‘O turismo sumiu, o turista não’, diz CEO da CVC
O coronavírus paralisou as operações, mas o desejo de viajar continua latente e será o motor para a retomada
Não faltam estudos para mostrar que o setor de turismo em todo o mundo é o mais afetado pela crise atual, causada pelo coronavírus. Esse agente externo, invisível, tem se mostrado um viajante implacável, e assim transformou os planos de turistas em sonhos não realizados. Mas a crise vai passar, com certeza. E o setor vai voltar ao normal, talvez diferente e em fases, mas voltará. Antes de falar em retomada, entretanto, é preciso entender o que realmente é o turismo e o que ele representa. Segundo dados do World Travel & Tourism Council (WTTC), o setor gera um em cada dez empregos (330 milhões de vagas) em todo o planeta e 10,3% do PIB global — esse dado, é, em média, 1,5 vez maior do que o da mineração, dos bancos, da indústria automobilística e da agricultura. Ou seja, o turismo é um dos maiores setores econômicos globais e vinha em franca expansão, com crescimento de 3,5% em 2019, o nono ano consecutivo superando o desenvolvimento da economia global. Toda essa movimentação financeira só é possível pelo vai e vem de turistas. No Brasil, o turismo doméstico — em especial — seguia em alta na preferência e no hábito do viajante antes da pandemia: foram 97,1 milhões de passageiros viajando pelo país em 2019 — 2 milhões a mais que o registrado em 2018, considerando apenas o número de desembarques nacionais nos aeroportos, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Sem falar nos deslocamentos dos brasileiros de carro e de ônibus. E é essa força que deve traçar o caminho para a retomada do setor por aqui.
Quando o brasileiro viaja, ele gasta. Em um ranking da WTTC, o país é o quinto no mundo onde os gastos com viagens e turismo têm o maior impacto no PIB nacional, atrás de Arábia Saudita, Indonésia, China e Turquia. A força do turismo doméstico brasileiro, que representa 94% do volume de viagens, traz impactos diretos para alimentação, hospedagem, entretenimento, lazer, transportes e outros serviços relacionados — e também indiretos para os setores de serviços financeiros, serviços sanitários, fornecedores de móveis e equipamentos, segurança, transporte, construção naval, indústria de aviação, indústria automobilística para aluguel de carros, entre outros. Os indicadores acima são impressionantes e de suma importância para a economia mundial e brasileira, mas ainda assim não traduzem o que o setor, de fato, significa. É necessário ver também que viajar faz bem demais e está entre os maiores sonhos de vida das pessoas, figurando sempre com as melhores recordações e desejos, em qualquer faixa etária. Esse é um anseio comum a todas as gerações: baby boomers, millennials, geração Y, X, ou as que ainda estão por vir. Por causa da pandemia, a demanda do turismo sumiu, mas o turista não. E ele reconduzirá o setor aos seus melhores momentos — e além.
Essa retomada terá fases e pontos de atenção. Há consenso de que alguns comportamentos mudam, principalmente os relacionados à segurança sanitária, pelo menos enquanto não houver total imunização da população por vacinação. E por isso toda a indústria está se preparando. As companhias de transporte, começando pelas aéreas, estão avançadas em protocolos sanitários e na higienização. Vale ressaltar que os aviões, muito mais do que se pensa, possuem altos índices de qualidade e limpeza do ar. Pode-se afirmar até que tais padrões são melhores do que os da maioria dos ambientes que frequentamos habitualmente. Novas medidas de segurança já foram revistas e implantadas para dar tranquilidade aos passageiros. Isso tudo em acréscimo aos já respeitáveis padrões de segurança do setor.
“Cuidar passou a ser um conceito que ultrapassa tratar bem. E o setor está preparado para isso”
Nos hotéis, o conceito de fazer com que os hóspedes se sintam em casa agora ganhou um novo significado, com grandes investimentos nos cuidados e na atenção dispensada a eles. As empresas desse segmento sabem que a higiene passou a ser o primeiro item de valorização. Além disso, renovam seus padrões de acesso, distanciamento, alimentação e convivência. Cuidar passou a ser um conceito que ultrapassa o tratar bem. E o setor está preparado para isso. Toda a área se prepara observando cuidados e reiterando a preocupação em receber bem e com segurança. Falamos aqui dos guias de turismo, prestadores de serviços, empresas de receptivos e apoio ao viajante. Além das empresas de entretenimento, casas de show, teatros, cinemas, restaurantes, bares, parques e outros. Cuidar, cuidar e cuidar vai ser muito mais do que uma intenção. Agora é um mandamento. No caso das operadoras e agências, o trabalho principal é investir em educação e informação para que o turista faça uma viagem segura. Não só para selecionar o que se vende, mas também para orientar os que compram sobre os cuidados e protocolos. Nós sabemos qual é a nossa parte e vamos também zelar por esses valores. É aqui que começam o sonho e a realização da viagem. Nós estaremos muito mais do que de braços abertos, pois é a hora de acolher.
E para onde vamos viajar? Sem dúvida, agora é o momento do nosso país, a hora de os brasileiros conhecerem o Brasil. Iremos a lugares que são a extensão do nosso lar e estão prontos para receber cada um de nós. O consenso no setor é de que espaços abertos, próximos, acolhedores e familiares serão os mais procurados. E recantos como esses o Brasil tem de sobra. A vida voltará ao normal, e vamos retomar com viagens por perto, depois um pouco mais distante, e daqui a pouco o mundo vai ficar pequeno e acolhedor de novo — seja na viagem de férias, a negócios ou intercâmbio — para que possamos a cada embarque colecionar lembranças, fazer novas amizades, relaxar num banho de mar ou onde quer que seja e experimentar novos sabores e culturas.
* Leonel Andrade é CEO da CVC Corp e membro do Conselho de Administração da BR Distribuidora
Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695