Restrição do teto de gastos provoca corrida por recursos para 2022
A disputa é cada vez mais complexa e pode provocar aumento de tributos
O teto de gastos, instituído no Brasil em 2016, foi criado como uma espécie de seguro contra maus políticos. Por meio desse mecanismo, fundamental para o equilíbrio das contas públicas, o governo é obrigado a respeitar um valor máximo para as despesas, anualmente corrigido pela inflação oficial. Às vésperas das eleições de 2022, o teto vai ser testado pela primeira vez em circunstâncias peculiares, a começar pela obstinação cega do presidente Jair Bolsonaro em se manter no cargo. A pouco mais de um ano da disputa eleitoral, vive-se uma corrida para caçar os poucos recursos disponíveis de uma maneira que não afronte o limite estabelecido. Com cerca de 90% do orçamento federal atrelado a obrigações definidas pela Constituição, como aposentadorias, benefícios sociais e os salários dos servidores, o espaço é exíguo. E, do pouco que resta, ministros e o próprio presidente querem um quinhão maior.
Na terça-feira 20, Bolsonaro reafirmou seu desejo de ampliar o valor médio do Bolsa Família, de 193 reais para 300 reais. Com o reajuste, o custo anual com o programa terá um acréscimo de cerca de 19 bilhões de reais e chegará a 53 bilhões de reais.“O novo Bolsa Família será o paraquedas de Bolsonaro para evitar a queda livre de sua popularidade”, diz Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas. O presidente também já acenou com um aumento de 5% dos salários do funcionalismo público para 2022, o que custaria mais 15 bilhões de reais. Juntas, as benesses presidenciais somariam 34 bilhões de reais de gastos extras.
Para custear essas medidas de caráter notoriamente populista, Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, contam com um artifício no cálculo do teto de gastos de 2022. Como o reajuste do limite é feito pela inflação anual medida em junho, já se sabe que o valor será corrigido em 8,35%. Agora, a equipe econômica confia que a inflação vai cair substancialmente nos próximos meses e chegar ao fim do ano a uma taxa bem inferior à do primeiro semestre. É esse índice que calibrará o salário mínimo e terá impacto direto em contas como as da Previdência. Em resumo: com o teto afixado em um patamar mais alto que o valor real das despesas, abre-se uma brecha para se gastar mais sem incorrer no risco de ultrapassar o limite legal. Trata-se, entretanto, de uma aposta arriscada.
Pelas contas feitas no começo do ano pela equipe de Guedes, a inflação atingiria o seu pico em junho e cairia significativamente até o fim do ano. Mas as pressões inflacionárias têm persistido e o governo já admite que o pico ainda não chegou. O preço da energia, do petróleo internacional e o dólar alto continuam instáveis. Além disso, a retomada da economia, com o avanço da vacinação, estimula a elevação dos preços dos serviços para os próximos meses. Dessa forma, o mercado aumentou pelas últimas quinze semanas a expectativa de inflação para o ano, agora para 6,31%. Resultado: o espaço adicional no teto pode minguar.
Um estudo do BTG Pactual do começo de julho, assinado pelo economista-chefe Mansueto Almeida, estima que o espaço extra para gastos, que era previsto em 31,1 bilhões de reais, já caiu para 23,4 bilhões de reais por causa da inflação alta. É um valor muito abaixo dos 34 bilhões de reais que Bolsonaro quer gastar. “A combinação de crescimento mais alto, em relação ao baixo nível de atividade do ano passado, com a inflação mais alta até provoca um alívio nas contas, mas não representa um cenário sustentável”, defende o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central. Além de Bolsonaro, ministros como Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, e Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, cobiçam dinheiro extra para os projetos de suas pastas, estimulados pelo próprio presidente. Até agora, Guedes tem mostrado certa boa vontade para a destinação de recursos, principalmente para a infraestrutura, mas reclama que as possibilidades são finitas ante aos queixumes dos colegas. Com tanto apetite, o governo acaba sempre tributando — ainda mais — cidadãos e empresas.
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748