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Paulo Guedes relativiza a ditadura, por ser “moldada aos objetivos”

Para ministro, a alternância de presidentes no período militar foi uma estrutura “relativamente sofisticada" e a ditadura foi "regime politicamente fechado"

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 14h31 - Publicado em 10 nov 2020, 12h25

Ao exercitar a retórica, o ministro da Economia, Paulo Guedes, cometeu, no mínimo, uma relativização perigosa. O ministro analisou o período da Ditadura Militar em evento da Controladoria-Geral da União sobre os desafios da desestatização. Ao falar sobre a formatação do Estado brasileiro, ele recorreu ao passado, dizendo que o regime militar foi estruturado a objetivos econômicos, deixando um legado de “infraestrutura moderna, taxa de crescimento importante”. Para isso, entretanto, o ministro colocou em dúvida se o período deveria ser considerado ditatorial, como se ele deixasse de ser autoritário por existir alternância de presidentes – ou se não existisse o conceito de juntas ditadoriais. “Era até relativamente sofisticado porque ao invés de ter um, houve um rodízio de presidentes. Ao contrário de alguns lugares onde a gente pode caracterizar claramente como um regime ditatorial, aqui o Congresso ficou funcionando, operando, houve uma eleição indireta inclusive”, derrapou Guedes. “Eu acho que é justo dizer que era um regime politicamente fechado.”

A fala do ministro visava justificar a necessidade de dar vazão à agenda de privatizações do governo. Guedes divagava sobre a estrutura histórica do Estado e fez um aceno à ala militar do governo para a manutenção de sua agenda. Desde o início da pandemia, o grupo oriundo da caserna na Esplanada dos Ministérios vem flertando com medidas desenvolvimentistas, como o investimento em obras de infraestrutura (como fazia-se durante a Ditadura) para fomentar a economia. O posicionamento de Guedes em sua exposição na Controladoria-Geral da União provocou críticas entre economistas. “A ditadura foi responsável pela instalação, sim, de projetos de infraestrutura, mas a que custo? A política econômica da época foi responsável pela chamada década perdida e a hiperinflação, da dívida externa, da concentração de renda. Um desastre”, diz Elena Landau, ex-diretora de Privatização do Banco Nacional do Desenvolvimento, o BNDES.

Em seu discurso, o ministro recorreu à pouca idade para resumir suas impressões do que se viveu no país na época do regime militar. “Era um período de Guerra Fria e eu era jovem o suficiente para não ter preferência, nem escolha, nem percepção do que estava acontecendo. Eu tinha 13 anos de idade quando houve a instalação do regime militar e, refletindo retrospectivamente você tem que entender o que aconteceu e fica essa estrutura de Estado que foi moldada em semelhança aos objetivos”, afirmou o ministro.

Egresso da Escola de Chicago, referência liberal mundo afora, o ministro peca ao relativizar qualquer cerceamento de liberdade. Depois de uma visita ao Chile do ditador Augusto Pinochet (1915-2006), o expoente da Escola Austríaca Friedrich Hayek (1899-1992) defendeu o regime autoritário dizendo que a democracia deve ser considerada como um meio, não como um fim em si mesmo. “Eu não fui capaz de encontrar uma única pessoa, mesmo no tão caluniado Chile, que não concordou que a liberdade pessoal estava muito maior sob Pinochet do que sob [Salvador] Allende”, dissertou ao jornal The Times. Mas, mesmo que os austríacos defendessem ideias econômicas caras a pensadores de outros ramos da direita, é preciso lembrar que os valores do liberalismo se estendem muito além das diretrizes econômicas, mas, sim, a uma defesa irrestrita das liberdades individuais. “No final de contas, o valor de um Estado é o valor dos indivíduos que o compõem”, já ensinava, certa vez, o expoente liberal inglês John Stuart Mill (1806-1873).

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