Plano de Guedes ao desmembrar superministério pode sair aquém do esperado
Ministro da Economia pretende manter seu controle e ganhar influência política, mas ainda é difícil saber se a estratégia dará certo
O poeta russo naturalizado americano Joseph Brodsky (1940-1996), laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1987, escreveu que a vida é “uma batalha não entre o ruim e o bom, mas entre o ruim e o pior”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, se encontrou precisamente nessa segunda posição de escolha nos últimos meses ao ver o seu superministério ameaçado de desmembramento, após uma progressiva perda de influência em ditar os rumos do governo de Jair Bolsonaro e aprovar suas pautas sem grandes alterações pelo Congresso. Com isso, ainda no início do ano, ao farejar os apuros de Guedes para passar o Orçamento, os congressistas da base aliada começaram a se articular para recriar — e ocupar — o Ministério do Planejamento ou o da Indústria e Comércio Exterior — duas das pastas aglutinadas na megaestrutura ministerial sob os auspícios de Guedes desde 2019.
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Foram meses de manobras, mas as mudanças finalmente vieram. Nos bastidores, o ministro tem dito a interlocutores que partiu dele a ideia de dar aos senadores apoiadores, na figura de Ciro Nogueira (PP-PI), a Casa Civil. Seria uma forma de alimentar os anseios do Centrão por mais participação no governo e, de quebra, ainda aplainar os ânimos no Senado, para que a agenda de reformas possa avançar. O problema é que não dá para manter os dedos sem perder alguns anéis. No final das contas, a solução encontrada pelo Posto Ipiranga foi realizar a cisão do antigo Ministério do Trabalho e Previdência de seu potentado administrativo e entregá-lo a Onyx Lorenzoni. Nos cálculos de Guedes, foi um mal menor. Lorenzoni pode não ser um especialista do assunto, mas tem como grande qualidade a lealdade ao governo (mesmo sem ter demonstrado até agora nenhuma habilidade para os cargos que vem ocupando). “Onyx não fez nada na Cidadania e na Casa Civil e agora vai assumir o Trabalho em um momento em que o desemprego está crescendo”, afirma a VEJA o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. “O único atributo para que siga no governo é o de ser leal.”
A intenção de Guedes é usar essa qualidade do colega para garantir que ele não atrapalhe, siga seus planos e mantenha as diretrizes e projetos que definiu com sua equipe. Ou seja: ele abriria mão de apenas uma parte do poder. Para isso, conta com o ocupante do segundo posto da pasta ressuscitada, o ex-secretário de Previdência e Trabalho Bruno Bianco, agora secretário-executivo do novo ministério. Apesar de Guedes crer na solução, pessoas próximas a Bianco não estão tão confiantes e acreditam que ele permaneça apenas o tempo necessário para realizar uma transição. A favor de sua estratégia, Guedes usa como exemplo sua alegada influência sobre João Roma, ministro da Cidadania, responsável pelos programas assistenciais, sempre submetidos à sua aprovação.
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É difícil saber se a estratégia dará certo. Em seu repertório, Guedes acumula pelo menos um tiro que saiu pela culatra. Ainda em 2019, ele tentou emplacar um outro político, o seu então secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, como chefe da Casa Civil. No fim, a articulação resultou na nomeação de Marinho para o Ministério do Desenvolvimento Regional. De imediato os dois se tornaram antagonistas na Esplanada, uma trivialidade que dura até hoje. Marinho atualmente é um ativo militante pelo aumento de gastos para investir em obras públicas, enquanto Guedes briga pelo oposto.
Assim como o chefe do Desenvolvimento Regional, Lorenzoni não é neófito. Trata-se de um fiel escudeiro de Bolsonaro — que, sabe-se, nem sempre é um entusiasta das políticas de Guedes, principalmente as mais austeras. Auxiliares de Bianco temem que o novo ministro do Trabalho queira caminhar com as próprias pernas ou dar vazão aos desejos mais eleitoreiros do presidente. Afinal, Lorenzoni precisará mostrar uma boa folha de serviços prestados se quiser sair como candidato às eleições de 2022.
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À boca pequena, Guedes também tem dito que espera reacoplar o Ministério do Trabalho aos seus domínios assim que Lorenzoni se lançar candidato. É uma conjectura complicada. Criada em 1930 por Getúlio Vargas, a pasta é objeto de desejo dos políticos por seu potencial populista. Em uma eventual saída de Lorenzoni, não faltarão candidatos para ocupá-la. “O presidente hoje é refém do insucesso do governo e terá dificuldade para desativar o ministério no ano que vem”, diz o presidente do PDT, Carlos Lupi, um ex-ministro do Trabalho. Com isso, o que é ruim para Guedes pode ficar pior.
Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749