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Os fatores externos que ajudam Bolsonaro, e pelos quais ele clama crédito

Demanda reprimida pós-pandemia, alta das commodities e atuação do Banco Central explicam a melhora nos índices econômicos

Por Luana Zanobia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 set 2022, 20h14 - Publicado em 29 set 2022, 16h35

Há pouco mais de dois meses, as projeções para a economia melhoraram, algo que passou a ser um fato novo para a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL), numa reviravolta em relação ao cenário mais conturbado que enfrentava anteriormente. Em grande parte das mudanças, a melhora, no entanto, está muito mais atrelada a fatores externos e a medidas adotadas pelo Banco Central, que ganhou autonomia em 2019 para conduzir a política monetária do país, e estão descoladas de ações do governo.

Mas, para uma campanha eleitoral isso pouco importa. Ou mesmo para governos defenderem as suas gestões. Não seria diferente no caso de Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, que têm aproveitado as oportunidades para ressaltar, em discursos públicos, os dados do PIB. Por exemplo, o Brasil cresceu 4,6% em 2021 após registrar uma queda de 3,9% em 2020, ano da eclosão da pandemia, e, agora, as projeções são de 2,67% para este ano. Ou seja, muito deste crescimento é simplesmente um reflexo da demanda reprimida durante a crise sanitária, após a economia começar a sentir os efeitos da flexibilização da atividade em 2021 e da total abertura econômica em 2022, possíveis graças à ampla vacinação da população. A própria vacinação em massa, que, inclusive, era duramente criticada por Bolsonaro, tem, de fato, sido fundamental na sustentação dos dados recentes do PIB.

Segundo a agência de análises Austin Rating, no acumulado desde o primeiro trimestre de 2020 ao fim do segundo trimestre de 2022, o PIB brasileiro cresceu parcos 2,9%. É um desempenho nada vistoso, e abaixo do acumulado de 2,9% do G7, de 3,6% da União Europeia, de 4,7% dos países da OCDE, e de 6,8% dos Bric. Se o governo brasileiro comemora com razão o bom resultado do primeiro semestre deste ano em comparação com o restante do mundo, a análise de mais longo prazo durante toda a pandemia mostra que o crescimento do país deixa a desejar. Além disso, muitos economistas reforçam que o PIB ainda não demonstra um crescimento real consistente, pois apenas recompõe a perda de 2020, o maior tombo em 24 anos, e estaria apenas voltando ao fraco ritmo anterior. “Analisando a última década, entre 2012 e 2021, o desempenho do Brasil é vergonhoso. Pois, como país emergente, deveria crescer mais que os desenvolvidos”, comenta Alex Agostini, economista-chefe da Austin.

O pós-pandemia, no entanto, deve continuar gerando benefícios para a economia, inclusive com reflexos da taxa de juros praticada na época, que chegou ao menor patamar histórico de 2%, estimulando investimentos das empresas e o maior consumo da população. Costuma-se dizer que o impacto maior de uma taxa de juros acontece cerca de um ano e meio depois de ela ser estabelecida. Então, hoje, colhemos os juros menores do passado, e em 2023 veremos os efeitos da Selic ter subido para os atuais 13,75%.

O Brasil teve a favor ainda o boom das commodities, dos últimos meses, que alcançaram preços exorbitantes com a retomada econômica global e eclosão da guerra no Leste Europeu, algo que favoreceu a balança comercial brasileira. Além do minério de ferro, o Brasil é grande produtor e exportador de alimentos (grãos e carnes), grupo que, se por um lado, pressionou a inflação no país, por outro, tem sido um dos grandes impulsionadores do PIB. O Índice de Commodities Brasil (IC-Br), que mede a evolução do preço das commodities, acumula alta de 17,7% até agosto. “A guerra gerou um deslocamento da demanda externa por produtos brasileiros. Isso junto com a escalada dos preços das commodities beneficiou bastante o Brasil”, diz Tatiana Pinheiro, economista-chefe da gestora Galapagos Capital.

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O maior risco para o momento atual é uma desaceleração global, capaz de minar esse bom desempenho, frustrando a expectativa de bater o recorde de 61,2 bilhões de dólares da balança comercial do ano passado. No início de 2022, a projeção do Ministério da Economia era de um saldo de 111,6 bilhões de dólares, mas em junho o número já tinha baixado para 81,5 bilhões de dólares.

Na terça-feira, 27, o Paulo Guedes aproveitou para destacar o crescimento do Brasil, fazendo uma comparação bastante controversa. “Pode ser que, pela primeira vez em 42 anos, o Brasil cresça mais do que a China”, disse. O gigante asiático realmente vem desacelerando, mas isso é uma péssima notícia para o Brasil, que tem sua pauta exportadora extremamente dependente do país. A China hoje é o principal parceiro comercial do Brasil. Uma puxada de freio trará impactos diretos para o PIB nacional. Se a China sofrer, o crescimento brasileiro deve ir junto.

Inflação

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Os estímulos fiscais – com um Auxílio Brasil turbinado de 600 reais e a liberação de outros benefícios – injetados pelo governo Bolsonaro às vésperas da eleição também estão sustentando as projeções otimistas do PIB, mas não devem perdurar contribuindo por muito tempo. “Diferentemente da política monetária, a política fiscal tem efeito imediato. O impacto dos juros altos vai começar a refletir mais agora no segundo semestre e no próximo ano. Então, na margem esse auxílio não vai fazer as pessoas consumirem mais. O Brasil vai precisar de algum motor, principalmente agora com cenário externo mais desafiador”, diz Roberto Dumas, estrategista-chefe do banco de investimentos Voiter.

Além disso, é importante ressaltar que as medidas acabaram aumentando os riscos ficais, tendo causado o estouro do teto de gastos, um importante instrumento criado para limitar as despesas públicas e controlar a inflação. O estímulo criado pelo governo Bolsonaro, durante o período eleitoral, pode gerar um rombo de 430 bilhões de reais nas contas públicas, segundo o Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), o que pode comprometer 4,2% do PIB. Isso significa que o governo está renunciando uma fatia do PIB para tentar conseguir alguma vantagem na disputa eleitoral, empurrando a bomba fiscal para os próximos anos.

O risco fiscal não é só danoso para o crescimento devido à perda de capacidade de atrair investidores, mas também afeta a inflação, um dos focos da campanha de Bolsonaro nos últimos meses após o arrefecimento dos preços. O controle da inflação é uma tarefa do Banco Central, que ganhou autonomia em 2019 para conduzir a política monetária do país, sem interferências ou decisões políticas do governo. Como citado acima, estima-se um período de nove a um ano e meio para que os efeitos da política monetária sejam sentidos na economia. Embora o BC tenha começado a elevar os juros em março de 2021, a taxa de juros real, descontada a inflação, passou para o lado contracionista somente em outubro do ano passado. Assim, os efeitos coincidiram com a medida de redução dos impostos (ICMS) sobre os combustíveis, aprovada em junho, uma vitória política do governo no Congresso.

Em parte, o arrefecimento dos preços é visto como um reflexo da precisão da autoridade monetária em elevar os juros em tempo hábil. “O Banco Central brasileiro foi um dos primeiros do mundo a elevar os juros para combater os preços. A inflação poderia estar muito mais alta se não fosse atuação do BC”, diz Pinheiro. A queda dos preços do petróleo no mercado internacional – com o barril abaixo dos 100 dólares – também ajudou a aliviar os preços, que estavam contaminados pelos combustíveis, item que gerou uma crise entre o governo e a Petrobras. Por isso, inclusive, o governo encabeçou a redução do ICMS cobrado em combustíveis e energia elétrica. A medida, apesar de aliviar os preços, pode ser encarada como uma medida temporária e eleitoreira, articulada há poucos meses da eleição, para aumentar a popularidade de Jair Bolsonaro. Segundo o economista Adriano Pires, que foi indicado para assumir a presidência da Petrobras, o governo “deu sorte, pois a medida do ICMS isolada não seria suficiente para aliviar os preços”.

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Se nos últimos meses o governo teve essa boa dose de sorte advinda de diversos fatores externos, para o próximo ano, pairam muitas dúvidas e incertezas. A aproximação de uma recessão global está derrubando os mercados. As commodities estão caindo, os principais parceiros comerciais estão desacelerando, e o dólar vem se fortalecendo agudamente, o que coloca em xeque o pequeno avanço conquistado, não apenas por Bolsonaro e Guedes, mas em especial pelas condições mais afortunadas para o Brasil. Se no passado o governo tinha razão em reclamar das condições adversas que enfrentou, alheias a ele, como a pandemia, agora pode comemorar. Mas, ao que tudo indica, a sorte pode logo virar azar, para a nova gestão, seja quem estiver no comando.

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