Saiba quem ganha e quem perde com o dólar em queda
Produtos importados, como alimentos, remédios, ficam mais baratos enquanto vendas para fora do país se enfranquecem
Em meio ao atual cenário de crise que vive o país, o câmbio, um dos principais indicadores econômicos, vem chamando a atenção do mercado brasileiro. Depois de quase dois anos, o dólar comercial voltou ao patamar de 3,05 reais, uma desvalorização que já acumula queda de 10,55% nos últimos três meses.
A recente depreciação da moeda americana tem um efeito duplo para o país, de acordo com os especialistas consultados por VEJA. Ao mesmo tempo em que beneficia os consumidores com preços mais acessíveis sobre produtos importados e com viagens ao exterior, prejudica o setor industrial e empresas que dependem de exportações.
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, explica que, com o dólar desvalorizado, alimentos e remédios, por exemplo, ficam mais baratos para os consumidores. “Isso porque, com o dólar em queda, importamos esses produtos por preços melhores, o que aumenta a oferta doméstica. Esse fator, somado a uma inflação mais baixa e uma redução dos juros, faz com que as pessoas consigam sentir essa melhora no valor pago.”
Para o professor da FGV/EPGE, Antonio Porto, o dólar menor reduz os preços dos bens de consumo, como a gasolina e de transportes, que, em geral, ficam mais baratos. Algo, de acordo com ele, “positivo para população”.
“O câmbio em queda é uma vantagem para o consumidor, que passa a ter acesso a vinho francês”, brinca. O único problema, segundo Porto, é que de nada adianta o vinho baratear se a maior dificuldade hoje do brasileiro é o desemprego. Ou seja, em sua visão, de nada adianta o preço do produto cair, se ele não tem como pagar por esse vinho. “A inflação já está combatida, agora é cuidar do desemprego. O governo tem que reduzi-lo mais rápido.”
Reginaldo Galhardo, consultor de mercado da Associação Brasileira das Corretoras de Câmbio (Abracam), diz que já é possível ver, com os relatórios do Banco Central, que aumentaram os gastos de viagem de brasileiros no exterior, alta de 87,9% em janeiro.
Assim como o dólar comercial, o turismo também vem caindo na comparação com o real. Nos últimos três meses, a desvalorização já acumula queda de 10,27%. O movimento da moeda fez com que aumentassem as buscas por casas de câmbio aumentou em 25% e por pacotes de viagens ao exterior em 30% desde o final do ano passado.
“Parte dessa euforia, vem desse momento de volta de credibilidade. As reformas que estão começando a ser feitas estão tendo resultados. Sabemos que o mercado tem reagido justamente por isso”, diz o consultor da Abracam.
Para quem está se preparando para viajar para fora, a dica de Galhardo é analisar semanalmente a cotação da moeda. A Abracam observa que os consumidores têm comprado dólar meses antes de sua viagem por não acreditarem que a cotação possa ficar mais tempo no patamar atual. “Se não for atrapalhar seu orçamento, o melhor a se fazer é comprar agora. O ideal é não deixar a ‘batata assar’. Compre um pouco agora e um pouco depois.”
Indústria é setor mais impactado
Flavio Castello Branco, gerente de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que “uma das possíveis saídas da economia eram as exportações”. Com o dólar em queda, fica ameaçada essa estratégia, o que faz com que o setor industrial ressinta e fique bastante preocupado com a desvalorização da moeda americana.
“O que aconteceu em 2016 foi um processo de depreciação do real. Um pico que passou de 4 reais durante um momento de tensão, para um patamar de 3,40 reais Mas agora a queda do dólar está muito forte.”
Antonio Porto, da FGV/EPGE, conta que a indústria brasileira está “vendendo mal dentro do país” devido à fraca demanda. A solução, então, é vender para fora. “Se o dólar está entre 3,50 reais e 4,50 reais ainda vale a pena, se está valendo menos, perde um valor substancial, até 15% do que poderia ganhar.”
O professor acredita que o governo deve apoiar a exportação, no lado fiscal, e reduzir os juros. “Assim, é possível recompor a demanda doméstica, para a indústria brasileira focar aqui e atrair menos capital externo. Por isso, a reação do governo a esse fenômeno deve ser uma redução mais rápida dos juros.”
Castello Branco explica que o câmbio, quando desvalorizado, compensa a competitividade. Quando valoriza, esses problemas de competitividade “agonizam”.
Assim sendo, os olhos do setor ficam atentos a tudo, desde questões internacionais, que podem afetar os preços das commodities, às medidas adotadas pelo Banco Central, que vem apresentando política de ajuste na taxa básica de juros. “Se a taxa cair, ficará menos atrativo trazer dinheiro para cá.”
Para a situação mudar, é necessária uma política mais ativa do BC para estabilizar um pouco mais o câmbio. “É complicado porque aqui não tem um controle sobre o câmbio, como na China, que consegue fixar. A volatilidade é o acaba termina comprometendo a segurança e gerando incerteza.”
Na visão de Castello Branco, para se adequarem ao cenário atual, as indústrias têm de fazer “das tripas coração”, reduzindo custos e aumentando a produtividade. “Quanto mais se produz, mais se exporta, mais precisa de mão de obra.”