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Os próximos desafios do arcabouço depois da primeira vitória na Câmara

Em teste de força, novo marco fiscal ganha, com folga, regime de urgência na Casa. Sua aprovação e viabilidade serão essenciais para governo e mercado

Por Pedro Gil, Larissa Quintino 21 Maio 2023, 08h00

Primeiro, veio o cessar do fogo amigo. Logo no começo da última semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, só confirmou presença em reunião da Executiva do PT para tratar do arcabouço fiscal se tivesse a garantia de Luiz Inácio Lula da Silva que o texto negociado com a Câmara seria apoiado pelo partido. O presidente mandou avisar que quem votasse contra a nova regra preparada para substituir o teto de gastos sofreria sanções.

Depois, por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu aval à nova versão do texto, por meio de mudanças feitas por seu aliado Cláudio Cajado (PP-BA). Então, o governo aderiu à proposta negociada. “Temos de reconhecer que o arcabouço foi aperfeiçoado. Isso só aconteceu porque, para haver diálogo, é preciso boa vontade das duas partes”, disse a ministra do Planejamento, Simone Tebet. E, assim, ficou acertado que haveria, na quarta-feira à tarde, uma votação para o projeto receber regime de urgência na Câmara. “Foi também uma forma de testar a capacidade do governo em aprovar a matéria”, afirma o economista Marcos Mendes, ex-assessor especial do Ministério da Fazenda. “O governo precisa aprovar o arcabouço para não voltar ao teto de gastos, e precisar baixar as despesas anuais na ordem de 200 bilhões de reais.”

Para garantir um placar largo, Had­dad, participou, durante a manhã, de uma sessão de quatro horas e meia da Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara, defendendo o texto, e o vice-­presidente Geraldo Alckmin ajudou na interlocução com os congressistas. Após a sessão com os deputados, o ministro da Fazenda estimou que a urgência seria aprovada recebendo de 300 a 350 votos favoráveis. A vitória, no entanto, acabou sendo muito maior, com o placar de 367 a 102. Apenas os polos mais opostos votaram contra — o PSOL, querendo regras menos duras, e o PL e o Novo, defensores de mais rigidez. A votação do texto da Câmara deve acontecer na próxima semana.

ALÍVIO IMEDIATO - O ministro Haddad: vitória tripla, no Congresso, junto ao Judiciário e investidores
ALÍVIO IMEDIATO – O ministro Haddad: vitória tripla, no Congresso, junto ao Judiciário e investidores (Lula Marques/Agência Brasil)

A aprovação do novo marco fiscal poderá dar fim a um período de incertezas para o mercado financeiro. Até aqui, em razão de frases desencontradas e tentativas de revisão de privatizações, havia uma dúvida se o governo Lula aceitaria restrições a seus gastos, uma necessidade para garantir uma maior estabilidade econômica e novos investimentos. Ao optar pelo caminho correto, o próprio Haddad sofreu diversos torpedos de dentro do partido e do próprio Palácio do Planalto. No fim das contas, o resultado foi bom. As modificações na Câmara ainda trouxeram algumas melhorias, a exemplo da inclusão de gatilhos no caso de descumprimento das metas fiscais estabelecidas, como a proibição da criação de cargos, despesas obrigatórias ou ampliar incentivos.

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Se, do seu lado, o governo não conseguiu proteger o aumento real do Bolsa Família desses gatilhos, ele colheu outras vitórias. O reajuste do salário mínimo foi excluído das punições. “O texto melhorou substancialmente os mecanismos de ajuste no caso de rompimento da regra, para obrigar contenção explícita de gastos”, defende Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Rena e ex-secretário da Fazenda de São Paulo.

Algo que segue inalterado é a necessidade de crescimento da arrecadação para viabilizar a nova âncora fiscal: entre 110 bilhões e 150 bilhões de reais, para zerar o déficit público em 2024. Haddad vem prometendo, desde que apresentou o seu modelo, que o objetivo seria alcançado por meio de medidas como a regularização de apostas on-line, a taxação de e-commerces e a derrubada de isenções e benefícios tributários setoriais. Para grande parte dos economistas ortodoxos, isso pareceu otimista demais frente a um rombo tão grande e que cancelar benefícios seria algo de difícil aprovação no Congresso. Mas poucos contavam com uma súbita — e muito bem-vinda para o governo — ajudinha do Judiciário.

arte fiscal

Em poucas semanas, decisões recentes das cortes superiores do país prometem, nas contas do ministério, um reforço de 128,8 bilhões de reais para o caixa. A mais relevante delas foi a proibição, decidida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de empresas com incentivos fiscais concedidos por estados, via ICMS, poderem abater esse crédito da base de cálculo de impostos federais. Estimativas da equipe econômica falam em incremento de até 90 bilhões de reais na arrecadação — 60% do valor necessário para garantir o respeito à nova regra fiscal. O mercado é menos otimista e calcula a arrecadação adicional entre 20 bilhões e 40 bilhões de reais. De qualquer forma, ela não foi a única decisão favorável. Outro entendimento, por exemplo, deve trazer 33 bilhões de reais com a reinclusão do ICMS nas contas de energia elétrica (veja o quadro). Além disso, possíveis perdas foram evitadas, como a demanda da União por pagamentos de tributos de empresas que seguem o regime do lucro presumido.

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Apesar das vitórias judiciais da equipe econômica, o ponto fulcral para o sucesso desse governo é apresentar uma política econômica consistente, se comprometendo a cortar gastos. “Estratégia claramente definida e coordenada junto com o Poder Judiciário é uma tristeza”, critica Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal. Também traz o risco de impactos se ocorrerem mudanças repentinas de entendimentos, uma vez que a Justiça brasileira é pródiga em pregar surpresas e simplesmente adotar um novo entendimento sobre o mesmo assunto. “Decisões judiciais são tomadas no clima do tempo em que são produzidas”, diz o ex-ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho. “A pauta tributária deveria ficar a cargo do Executivo e Legislativo, e sem protagonismo do Judiciário. Juízes não são eleitos.”

Nada disso, no entanto, é capaz de fazer o time de Haddad — merecidamente — deixar de comemorar conquistas tão relevantes. Até mesmo o Fundo Verde, do reconhecido gestor Luis Stuhlberger, revelou, em sua última carta mensal, que interrompeu, durante abril, sua aposta na valorização do dólar frente ao real. Um mês antes, ele defendia, em tom pessimista, a moeda americana como proteção às más perspectivas econômicas. “O Brasil teve sinais positivos em relação às receitas fiscais, com o governo obtendo substantiva vitória no STJ”, escreveu na última nota. “Parece aumentar a probabilidade de que as metas fiscais de 2023 e 2024 sejam cumpridas.” A vitória de Haddad com o seu arcabouço pode ser tripla, no Congresso, no Judiciário e junto aos maiores investidores.

Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842

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