O ‘imposto medieval’ de Guedes na comissão da reforma tributária
Mesmo fora da pauta, a nova CPMF protagonizou as discussões durante participação do ministro no colegiado que discute alterações do sistema de impostos
Entre os séculos XV e XVIII, um dos impostos mais rentáveis cobrados pela monarquia francesa era a talha. Instituído por Carlos VII durante a Guerra dos Cem Anos, o tributo era cobrado de parte das produções. Em uma transmissão ao vivo realizada pelo jornal Valor Econômico na segunda-feira, o relator da reforma tributária, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), tratou o imposto sobre movimentações financeiras gestado pelo Ministério da Economia como uma “tentação medieval”. A resposta do ministro Paulo Guedes veio nesta quarta, 5, durante a participação do chefe da Economia na Comissão Mista que discute a reforma tributária no Congresso, com direito a alfinetada. “Até o deputado Aguinaldo cometeu um certo excesso, porque ele sugeriu que a Netflix e o Google já existiam na Idade Média, porque ele falou que imposto sobre o digital é um imposto medieval. Então parece que já existia tudo isso na Idade Média. Os bispos e os padres, nas catedrais góticas, já usavam Netflix, Google, Waze. Foi um exagero que ele cometeu”, ironizou o ministro, defendendo seu “imposto digital”. “Não queremos onerar mais o povo brasileiro. A economia é cada vez mais digital. Temos belíssimas intervenções tecnológicas, sim, e estamos estudando como tributar”, afirmou o ministro. Incomodado, Guedes tenta afastar do tributo a pecha do antigo imposto do cheque. “Algumas pessoas, por maldade ou ignorância, falam que é a nova CPMF”, disse o ministro.
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Clique e AssineA reedição de um imposto sobre movimentações financeiras não estava na pauta da convocação às explicações de Paulo Guedes sobre o projeto do governo para alterar o sistema tributário brasileiro, já que o convite era para que o ministro tratasse da CBS, o novo imposto sobre consumo que irá substituir o PIS e a Cofins — mas o tema, claro, ganhou protagonismo entre os questionamentos dos parlamentares. “O senhor, por favor, receba nosso apelo antes de insistir numa tecla como essa”, disse o deputado João Roma (Republicanos-BA). “Nós precisamos, sim, impulsionar o desenvolvimento do Brasil”, disse ele. “Precisamos ter clareza de uma reforma ampla, que entenda a vontade do povo brasileiro como impulsionadora para a economia brasileira”, completou. “Passar batom na CPMF não vai torná-la um imposto novo”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS). “Não podemos ter o absolutismo de que o ministro proponha um imposto que ninguém queira, nem que os deputados interditem o debate”, respondeu o ministro, em réplica à referência monarquista feita pelo deputado.
A principal crítica vinda dos congressistas era a ausência de um projeto amplo de reforma tributária, já que o governo se comprometeu em enviar a reforma em partes, dadas as dúvidas quanto aos próximos passos da proposta para o sistema de impostos do país. “Não vai ser possível discutir a proposta fatiada, apontando o aumento de alíquotas, esperando quando o senhor enviar outra proposta”, provocou o senador Major Olímpio (PSL-SP). “Não dá para vir esquartejada a proposta de reforma tributária do governo, se precisamos das simulações oficiais de vossas excelências”, disse o senador. “Não vamos aumentar a carga tributária. Temos um programa de simplificação e redução de tributos. Vamos agora substituir dez, 15, 20, impostos por um. Recentemente, mandamos a proposta de substituir dois por um e vamos seguir fazendo isso”, defendeu o ministro. “O brasileiro paga imposto demais”, afirmou Guedes. A máxima não convenceu os parlamentares.
E com razão. Como ainda não enviou o resto da proposta, é uma incógnita como, de fato, serão atingidos os setores da economia pelo projeto já em discussão pelo Congresso Nacional. Guedes afirmou que o texto que prevê a criação da CBS, já encaminhado à comissão, é “completamente acoplável” aos projetos que tramitam em estágio mais avançado, como as Propostas de Emenda Constitucional 45 e 110. A ausência de uma alternativa ao aumento médio de alíquota para os setores de serviços, de 3,5% para 12%, é a pedra no sapato da equipe econômica, já que ainda não se apresentou o respiro prometido ao setor. “Nós poderíamos estar falando mais, mas estamos trabalhando muito”, fez um mea-culpa o ministro sobre a demora nos envios das outras partes da proposta, reiterando que o Ministério da Economia foi obrigado a debruçar-se sobre as medidas emergenciais graças à pandemia da Covid-19.
“Se os nossos cálculos de 12% aumentarem a alíquota, vamos ter que reduzir”, disse o ministro sobre o setor de serviços, mas fez uma ponderação sobre o real impacto do CBS para o setor. Segundo ele, 85% das empresas estão no sistema simplificado de impostos, o Simples, e que as críticas vêm, majoritariamente, das 15% maiores empresas do setor que seriam atingidas de forma frontal pela proposta. No Ministério da Economia, trabalha-se com o envio das alterações no Imposto de Renda e o novo imposto sobre movimentações financeiras até o dia 15 de agosto.
Apesar da provocação, o ministro mostrou-se mais ambientado ao campo político. Desta vez, Guedes não foi provocado de forma acintosa em âmbito pessoal, é verdade. Não foi chamado de ‘tchutchuca’ por deputado algum, como ocorreu em um dos debates da reforma da Previdência na Câmara dos deputados. A discussão, como deve ser, ficou no campo formal e das propostas. Classificado corretamente pelo ministro como um “manicômio”, o sistema tributário necessita urgentemente ver suas alterações caminhando de vento em popa no Legislativo. “Quem dá o timing é a política”, afirmou o ministro, ao dizer que o coronavírus atrasou o trâmite das reformas estruturais e a guinada aos trabalhos para mitigar os efeitos da pandemia.
É necessário, porém, que o governo envie o mais rápido possível o resto de sua proposta para que os congressistas consigam debruçar-se sobre propostas sólidas. E, buscando a modernização da sopa de letrinhas que formam os impostos brasileiros, o país comece a deixar os tempos medievais.