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Quem não controla inflação, não se elege, diz Edmar Bacha

O economista, um dos mais renomados formuladores do Plano Real, avalia descontrole inflacionário e sugere “consórcio político” para viabilizar terceira via

Por Luana Zanobia Atualizado em 8 nov 2021, 18h21 - Publicado em 8 nov 2021, 12h40

O economista Edmar Bacha, um dos cabeças do Plano Real, que pôs fim a galopante hiperinflação no Brasil – na casa de 2.477% em 1993 – descreve que enfrentou a missão com um “saudável ceticismo” após os inúmeros fracassos anteriores. Funcionou, a ponto de o Brasil poder contar agora com quase três décadas de índices em terrenos razoáveis. Mas, embora a inflação hoje seja, segundo Bacha, um problema controlável, ‘a hiperinflação sempre pode voltar’. Para evitar isso, o próprio eleitoreiro da classe política pode ajudar. “Os políticos aprenderam que quem controla inflação se elege, e quem descontrola, como vimos com a Dilma (Rousseff) e o (Fernando) Collor, não se elege e ainda corre risco de ser ‘impichado’, diz Bacha em entrevista a VEJA.

Em seu novo livro “No País dos Contrastes”, do selo História Real, publicado pela editora Intrínseca, Bacha relata os bastidores da época e analisa o sucesso do Plano Real no controle da inflação, o que levou o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, a ser eleito presidente em 1995. O economista recorda que a hiperinflação foi descontrolada no Brasil por uma decisão política. Em 1968, o ministro da Fazenda, Delfim Netto, decidiu conviver com a inflação e ‘bateu pau na máquina’.  O milagre econômico gerou consequências extremamente danosas para a economia, a indexação levou a inflação da casa dos 20% para 200% ao final de seu mandato. O desastre político se repetiu na gestão Collor, em 1992, e em menor escala com Dilma, em 2016, e volta a se repetir agora. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 10,34% em doze meses até outubro, com projeções de encerrar o ano em 9,33%. A pressão deve se estender para o próximo ano, ficando no patamar de 4,63%, acima da meta de 3,5% do Banco Central.

Embora a alta dos preços vivida atualmente seja um reflexo da pandemia com impactos em todos os países, em menor ou maior grau, é unânime entre os especialistas que o Brasil ‘poderia estar melhor e com uma inflação passageira’ se o governo tivesse boa gestão de expectativas. Recentemente, o governo deteriorou o cenário fiscal e gerou maiores pressões inflacionárias ao promover o rompimento do teto dos gastos para bancar o Auxílio Brasil, um novo Bolsa Família turbinado.  “É muito perigoso brincar com inflação”, diz Bacha.

A criação do teto de gastos, em 2016, foi um dos principais instrumentos para o retorno da estabilidade dos preços após o governo Dilma, quando a inflação atingiu 10,67% ao ano. A atuação do Banco Central no período posterior, sob o comando de Ilan Goldfajn, com uma política de maior aperto monetário, também foi fundamental na época. O BC, agora, tem voltado a atuar fortemente no controle inflacionário com a elevação da taxa básica de juros, a Selic. Na última reunião, o seu Comitê de Política Monetária, o Copom, aumentou a Selic em 1,5 ponto percentual, levando a 7,75% ao ano e com expectativa de novas altas. A projeção do mercado é que a Selic termine este ano em 9,25%, e encerre o próximo em 10,25%.

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No Brasil, um dos únicos mecanismos para controlar a inflação é o aumento da taxa de juros, a Selic. Porém, o seu aumento também acarreta em um aumento da dívida pública. O Banco Central estima que, a cada 1 ponto de aumento da Selic, a dívida bruta suba em 0,38% do PIB, cerca de 31,8 bilhões de reais, em um ano. Se a Selic atingir o patamar de 10,25%, a dívida pode crescer 127 bilhões de reais. “O custo econômico de só contar com o Banco Central e não com a âncora fiscal, é enorme. Talvez, o Brasil não tenha uma inflação tão alta em 2022, mas por outro lado a economia vai estar muito mal”, diz Bacha.  Os principais bancos já trabalham com projeções baixistas para o crescimento econômico nos próximos anos, se estendendo até 2024, com possibilidade de uma recessão no meio do caminho. Para o ano que vem, o Itaú prevê um recuo de 0,5% do PIB.

Bacha avalia como “decepcionante” a atuação do ministro da Economia, Paulo Guedes. A sua agenda econômica gerou credibilidade e confiança para o governo, mas decepcionou por não tem cumprido metade do que prometeu. As reformas estão paralisadas e o robusto plano de privatização não aconteceu. Embora o mercado torcesse o nariz para a eleição de Bolsonaro, a nomeação de Guedes agradava por suas posições reformistas e por ser um ferrenho defensor do teto de gastos, mas agora ele reivindica posições contrárias para cumprir a agenda política. “O Guedes decidiu se aventurar com o Bolsonaro, achando que por Bolsonaro ser ignorante em economia, ele ia poder controlar a situação. Na verdade, como a gente aprende e espero que ele tenha aprendido, a política vem na frente. A economia é subsidiária da política”, comenta Bacha.

Segundo o economista, o Congresso tinha boas propostas que poderiam ser encabeçadas sem romper o teto de gastos. No ano passado, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou ao Congresso o Projeto de Lei n° 5343/2020, batizado de Lei de Responsabilidade Social. O projeto previa uma reformulação dos programas sociais do Brasil, incluindo o Bolsa Família. O custo total do programa seria de 46 bilhões de reais, que seriam viabilizados com os recursos que já eram previstos para o Bolsa Família, de 34,8 bilhões reais, mais 10 bilhões de reais das emendas parlamentares e 2,7 bilhões de reais dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal para assistência social. O Auxílio Brasil, novo programa de transferência de renda do governo Bolsonaro, aumenta o Bolsa Família de 178 reais para 400 reais, gerando um custo de 51,1 bilhões de reais aos cofres públicos. O programa estoura o teto de gastos e ainda está pendente de aprovações no Congresso que liberem espaço para a sua viabilização, como a PEC dos Precatórios e a Reforma do IR. “Estamos carentes de líderes. Esses líderes antigos como Lula e Bolsonaro apelam para um populismo que só faz desgraçar o país”, diz Bacha.

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Bacha sugere que, para viabilizar uma terceira via no país, seja realizado uma espécie de consócio político entre o Centro. O economista compara o sistema com o atual “consórcio de imprensa” para acompanhamento da pandemia e explica que esse consórcio promoveria uma série de debates entre os principais candidatos do Centro, que seriam acompanhados pela imprensa e pelos órgãos de pesquisa para avaliar qual deles têm mais ressonância popular e haveria compromisso desses candidatos entre o mais favorecido pela opinião pública para disputar as primárias. “Estamos em uma bifurcação, de um lado tem essa perspectiva atual que é Lula ou Bolsonaro e aí o Brasil afunda, ou com um ou com outro. Temos de começar a trabalhar para criar alternativa que possa oferecer perspectiva de futuro melhor”, aponta Bacha.

Livro

Membro da Academia Brasileira de Letras, Edmar Bacha reúne no livro lançado pelo selo História Real/editora Intrínseca uma série de relatos e histórias, que perpassam desde memórias da infância, juventude, até sua vida na esfera pública, como os bastidores do Plano Real.

Na obra, ele relembra a decisão arriscada ao desistir de engenharia para cursar economia. A profissão era pouco reconhecida, mas Bacha teve êxito e foi um dos poucos brasileiros que conseguiram realizar mestrado e doutorado em uma universidade dos Estados Unidos nos anos 1950. Além do legado com o Plano Real, integrou o quadro acadêmico de importantes universidades e carrega também o título de ex-presidente do IBGE e do BNDES.

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