“O desafio é financiar a demanda por infraestrutura do país”, diz CEO da CCR Rodovias
Eduardo Camargo diz que o Brasil precisa avançar na modalidade project finance, pois não dá para contar só com o balanço das empresas para isso

O Grupo CCR é a maior empresa de infraestrutura de mobilidade do Brasil, com uma origem que remonta à primeira concessão de um ativo público para um ente privado, a ponte Rio-Niterói, em 1995. Em 2022, a Itaúsa e a Votorantim tornaram-se acionistas controladores do grupo, ao comprar a participação da empreiteira Andrade Gutierrez. Com atuação em rodovias, aeroportos, operações de metrô e outros modais urbanos, a CCR já tem previstos para os próximos anos investimentos de 33 bilhões de reais em seus 39 ativos espalhados por 19 estados do país. O presidente da CCR Rodovias, Eduardo Camargo, falou com Veja Negócios sobre as expectativas do grupo para esse momento de investimentos recordistas em infraestrutura:
A Lei de Concessões está prestes a completar 30 anos desde sua aprovação. Qual é o saldo desse marco nas obras de infraestrutura?
A ponte Rio-Niterói, a primeira concessão após a aprovação da lei, é um ótimo exemplo de como, institucionalmente, esse marco legal funcionou bem. [Na gestão da CCR] entregou todos os investimentos, acabou de uma forma saudável, foi relicitada e já está sendo operada por um outro grupo. Foram feitos alguns aditivos ao longo do tempo, incorporando necessidades que o contrato foi demandando ao longo dos anos de concessão. Isso mostra uma evolução bastante importante do ambiente regulatório. É interessante ver como os setores em geral têm evoluído nesses 30 anos da Lei de Concessões. Depois da ponte Rio-Niterói, em 1995, veio a Nova Dutra, também uma concessão do Grupo CCR, que igualmente já foi relicitada em outro formato, com a inclusão de novos investimentos. Além disso, evoluímos com outros ativos. A Linha 4 do Metrô de São Paulo, por exemplo, que foi a primeira PPP (Parceria-Público Privada) no âmbito infranacional, reconhecida pela população pela qualidade na sua prestação de serviço e pelo poder concedente também como uma concessão de sucesso. Mais recentemente, entramos no setor de aeroportos, evoluindo desde o início da concessão de ativos individuais para ativos em clusters, em blocos de aeroportos. Eu observo uma evolução em todos os três setores em que nós operamos.
De que forma as mudanças recentes no Grupo CCR se conectam com o momento vivido pelo setor de concessões?
Hoje a CCR é o maior player de infraestrutura de mobilidade no Brasil e uma referência em governança corporativa. Listamos a companhia em bolsa em 2002 no segmento Novo Mercado, e atualmente temos um grupo controlador muito forte com foco em longo prazo. Houve a entrada recente aqui no grupo de controle de Itaúsa e Votorantim, o que dá a visão favorável que esses grandes grupos econômicos brasileiros têm em relação ao crescimento desse setor. É um bom sinal a entrada deles. Os governos, tanto federais quantos os subnacionais, têm tido um foco muito grande em fazer novos leilões, em conceder novos ativos de infraestrutura. O governo federal fala em 35 projetos de rodovias neste mandato. Estão acontecendo também muitas concessões nos entes infraestaduais [municípios]. Existe uma clareza muito grande de que o investimento privado para complementar ou potencializar o investimento público é uma forma de viabilizar e destravar o desenvolvimento em infraestrutura. Se hoje temos 26.000 quilômetros de rodovias concedidos, estimamos que nos próximos anos essa malha deve dobrar. Historicamente, a gente também tem visto de uma forma muito positiva a evolução das próprias agências reguladoras.
Quais os principais benefícios das concessões para a sociedade?
Temos um ambiente regulatório bom, em evolução, e um ambiente político também já consolidado. Em todos os espectros políticos, da esquerda à direita, não há uma discussão sobre se faz sentido conceder ativos de infraestrutura ou não. Todo mundo entendeu que isso só traz benefício. Um dos principais legados das rodovias, às vezes pouco lembrado, é o da redução de acidentes. Só em acidentes fatais em rodovias, houve uma redução de mais de 80% desde o início do programa de concessões. Isso não é só fruto de investimento, mas também de toda uma inteligência e planejamento de operação, com agilidade de serviços médicos e mecânicos. Eis um legado importantíssimo para a população que nem sempre é destacado quando se fala em concessões.
Quais são os gargalos que ainda permanecem para um avanço ainda maior na infraestrutura do Brasil?
Estamos no caminho certo. Se ainda existem gargalos, estão mais relacionados à viabilização de novos instrumentos de financiamento. O Brasil ainda está engatinhando na questão de project finance [modalidade de financiamento para grandes empreendimentos em que a dívida é paga pelo fluxo de caixa do próprio projeto]. A Rio-São Paulo fez agora uma emissão grande, mais de 10 bilhões de reais com o BNDES apoiando, e já com uma característica de um project finance com recursos limitados. Esse talvez seja o grande desafio: financiar toda essa demanda em infraestrutura. Não dá para contar com o balanço das empresas para isso. O desafio é financiamento, com essa preocupação de taxa de juros alta, que gera um ambiente mais restritivo de investimento de capital.
A elevação de custos nas obras de infraestrutura preocupa?
Estamos começando a enfrentar um gargalo de disponibilidade de fornecedores, pois estamos vivendo um superciclo de infraestrutura, considerando o que já está contratado em investimentos. Isso ocorre em um momento pós-Lava-Jato no país, em que já não temos mais as grandes empresas de construção pesada. As empresas médias estão se estruturando para ocupar esse espaço e algumas das grandes estão retomando, mas ainda com uma capacidade financeira menor do que antes. Combinado com alguns desafios mundiais, esse é um fator de restrição, porque também estamos no período pós-covid, que prejudicou muito a cadeia logística, e enfrentamos uma guerra no Oriente Médio que pressiona os preços de óleo diesel e outros insumos gerais que impactam a cadeia de construção. Tudo isso gera alguma uma preocupação e precisa ser endereçado pelo governo federal. De fato, alguns poderes concedentes já estão reconhecendo essa conjuntura na matriz de risco dos contratos. Quando os valores sobem muito em função de eventos de força maior, como a pandemia de covid-19 e as guerras, os poderes concedentes começam a reconhecer isso e a reequilibrar os contratos.
Os eventos climáticos extremos estão entre esses fatores de risco?
Sim, o tema da resiliência climática é um ponto que a gente observa com muita atenção. A CCR enfrentou, nos últimos anos, dois eventos de grande impacto nos seus ativos. Em 2022, no trecho administrado pela CCR na Rio Santos, com chuvas que causaram muitos danos na rodovia. E, no ano seguinte, em um trecho contíguo ao nosso em São Sebastião (SP), operado pelo estado, mas com uma grande mobilização para recuperar aquela infraestrutura. Mais recentemente, as chuvas no Rio Grande do Sul deixaram muito evidente como os eventos climáticos impactam a infraestrutura. Por isso, o foco está em endereçar que os nossos ativos estejam preparados. Mapeamos todos os pontos que estão sujeitos a eventos climáticos extremos e como conseguimos reagir a isso, para recompor a infraestrutura de uma maneira rápida. E isso precisa estar na matriz de risco dos contratos, pois são eventos incontroláveis e que não se pode quantificar. Trata-se, portanto, de um risco que os entes privados não conseguem assumir. Por isso existe uma discussão de matriz de risco para o poder concedente assumir e rapidamente recompor o fluxo de caixa da concessionária após esses episódios. Dessa forma, a gente consegue identificar pontos vulneráveis da infraestrutura e propor investimentos para tornar esses ativos mais resilientes.