Aula de gestão
Padre Anderson Pedroso, reitor da PUC-Rio, adotou modelo com foco em redução de custos, parcerias com o setor privado e doações
Ao comentar sobre uma viagem de negócios recente que fez à China, o padre Anderson Pedroso lembra com empolgação da história do missionário italiano Matteo Ricci, um jesuíta como ele, que foi o primeiro ocidental a ser recebido pelo imperador chinês na Cidade Proibida, em 1601, depois de muitos anos vivendo no interior, aprendendo a língua e os costumes locais. Ricci abriu as portas de Pequim para a Igreja por meio do diálogo, do intercâmbio de conhecimentos e da adaptação a uma cultura diferente da sua. “Para entrar na China, ele tirou a batina de padre e colocou as roupas de um sábio do confucionismo, que ele considerava uma filosofia e não uma religião concorrente”, diz o padre Anderson, produzindo assim, quase sem querer, uma metáfora do movimento que ele próprio precisou fazer ao assumir o papel de reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC-Rio, em 2022.
O jovem reitor, hoje com 49 anos, encontrou uma universidade respeitada, com um corpo docente de primeira e uma forte tradição em pesquisa, mas com um “equilíbrio fiscal frágil”. O prejuízo no ano passado foi de 5,6 milhões de reais. O número de alunos na graduação, que já foi de 13 000, em 2015, está em 9 100. Para promover as mudanças que considera necessárias, o padre Anderson passou a vestir as roupas de um CEO, adotando na instituição sem fins lucrativos um estilo de gestão mais comum em grandes empresas privadas. Para ele, nada disso concorre com a tradição dos jesuítas, que descreve como focada na resiliência, na disciplina e na entrega de resultados (“para usar um termo caro à Faria Lima”, destaca Anderson).
O reitor fala em métricas, em reduzir custos — não por meio de demissões, mas conectando departamentos e ganhando eficiência na unificação de serviços —, em diversificar para crescer, em atrair investimentos, em redesenhar os processos, em compliance e sustentabilidade. A meta é alcançar, dentro de dois anos, uma situação de segurança na questão fiscal. Para arrumar as contas, neste ano o reitor trouxe para o Rio, como seu assessor especial, o padre espanhol Juan Antonio Guerrero Alves, que entre 2019 e 2022 ocupou um cargo equivalente ao de ministro da Economia do Vaticano, cumprindo a missão de sanear as finanças e dar transparência ao banco ligado à Santa Sé.
Já no longo prazo, em dez anos, o padre Anderson ambiciona transformar a PUC-Rio em uma universidade privada que, além de não ter fins lucrativos, seja totalmente gratuita. Para isso, o Matteo Ricci da Gávea aposta em duas frentes. Primeiro, ampliar as parcerias com a iniciativa privada. A PUC-Rio já é considerada uma potência nessa área, com contratos da ordem de 50 milhões de dólares em projetos de pesquisa e desenvolvimento com empresas de diferentes áreas, como energia (Petrobras, Shell e Eletrobras, entre outras), mineração (Vale), financeira (Itaú e Santander) e transportes (Randon e Embraer).
Além dos estudos com petróleo e gás, a universidade é referência em informática (responsável pela criação da Lua, uma linguagem de programação leve e rápida, ideal para jogos on-line, e pelo sistema da TV digital brasileira); em desenvolvimento de materiais, como o de concretos mais duráveis para torres de eletricidade e barragens; em biodesign, na vanguarda das aplicações da impressão 3D na medicina; e em economia, tendo sido o berço acadêmico dos pais do Plano Real, como Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Pedro Malan e Gustavo Franco. A nova gestão da PUC-Rio quer aproveitar essa tradição em pesquisa para diversificar as parcerias com o setor privado, com foco na transição energética e nos aspectos econômicos da sustentabilidade ambiental. Um exemplo disso é o Projeto Amazonizar, que busca abarcar os conhecimentos de diversas disciplinas para promover soluções e ações sociais in loco para a região amazônica.
A segunda frente consiste em captar doações para o seu fundo patrimonial, conhecido como Endowment PUC-Rio, que hoje é apenas o nono maior entre os fundos de universidades brasileiras (veja o quadro). Pretende-se receber os recursos em dois formatos. Primeiro, por meio de doações para projetos específicos, como a construção de um laboratório. Segundo, atraindo grandes filantropos para contribuir com um montante que deve permanecer no fundo apenas para gerar rendimento e, no futuro, custear melhorias na infraestrutura e bolsas estudantis. É aí que entra a meta de gratuidade: atualmente, 40% dos alunos da graduação são bolsistas integrais ou parciais. Quando o fundo da PUC-Rio alcançar um patrimônio dedicado de 500 milhões de reais, será possível oferecer bolsas de estudos para todos.
Para acelerar as doações, foram reformuladas a Associação dos Antigos Alunos (AAA) e o Conselho de Desenvolvimento. A AAA existe há 73 anos e tem como função conectar uma rede de cerca de 80 000 ex-alunos. A associação, que antes funcionava apenas na base do voluntariado, foi profissionalizada para focar na gestão e captação de recursos para o fundo. “Neste semestre iniciamos uma série de eventos e ações de comunicação para engajar os ex-alunos a contribuir com a PUC-Rio, não só com doações grandes ou pequenas, mas de muitas outras formas”, diz a nova presidente da AAA, Barbara Cristhian.
O Conselho de Desenvolvimento, que assessora a reitoria em questões estratégicas, também foi renovado com a função de somar-se aos esforços para robustecer o fundo patrimonial, reunindo-se com mais frequência e emprestando a credibilidade de novos integrantes ilustres, como os ex-alunos Simone Grossmann, vice-presidente global de recursos humanos da área de tecnologia da Coca-Cola, e Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, para atrair filantropos. “A minha leitura é a de que o fundo patrimonial pode ir além do básico, que é apoiar o funcionamento da universidade através dos recursos que ele gera. Trata-se também de uma oportunidade para reforçar a relação da PUC com seus ex-alunos, como acontece em universidades fora do Brasil”, diz Fraga.
Mudanças como as que estão ocorrendo na PUC-Rio, por óbvio, não se dão sem resistências. Aqui e ali surgem reclamações de alunos e professores, cartas abertas anônimas ou pressões para uma intervenção da arquidiocese (que não vingaram), mas que vão se dissipando conforme aparecem os primeiros resultados. Neste ano foi concluída a primeira orçamentação da universidade desde 2004, o que permitiu melhorar os custos operacionais para contrabalançar com a perda de receita dos anos anteriores. Mas o reitor está convencido de que a sustentabilidade só será alcançada com mais inovação e mais parcerias. Foi em busca desse tipo de investimento que ele esteve recentemente em mais uma viagem à China, país que já mantém diversos projetos na PUC-Rio, na trilha desbravada por Matteo Ricci há mais de 400 anos.
Publicado em VEJA, setembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 6