorosa avaliação do retorno proporcionado à sociedade associado ao potencial de lucro. Também vai cortar drasticamente os subsídios que, no fim das contas, são bancados com os impostos pagos pelo contribuinte.

(Arte/VEJA)

É um modelo defendido pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes (oriundo da mesma Universidade de Chicago, berço do pensamento ultraliberal), para quem não cabe ao Executivo definir quem são os merecedores dos recursos públicos. A ideia é estabelecer critérios objetivos, impessoais e transparentes, e deixar que as empresas se adéquem caso queiram botar as mãos no dinheiro. Políticas que fracassaram no governo do PT, como a das campeãs nacionais, estarão descartadas. Guedes repete como um mantra que a centralização de poder criou as condições para esquemas de corrupção como os revelados pela Operação Lava-Jato, com troca de favores entre empresas e políticos. O volume de empréstimos subsidiados disponíveis para os bem relacionados em Brasília era tão grande que as companhias preferiam concentrar seus esforços em lobby a buscar fontes privadas de financiamento. “A nomeação do Levy é uma sinalização de que o banco vai diminuir de tamanho e ser mais seletivo nos projetos apoiados”, diz Sandro Cabral, professor do Insper e especialista na avaliação de políticas públicas.

Enquanto esteve à frente do Ministério da Fazenda, em 2015, Levy comprou brigas com empresas privadas para reduzir o programa de corte de impostos para dezenas de setores. A adoção de critérios objetivos como forma de combater o patrimonialismo, ou seja, o favorecimento do Estado a empresas ou setores escolhidos pelo governante, é uma ideia cara ao economista. Bolsonaro levou isso em conta ao referendar sua nomeação para o BNDES. Mas suas propostas relacionadas ao papel do banco vão além dessa questão — que, afinal, deveria ser básica. No período em que esteve em Washington como executivo do Banco Mundial, Levy dedicou-se a estudar formas de viabilizar o investimento estrangeiro de fundos de pensão em projetos de infraestrutura de países emergentes. Como o Brasil, por exemplo. Estima-­se que tais fundos somem 26 trilhões de dólares no mundo em busca de investimentos de longo prazo e índices de rentabilidade mais elevados. É exatamente a combinação que o Brasil pode oferecer, desde que consiga resolver a burocracia da máquina pública para viabilizar leilões. O desafio é montar modelos de concessão com taxas de retorno atraentes e riscos condizentes. Será esse, e somente esse, o papel do BNDES sob Levy, evitando assim que a instituição entre como sócia de companhias, como foi praxe no passado recente. “O banco poderá sinalizar credibilidade pa­ra que investidores privados ponham dinheiro nos projetos”, afirma Cabral, do Insper. Se der certo, o banco conseguirá liberar dinheiro para a devolução antecipada dos repasses feitos pelo Tesouro Nacional nos últimos anos, em um movimento que ajudará a reduzir a dívida bruta da União.

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A nomeação de Levy é um sinal de que o banco vai diminuir de tamanho e ser mais seletivo nos projetos apoiados

A presidência do BNDES será o quinto cargo de Levy no alto escalão da economia nacional. Em 2000 e 2001, foi, respectivamente, secre­tá­rio-­adjunto de Política Econômica e economista-chefe no Ministério do Planejamento na administração de Fernando Henrique Cardoso; de 2003 a 2006, foi secretário do Tesouro no primeiro governo Lula; e, mais recentemente, assumiu o Ministério da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff. Na ocasião, foi responsável por uma inflexão da política de aumento desenfreado de gastos do antecessor Guido Mantega, considerada uma das causas da recessão. No governo do PT, em especial depois da crise de 2008, o BNDES se agigantou de forma inédita. Nos seis anos seguintes, o banco recebeu o aporte de 532 bilhões de reais do Tesouro por meio da transferência de títulos públicos. O objetivo declarado era turbinar o orçamento da instituição para ampliar os empréstimos com juros subsidiados e manter a economia aquecida. Estudos mostram, porém, que os programas de incentivo não surtiram o efeito desejado de promover investimentos e gerar empregos no país, não ao menos no nível que seria esperado dado o volume de recursos. A JBS Friboi, por exemplo, usou parte do dinheiro que recebeu por meio de aportes para comprar empresas nos Estados Unidos — não criou um posto de trabalho sequer. A estratégia teve, sim, um forte impacto na dívida bruta da União e um custo fiscal elevado, uma vez que o banco cobra juros muito mais baixos do que aqueles pagos pelos títulos públicos.

CALOTE – Porto de Mariel, em Cuba: o BNDES não recebeu o pagamento do empréstimo (Sarah L. Voisin/The Washington Post/Getty Images)

A guinada no BNDES começou em 2016, com o impeachment de Dilma. Luciano Coutinho foi substituído por Maria Silvia Bastos Marques na presidência, e sua gestão foi marcada pela redução de empréstimos e pelo aumento da transparência e do zelo com o dinheiro público. Sob Coutinho, algumas operações chegaram a ser classificadas como secretas, como o contrato de empréstimo para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, tomado pela Odebrecht. Com o endosso do então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, Maria Silvia reduziu os subsídios nos empréstimos e devolveu de forma antecipada 100 bilhões de reais ao Tesouro, a despeito da resistência de poderosas associações da indústria e dos funcionários do banco.

Há ainda uma agenda extensa do que pode ser feito nos próximos anos para tornar o BNDES mais eficiente. Uma das medidas é abrir mão das exigências de conteúdo nacional em certas linhas de empréstimos; outra é desfazer-se totalmente da carteira de ações que o banco detém. Essas decisões não precisam passar pelo Congresso. Há outras mais complexas. “É necessário desvincular os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) dos programas do banco”, defende Vinicius Carrasco, ex-diretor de Planejamento e Pesquisa do BNDES. Pela Constituição, 40% dos recursos arrecadados com o PIS-Pasep são destinados ao órgão. Hoje esse saldo de dinheiro dos trabalhadores em poder do banco chega a 265 bilhões de reais. Carrasco diz que o governo pode transferir a gestão dos recursos para o setor privado a fim de obter uma remuneração maior, uma vez que o orçamento anual do FAT está há vários anos no vermelho. “O BNDES já comprovou que tem condições de se financiar no mercado com taxas competitivas”, completa. Como se vê, não faltará trabalho a Levy no comando do BNDES.

Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609

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