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Petrobras e MPF ainda avaliam se Odebrecht mudou

Ministério Público não oficializou o fim do monitoramento da Odebrecht; Petrobras ainda testa sistema de integridade da construtora do grupo

Por Josette Goulart Atualizado em 8 dez 2020, 11h58 - Publicado em 5 dez 2020, 10h00

As áreas de compliance, que se encarregam dos cuidados para evitar que as empresas descumpram leis e regulações, já não são mais uma novidade no mundo corporativo. A questão é garantir que elas funcionem, de fato. Principalmente depois do momento em que o dono dá um soco na mesa e diz: “isso aqui vai prejudicar meu negócio”. “O que esse pessoal faz é levar burocracia para dentro da empresa. São executivos burocratas ultrapassados que inventam esta moda”. As palavras ditas, nesta semana, para VEJA por um ex-executivo da Odebrecht que foi do alto escalão da empresa em seus tempos áureos — tanto de volume de negócios quanto de corrupção –, ilustram perfeitamente a cultura empresarial com a qual os monitores nomeados pelo Departamento de Justiça Americana (DOJ) e o Ministério Público Federal (MPF) se depararam ao chegar à companhia, há quatro anos.

Imbuídos da missão de instalar um programa de compliance que fosse forte o suficiente para erguer uma bandeira vermelha a qualquer sinal de desvio — da compra de uma caneta a uma turbina de hidrelétrica –, os monitores terminaram o trabalho há duas semanas. A empresa divulgou com pompa que completou a sua transformação e que já nem precisa mais de monitoramento externo. Quem lê o comunicado com pressa, entretanto, nem repara em suas omissões. O atestado foi dado pelo DOJ, mas nenhuma palavra é dita sobre as autoridades brasileiras. Existe um motivo para o MPF não estar no comunicado: os procuradores ainda estão avaliando se dão essa espécie de “certificação” à Odebrecht.

Em um momento que a Operação Lava Jato está sob ataque, os procuradores têm tomado todos os cuidados sobre como fazer essa comunicação, segundo fontes próximas aos procuradores da Força Tarefa. Até porque consideram como evitar ficarem expostos a eventuais novos escândalos de denúncia de irregularidades na empresa, como ocorreu quando o ex-presidente Marcelo Odebrecht começou a apresentar novas acusações contra executivos que ainda estavam na companhia. O papel de um monitor não é o de investigar, mas de ajudar a criar procedimentos que mostrem que a própria companhia está investigando e combatendo a corrupção.

Nesse sentido, o monitor designado pelo Ministério Público, Otavio Yazbek, advogado e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, apresentou seu relatório aos procuradores e deu o atestado de que a Odebrecht não é mais a mesma e que seus sistemas e regras estão prontos para detectar operações criminosas. A companhia centralizou processos, criou departamentos de compliance, de auditoria interna e unificou sistemas de compras. Contratou conselheiros independentes para as empresas, dispensou quase todos os delatores e integrantes da velha guarda e afastou os donos Marcelo e Emílio Odebrecht. Ao longo desses quatro anos, gastou 350 milhões de reais para fazer as mudanças exigidas pelo compliance.

Mas o passivo de imagem carregado pelo nome Odebrecht ainda é brutal. Não é só o MPF que está segurando essa espécie de “certificação” de que a empresa mudou. A Petrobras também ainda tem sido cuidadosa. Apesar de ter retirado a empresa da lista suja dos fornecedores que não podem fazer negócios com a companhia, mantém a construtora sob escrutínio. “Encontra-se em curso o procedimento de DDI (sigla para due diligence de integridade) da referida empresa, o qual avaliará a efetividade de seu sistema de integridade, a fim de que ela possa retomar sua condição de participante de nossas licitações com absoluta e total segurança”, diz nota da Petrobras enviada a VEJA.

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Escritório em Brasília

A desconfiança tem sua razão de ser. A Odebrecht pagou 800 milhões de dólares em propinas, em vários países, e o modus operandi estava enraizado na companhia que chegou a ter 182 mil funcionários. Quase 80 executivos fecharam acordos de delação confessando crimes, outros tantos relataram operações suspeitas que presenciaram. Pessoas próximas da área de compliance da Odebrecht citam alguns resquícios de comportamento do passado, especialmente na construtora. Em janeiro de 2019, quando o governo de Jair Bolsonaro chegou a Brasília, a construtora contratou Alexandre Barreto Tostes como diretor de relações institucionais, reabrindo assim o escritório de Brasília que tinha sido fechado no auge do processo da Operação Lava Jato.

“Escritório em Brasília” é o terror noturno de um diretor de compliance. Diversas fontes disseram a VEJA que um dos motivos que pesou a favor da contratação de Tostes foi o fato de ser filho de um coronel reformado do Exército, contemporâneo do General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e do vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Ou seja, a velha cultura de “ter acesso ao poder” da Odebrecht foi notada pelos próprios funcionários da empresa nessa contratação. Oficialmente, a empresa credita a contratação de Tostes a seu currículo. 

Ter um escritório em Brasília é fundamental para uma grande companhia, especialmente quando se trata de uma construtora que vive de obras públicas, que não pode abrir mão de ter interlocução com governos ou políticos. Grandes bancos, farmacêuticas, a indústria automobilística, operadoras telefônicas, todos têm os seus profissionais de relações institucionais. Apenas é necessário que a empresa determine a transparência com que vai lidar com o assunto. Agendas públicas, por exemplo, são um bom começo. A construtora da Odebrecht, chamada agora de OEC, sigla para Odebrecht Engenharia & Construção, ainda comete outros pecadilhos de falta de transparência como não informar de forma fácil em seu site quem são seus diretores e membros do conselho de administração.

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Parece pouca coisa, mas o assunto se tornou relevante dentro da companhia, em agosto deste ano, quando a diretora de compliance, Margarida Smith, resolveu deixar o cargo. Os monitores ficaram de cabelos em pé, segundo relataram fontes próximas à empresa. Não era à toa. Eles estavam prestes a terminar o monitoramento.

Um diretor de compliance é o primeiro a ser indiciado criminalmente caso faça vista grossa a coisas erradas. Dentro da empresa, o que os monitores ouviram é que o motivo de sua saída era que ela não concordava com a nomeação de Marco Siqueira, executivo antigo da casa, para o cargo de presidente, e o de Raul Ribeiro, para diretor. Ribeiro era líder no Peru quando aconteceram casos de propinas. Os monitores foram então averiguar e não encontraram processos ou denúncias da Lava Jato contra os dois. Oficialmente, Margarida disse aos monitores e aos conselheiros independentes da holding da Odebrecht que estava saindo por questões pessoais. Os nomes ficaram nos cargos, até porque é difícil para a companhia, com a sua imagem desgaste, atrair novos executivos. Mas a recomendação básica dada ao compliance foi a de que os executivos fossem acompanhados de perto. Não é nada fácil a vida de quem tem um passado que a condena.

A assessoria de imprensa do MPF informou que eles estão avaliando as informações apresentadas durante a monitoria, que constitui uma das obrigações do acordo de leniência celebrado pela companhia. Ainda segundo a assessoria, não se trata exatamente de concordância ou aprovação do relatório, mas de análise de observância da cláusula pactuada no acordo. E que, após análise da Força Tarefa, ainda caberá a homologação de um conselho de procuradores. O fim do monitoramento também é um passo importante para que a companhia tente se recuperar financeiramente para que, inclusive, tenha dinheiro para pagar os 5,8 bilhões de reais nos próximos 22 anos, como se comprometeu. Mas as dificuldades são muitas, como mostra reportagem de VEJA desta semana.

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