‘Transição é indolor’, diz pai da dolarização no Equador
Economista, Francisco Zalles falou a VEJA e disse que a economia do país tem crescido desde a adoção da moeda americana, em 2000

O economista Javier Milei lidera a corrida presidencial na Argentina com propostas para lá de heterodoxas. Ele defende, entre outras propostas questionáveis, o fechamento do Banco Central e o fim do ensino público. Uma de suas ideias, contudo, merece ser levada a sério e discutida com profundidade. O representante da extrema-direita prometeu, se eleito, dolarizar a economia argentina. Segundo ele, trata-se do único caminho possível para acabar com a inflação no país. Em linhas gerais, seu plano é parar de imprimir cédulas do peso argentino e estabelecer que toda e qualquer transação financeira passe a ser feita em dólar.
O Equador é o exemplo mais próximo no continente de país que adotou a medida, considerada bastante drástica. Além dele, nações como El Salvador, Equador, Micronésia, Panamá, Porto Rico e Timor Leste — que estão longe de ser potências econômicas — também incorporaram a moeda americana.
Em janeiro de 2000, o presidente Jamil Mahuad Witt anunciou a dolarização da economia do país. A medida promoveu a estabilidade monetária, algo que não era visto desde o longínquo 1970, mas eliminou a possibilidade de o governo utilizar políticas cambiais para responder a choques externos. O economista equatoriano Francisco Zalles, formando pela Universidade de Lafayette, nos EUA, é considerado o pai da ideia no continente e ajudou a implementar o modelo por lá no início do século. Ele, que atualmente apoia Milei na replicação do sistema na Argentina, falou a VEJA e defendeu que o crescimento econômico no Equador tem sido positivo desde a dolarização. Entre 2000, quando a economia equatoriana foi dolarizada, e 2022, o PIB do país cresceu, em média, 2,9% ao ano. No Brasil, a taxa anual média foi de 2,3%. “Apenas é necessário que o governo aceite abrir mão de seu privilégio de imprimir dinheiro e devolva os dólares que mantém em troca dos pesos em circulação”, disse.
É viável para um país como a Argentina adotar o dólar como moeda oficial? É sempre viável adotar a dolarização. Não existe uma quantidade perfeita ou mágica de dólares necessário. Na verdade, a economia da Argentina já é altamente dolarizada – apenas informalmente. Então só é preciso que o governo aceite abrir mão de seu privilégio de imprimir dinheiro e devolva os dólares que mantém em troca dos pesos em circulação, que são poucos, já que a maioria das transações é eletrônica. Economias de papel-moeda são uma coisa do passado, isso contribui para facilitar um processo como esse.
A Argentina é um país com reserva cambiais de apenas 26 bilhões de dólares, o que é considerado baixo. Promover a dolarização da economia com tão pouco em caixa não seria temerário? A Argentina tem reservas, na verdade mais reservas líquidas do que base monetária emitida, de acordo com dados do banco central. Com o câmbio a 750 pesos por dólar, eles teriam dinheiro suficiente para substituir toda a base monetária. O que eles têm são muitos outros passivos, mas que podem ser dolarizados assim que você fizer a mudança. Nunca há o suficiente para pagar todas as dívidas. É assim desde sempre, mas agora em dólares.
Para substituir a moeda não seria necessário depreciar ainda mais o câmbio? Não seria, mas quanto mais eles depreciam, menos dólares precisam para substituir a base monetária. É preferível fazer um pouco isso, mas não muito. No caso do Equador, a inflação no ano seguinte à dolarização foi de 60% porque a taxa de câmbio era muito elevada quando dolarizaram e os preços realinharam-se rapidamente. A questão é que na Argentina dolarizar é mesmo o melhor a se fazer. Qualquer dor de curto prazo que possa ser sentida na transição será recompensada com os ganhos imediatos de estabilidade monetária. Mas eu garanto que o processo é indolor.
No Equador, a dolarização controlou a inflação, mas limitou de alguma forma o crescimento econômico potencial do país? O crescimento tem sido positivo desde a dolarização. Caso contrário, a sua popularidade não seria tão elevada, de cerca 85% desde sua implementação. O sucesso não é só lá, mas também no Panamá, que cresceu anualmente mais que o Equador e sem petróleo. Na verdade, se a dolarização impedisse o crescimento econômico, não seria possível explicar o fato do país ser agora o principal exportador mundial de bananas e camarão, dois insumos em que os produtores equatorianos são tomadores de preços. O problema com o crescimento do Equador não são os dólares, mas o sistema econômico que Rafael Correa (ex-presidente) implementou.