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Tragédia anunciada

Paralisação de policiais em Roraima leva governo a decretar intervenção. Há um ano, a ex-governadora recusou acordo para ajustar contas públicas

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 dez 2018, 07h00 - Publicado em 14 dez 2018, 07h00

Faz pouco mais de sessenta dias que Roraima completou trinta anos de existência como estado. Mas não há razão nenhuma para comemorar. Com o salário atrasado há dois meses por falta de recursos, policiais militares, policiais civis e agentes penitenciários cruzaram os braços, o que pôs o estado em situação de risco extremo. Tão extremo que, em acordo com a própria governadora Suely Campos (PP) e com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o presidente Michel Temer decretou uma inédita intervenção em um dos caçulas da federação.

A intervenção é excepcional, pois o instrumento nunca tinha sido usado na democracia brasileira — no caso do Rio de Janeiro não é uma intervenção geral, mas restrita à área de segurança. A penúria das contas públicas do estado, no entanto, não tem nada de excepcional: é comum e antiga. Pode-­se dizer até que o colapso era previsível, resultado de anos de más administrações. Para explicitar apenas o pior dos muitos problemas de gestão: no período entre 2005 e 2016, nenhum outro estado do país aumentou tanto seu gasto com a folha de pagamento como Roraima. A despesa subiu 127%, segundo levantamento do Tesouro Nacional. Trocando em miúdos: mais de 60% da receita, que é simplesmente o dinheiro dos contribuintes, é gasta com salários dos servidores — valor acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Não sobram recursos para outras despesas, como o pagamento das contas dos prédios públicos ou a manutenção da infraestrutura do estado. A capacidade de investimento, então, é nula. “Não existe distinção de partido ou de nível de desenvolvimento regional: há um conjunto cada vez mais amplo de estados entrando em um processo de deterioração muito grave, com consequências sociais terríveis”, diz a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman.

A saída encontrada pelo presidente Michel Temer para que a intervenção fosse a mais eficiente possível, dado o tempo exíguo até o fim do mandato de Suely Campos, foi nomear como interventor o recém-eleito governador Antonio Denarium (PSL). Trata-se de uma espécie de antecipação de seu mandato, que só começa oficialmente em 1º de janeiro — Temer definiu a medida como uma “intervenção-transição”. “Nossa prioridade será o pagamento dos servidores públicos estaduais”, afirmou Denarium, que é empresário e faz sua estreia em cargo público. É um início de mandato em caráter emergencial, de gestão de crise. O artigo 167 da Constituição veda o repasse de verbas federais para o pagamento de salários nos estados, salvo em caso de intervenção federal — por isso a medida foi tomada. Estima-se que o Tesouro vá injetar entre 150 milhões e 200 milhões de reais só para acertar os vencimentos na máquina pública, atrasados desde setembro.

Os políticos da região repetem como um mantra que a situação precária da segurança pública é resultado da entrada maciça de venezuelanos pela cidade de Pacaraima. Não é bem assim. Até o início do mês, 200 000 venezuelanos atravessaram a fronteira. É um volume extraordinário de pessoas, sem dúvida, embora metade delas já tenha deixado o território brasileiro por outras fronteiras, segundo a Polícia Federal. A questão central, no entanto, é que a crise financeira do estado é anterior à chegada dos venezuelanos — e tem sido ampliada por péssimas decisões administrativas. Há um ano, por exemplo, o governo de Suely Campos decidiu não aderir ao programa federal de reestruturação das finanças dos estados porque, em troca, teria de cumprir metas fiscais responsáveis, como a contenção de gastos.

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A 2 500 quilômetros de Roraima, em Brasília, parece que nada disso importa. Apesar da crise fiscal de todo o setor público, deputados acabam de aprovar um remendo na LRF para permitir que municípios possam violar o limite de 60% de sua receita com gastos com pessoal em caso de redução nas transferências da União ou de queda nos recursos vindos dos royalties. A medida, que agora só aguarda a sanção do presidente Temer, será um incentivo para que prefeitos criem despesas permanentes contando com receitas que naturalmente sofrem oscilações. É o mundo maravilhoso dos políticos demonstrando, mais uma vez, que eles vão fazer de tudo para manter seus privilégios enquanto continuam a jogar a conta da deterioração da prestação de serviços para a população. O resultado disso? O caos.

Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2018, edição nº 2613

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