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Por que a classe média será o grupo mais afetado pela reforma tributária

O governo envia ao Congresso parte de seu projeto com proposta que penalizará a parcela da população que já arca com a maioria dos impostos no país

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 13h50 - Publicado em 24 jul 2020, 06h00

Um dos planos mais importantes produzidos pelo governo para garantir a melhora do ambiente econômico do país e o crescimento de longo prazo veio à luz depois de longos e turbulentos dezoito meses de gestação. Na terça-feira, 21, o ministro da Economia, Paulo Guedes, finalmente entregou ao Congresso propostas que começaram a ser debatidas nos gabinetes do ministério desde a posse de Jair Bolsonaro como presidente. Quem esperava uma reforma ampla e abrangente teve de se contentar com uma versão modesta do plano, em que a principal novidade é a fusão de dois impostos quase idênticos, o PIS e a Cofins, em um novo tributo, a contribuição sobre bens e serviços (CBS). Idealizado por um grupo de especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e adotado pela equipe econômica, o projeto gerou, já na largada, reações adversas. Apesar de propor algo extremamente simples, que é a unificação dos dois tributos, a CBS vai ter impacto direto sobre o principal grupo social gerador de renda e impulsionador do crescimento econômico: a classe média.

A ideia é que o novo tributo eleve a atual alíquota do PIS e Cofins sobre serviços como educação, saúde, transportes, advocacia, telecomunicações, entre outros, de 3,5% para 12%. Tamanho reajuste, que pode ser fatal para várias empresas, deixou a impressão de que o governo optou por ir buscar os recursos que lhe faltam para cobrir as contas públicas justamente entre os contribuintes, empreendedores e companhias que já arcam com considerável peso tributário sobre suas costas. Não deixa de ser uma contradição para um governo eleito com o discurso de que iria empreender reformas para acabar com privilégios, desperdício de dinheiro público e a ineficiência do Estado. “O objetivo dessa reforma é claramente beneficiar a indústria, um setor que encolheu nos últimos anos”, diz o economista Raul Velloso, ex-secretário para Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. “É uma opção política.”

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Em sua visita ao parlamento, Guedes entregou o texto nas mãos dos dois presidentes do Legislativo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). O projeto começará sua tramitação pela Câmara, onde já corre outra proposta para a reforma, a PEC 45, um texto mais abrangente e que é mais brando com o setor de serviços, pois prevê uma diferenciação de alíquotas. O setor, antes crítico a essa proposta (a preferida de Maia), já não a vê com maus olhos. A expectativa era que na proposta do governo, os bancos passassem a contribuir de forma mais incisiva para o sistema de tributos do país. Mas o texto enviado por Guedes, em vez de elevar a taxação sobre serviços financeiros a níveis semelhantes aos de outras atividades essenciais, propôs um aumento porcentual bem mais sutil que o esperado. Com isso, os bancos, que pagavam 4,65% de PIS/Cofins, passariam a pagar 5,8%, ou seja, menos da metade do que pagarão escolas e hospitais.

Um dos formuladores da proposta, Ernesto Lozardo, ex-presidente do Ipea, explica que é preciso realizar uma equalização dos tributos cobrados da área de serviços. Um dos pontos levantados pelo economista é que o setor não sofre concorrência internacional, já a indústria passou anos sustentando arduamente a carga tributária do país sob severa concorrência externa, enquanto negócios como escolas, clínicas, barbearias, salões de beleza, restaurantes e outros serviços com menor valor agregado seguiam com alíquotas mais brandas. “Indústria e comércio sofrem com a feroz competição externa. Você não importa um barbeiro, mas sim equipamentos com um alternador de veículo, por exemplo”, explica Lozardo. A argumentação do economista tem fundamento, mas revela uma face nefasta do atual sistema que ainda está longe de ser equacionada pela equipe econômica. Para cobrir o rombo atual, optou-se pelo caminho mais fácil. Ineficiente, inchado e incapaz de oferecer saúde, educação, segurança e transporte de qualidade, o governo força as famílias a despender até 70% da renda com a compra de serviços privados. E como forma de custear a própria incompetência, volta-se justamente para a taxação mais pesada dessas atividades. Aproximadamente 18,5% dos estudantes do ensino básico e 75,3% do ensino superior do país estão matriculados em instituições privadas. O contingente, que representa mais de 15 milhões de pessoas, é em sua maior parte formado por membros das classes B e C — ou seja, são jovens e adultos que vêm de famílias com renda mensal entre 4 000 reais a 19 000 reais. Penalizar esse grupo com mais impostos pode comprometer o crescimento de renda e o desenvolvimento social de longo prazo. O próprio Lozardo afirma que o tamanho da alíquota proposta pelo governo é alta demais. “Os 12% do CBS são um exagero. O governo tem válvulas de escape para não precisar de alíquota tão alta”, diz.

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CONTRAPÉ - Colégio privado em São Paulo: o aumento da carga tributária sobre a educação deixará mais caro o ensino de qualidade.
CONTRAPÉ - Colégio privado em São Paulo: o aumento da carga tributária sobre a educação deixará mais caro o ensino de qualidade. (Jefferson Coppola/VEJA)

Entregue a primeira parte do projeto de reforma tributária, espera-se agora pela segunda, que promete ser ainda mais controversa. O projeto, previsto para agosto, deve conter novos tributos que compensem a desoneração da folha de pagamentos das empresas, além da revisão do imposto de renda. O governo quer implementar um imposto sobre transações financeiras, cobrado nos moldes da antiga CPMF, e uma taxação de dividendos, que recairia sobre os lucros distribuídos pelas empresas. Em contrapartida, existe a expectativa de que os novos impostos venham acompanhados da extinção de outros e de uma simplificação tributária.

No Congresso, há disposição para debater temas complexos com impacto no futuro do país. De acordo com levantamento feito pelo instituto de pesquisas Vetor, sob encomenda da corretora Necton, 61,6% dos parlamentares acreditam que será possível chegar a um consenso sobre a reforma tributária e aprová-la ainda neste ano. A questão agora é qual modelo será aprovado.
Infelizmente, o governo parece ter abandonado de vez a ideia de uma reforma administrativa, esta, sim, uma arma potente contra um setor altamente privilegiado: a inchada e ineficiente máquina pública. Trata-se de uma das maiores distorções do Estado brasileiro, mas que cresceu sobremaneira durante os catorze anos de administração petista. Reformar essa área poderia restabelecer a meritocracia no serviço público, diminuir a gordura e flexibilizar as atuais regras de estabilidade. E o principal: traria uma economia de pelo menos 400 bilhões de reais em dez anos. No entanto, o desinteresse do governo em desafiar interesses corporativistas entre os servidores tem mantido a proposta engavetada no Palácio do Planalto.

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No Legislativo, porém, há uma frente parlamentar interessada em debater o assunto nas duas Casas, com os senadores Kátia Abreu e Antonio Anastasia, de um lado, e o deputado Tiago Mitraud presidindo o grupo. “O Congresso tem capacidade de analisar as reformas tributária e administrativa ao mesmo tempo. Enquanto a Câmara avalia uma, o Senado avalia a outra”, diz Kátia Abreu. A boa vontade do Congresso é um sinal auspicioso de que o país pode, enfim, avançar numa legislação que desamarre investimentos e que gere mais empregos ao país. Mas o debate precisa ser equilibrado e corajoso. Fazer uma reforma tímida, injusta e pela metade, como rascunhou a equipe econômica do governo, não ajuda em nada.

Publicado em VEJA de 29 de julho de 2020, edição nº 2697

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