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Os novos — e lucrativos — voos da Embraer

Com o carro elétrico voador e o desenvolvimento de fragatas para a Marinha, companhia volta a operar no azul e ganha musculatura contra concorrentes

Por Tiago Cordeiro
Atualizado em 3 jun 2024, 16h39 - Publicado em 31 Maio 2024, 06h00

No mundo dos aviões de grande porte, a crise recente da americana Boeing, que precisou reduzir o ritmo de produção diante de graves problemas apresentados por algumas de suas aeronaves, consolidou a posição de liderança da europeia Airbus. No horizonte dos dois gigantes da aviação, não há outros concorrentes à vista. Mas essa situação pode mudar. De acordo com uma reportagem do diário americano The Wall Street Journal, a Embraer teria planos para desenvolver uma nova geração de aeronaves de fuselagem estreita, um mercado há anos dominado pelo duopólio Airbus-­Boeing. A empresa brasileira já estaria sondando potenciais parceiros, entre investidores e fornecedores. Seria um novo estágio na relação da Embraer com a Boeing, que se tornou conturbada desde que, há quatro anos, a companhia americana decidiu encerrar, de forma unilateral, um acordo que previa a constituição de uma sociedade com a Embraer.

Terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo, a companhia brasileira de 55 anos de história se recuperou do baque. “Continuamos investindo em eficiência e inovação para preparar a empresa para o futuro, e estamos prontos para entregar um 2024 muito bom na comparação com 2023”, afirma Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer.

arte Embraer

Especialistas que acompanham o setor compartilham dessa visão otimista. “O momento da Embraer é excelente. É uma empresa que renasceu das cinzas”, diz Alberto Valério, analista do setor de transportes e infraestrutura e diretor na América Latina do banco de investimento UBS. “Quando do encerramento do contrato com a Boeing, a capacidade da empresa foi questionada. Pois a Embraer sobreviveu e hoje o avião executivo mais utilizado nos Estados Unidos é brasileiro.” Ele se refere ao fato de que, no ano passado, o Phenom 300, jato brasileiro para até nove passageiros, destronou o Cessna Citation Excel, da própria fabricante americana Cessna, que vinha ocupando o topo dos mais utilizados naquele país por quinze anos consecutivos.

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Oficialmente, a Embraer nega que tenha planos imediatos de encarar os líderes globais no mercado de jatos de grande porte. Mas confirma que teria, sim, musculatura para isso. “A Embraer certamente tem capacidade para desenvolver uma nova aeronave de corredor único. No entanto, a companhia tem hoje uma linha de produtos nova e de muito sucesso desenvolvida nos últimos anos, e estamos focados na comercialização dessas aeronaves para fazer a companhia crescer e se fortalecer”, comunicou a empresa em nota.

Técnico da Embraer na montagem de uma aeronave: aos 55 anos, a empresa tem um quadro composto de 4 000 engenheiros
Técnico da Embraer na montagem de uma aeronave: aos 55 anos, a empresa tem um quadro composto de 4 000 engenheiros (Embraer/.)

A companhia, de fato, tem hoje uma situação confortável. “A Embraer divulgou um guidance (projeção) sólido para o ano de 2024, prevendo uma expansão importante na entrega de aeronaves, no faturamento e na geração de caixa. Além disso, tem seus slots de produção preenchidos até 2026, com capacidade disponível a partir desse ponto”, afirma Chrystian Matias, analista da Levante Inside Corp, casa especializada em análise de investimentos. No segmento de defesa, o cargueiro C-390 se mostra comercialmente competitivo, enquanto o E175, líder de vendas no segmento nos Estados Unidos, mantém a supremacia no mercado de aviação regional. No mercado civil, a Embraer capitaliza o sucesso do E195-E2, que tem capacidade para até 146 passageiros e é o maior jato comercial já desenvolvido pela empresa.

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Mais ainda: a Embraer vem se consolidando como uma empresa não apenas de aviação, mas de engenharia de sistemas complexos, utilizados na terra, no ar, no mar e até mesmo no espaço, com o nanossatélite VCUB1, desenvolvido em associação com a Telebras, que resultou na criação da Visiona Tecnologia Espacial. Aliás, a companhia emprega mais de 4 000 engenheiros, entre seus mais de 19 000 funcionários, um número que segue em alta.

Nos últimos tempos, a Embraer, que prevê investir 2 bilhões de reais e gerar mais 900 empregos diretos no Brasil em 2024, tem dominado o noticiário com a Eve, empresa do grupo, listada na Bolsa de Valores de Nova York, que vem desenvolvendo o eVTOL (electric vertical take-off and landing), um carro elétrico voador, com produção em Taubaté, no interior de São Paulo. A previsão é de que a aeronave realize o primeiro ensaio de voo ainda em 2024 — com início das entregas em 2026.

No mar: a Águas Azuis, sociedade em que a Embraer tem 30%, constrói fragatas para a Marinha brasileira em Itajaí (SC)
No mar: a Águas Azuis, sociedade em que a Embraer tem 30%, constrói fragatas para a Marinha brasileira em Itajaí (SC) (Fotos Marinha do Brasil/.)

A Embraer também participa de um dos mais importantes projetos da Marinha brasileira: as fragatas da classe Tamandaré. Construídas num estaleiro em Itajaí (SC), essas embarcações terão comprimento de 107 metros, largura máxima de 16 metros e autonomia de 9 260 quilômetros em velocidade de cruzeiro. Cada navio poderá transportar 130 militares e até 3 380 toneladas de carga. “É o mais inovador projeto naval já desenvolvido no Brasil”, afirma Paulo Alvarenga, presidente da alemã Thyssen­krupp para a América do Sul, que é sócia da Embraer no empreendimento de construção naval.

A primeira fragata da nova classe, a Tamandaré F200, deve ser lançada em meados de 2024, com previsão de entrega para 2025. Ao todo, serão construídas quatro embarcações, com previsão de entrega final até 2029. O objetivo da Marinha é utilizá-­las na patrulha do litoral brasileiro, melhorando a capacidade de proteção das principais atividades econômicas realizadas nas águas jurisdicionais do país, como a pesca e a exploração de petróleo.

A iniciativa é conduzida pela Águas Azuis, uma sociedade de propósito específico estabelecida entre a Thyssenkrupp Marine Systems (dona de 70% do negócio), a Embraer Defesa & Segurança e a Atech, outra empresa do grupo Embraer, que tem avançado também nos mercados de controle de tráfego aéreo urbano e em soluções para o agronegócio. A primeira empresa fornece a tecnologia naval alemã, a segunda é responsável por integrar sensores e armamentos ao sistema de combate e a terceira zela pelo desenvolvimento do sistema de gerenciamento de combate. “A aliança entre a Thyssenkrupp Marine Systems e a Embraer Defesa & Segurança também permitirá criar bases para a exportação de produtos de defesa naval a partir do Brasil”, diz Alvarenga.

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Campeão: o E195-E2, com capacidade para 146 passageiros, é o maior jato comercial já desenvolvido pela Embraer
Campeão: o E195-E2, com capacidade para 146 passageiros, é o maior jato comercial já desenvolvido pela Embraer (Embraer/.)

Na frente da mobilidade urbana, a Embraer avança a passos largos na implementação de seu carro voador elétrico. Ele vai comportar quatro pessoas mais o piloto (com perspectiva de, no futuro, voar de forma autônoma). Como indica a sigla eVTOL, será um veículo elétrico de decolagem e pouso na vertical. Mais do que um aparelho novo, ele tem o potencial de criar um novo mercado.

O carro voador começou a ser desenhado na Embraer X, o braço de inovação da companhia. O protótipo se mostrou tão promissor que foi criada uma subsidiária, a Eve, exclusivamente para levar adiante o desenvolvimento, com o suporte de uma parceria com a japonesa Nidec, a maior fabricante de motores elétricos do mundo. O modelo se propõe a ser silencioso e com baixa autonomia, o suficiente, por exemplo, para levar quatro pessoas da Avenida Faria Lima para Alphaville ou para o aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.

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A Eve já recebeu cartas de intenção de compra de quase 3 000 eVTOLs. No Brasil, são 335 veículos já contratados. “Será um táxi-aéreo capaz de operar em altitudes que não interferem nos helicópteros, com autonomia esperada para cerca de 100 quilômetros e capacidade de operar no ar por aproximadamente vinte minutos, a até 200 metros de altitude, voando a até 200 quilômetros por hora na horizontal”, descreve Fernando Martini Catalano, professor do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Universidade de São Paulo.

Cargueiro C-390: concebido pela Embraer Defesa & Segurança, o avião militar tem obtido sucesso comercial
Cargueiro C-390: concebido pela Embraer Defesa & Segurança, o avião militar tem obtido sucesso comercial (Bob Fonseca/Embraer/.)

Em paralelo com o desenvolvimento do veículo, a Embraer trabalha com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que recentemente divulgou para consulta pública os critérios de aeronavegabilidade do eVTOL. A consulta permaneceu aberta até o fim de março e recebeu cerca de 250 contribuições. “Trata-se de um equipamento totalmente novo, que vai criar um subsetor inédito. Não temos regras publicadas para ele”, diz Roberto Honorato, superintendente de aeronavegabilidade da Anac.

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A Embraer também tem projetos em outras frentes, como a de uma aviação menos poluente. Por enquanto, desenvolver aviões de porte exclusivamente elétricos é tecnologicamente inviável, mas entre as verticais de inovação em que a empresa aposta se incluem combinações de eletrificação, hidrogênio e combustível sustentável de aviação, o SAF.

Quanto ao desempenho do negócio, a Embraer mostra bons números. Em 2023, a empresa entregou 181 jatos, 13% a mais que em 2022. A receita de 5,2 bilhões de dólares superou em 16% a do ano anterior. O lucro somou 164 milhões de dólares, ante um prejuízo de 185 milhões em 2022. E os números positivos devem prosseguir em 2024. “A Embraer fez a lição de casa após a crise, recuperou a performance financeira e conta hoje com produtos modernos e competitivos”, afirma o CEO, Francisco Gomes Neto. A previsão para este ano é faturar entre 6 bilhões e 6,4 bilhões de dólares. No primeiro trimestre, a receita foi de 897 milhões de dólares, 25% a mais ante o mesmo período de 2023, com a aviação executiva alcançando o maior valor de vendas e o maior número de entregas para um primeiro trimestre nos últimos oito anos.

“O setor está sofrendo com a escassez de componentes e problemas logísticos, o que vem afetando o desempenho das concorrentes da Embraer. E mesmo nesse cenário difícil a companhia está conseguindo ter uma boa performance”, avalia Júlio Borba, analista de ações da casa de análise Benndorf Research. A perspectiva para a Embraer, portanto, é de alçar voos cada vez mais altos, expandindo seus horizontes para novos ares e mares. “Com sua posição atual de maior vendedora de aviões de pequeno porte e sua ótima gestão, a empresa conseguiu evitar os problemas de logística e de fornecimento enfrentados pelas concorrentes”, diz Borba. “Isso a coloca como forte candidata para aumentar as receitas em razão da maior demanda por esses produtos com o aumento de voos regionais.” E no futuro, acredita-se, poderá competir de igual para igual com os dois gigantes da aviação global.

Publicado em VEJA, maio de 2024, edição VEJA Negócios nº 2

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