MP das Casas de Aposta e o desafio de fazer lei ‘sessentona’ pegar
Medida regulamenta lei de 2018, mas previsão para taxar apostadores existe desde 1964; texto pode aumentar a arrecadação em R$ 15 bilhões
A proposta de medida provisória para regulamentar o mercado de apostas esportivas no país é robusta do ponto de vista fiscal, com expectativa de arrecadação de até 15 bilhões de reais, mas ainda não muito clara do ponto de vista regulatório, segundo especialistas consultados por VEJA. A medida foi anunciada pelo Ministério da Fazenda nesta quinta-feira, 11, em meio às investigações do Ministério Público de Goiás sobre manipulação de resultados em jogos do Campeonato Brasileiro. Entre os acusados, há jogadores de clubes das séries A e B do Brasileirão.
A MP regulamenta pontos de uma lei aprovada em 2018 sobre a legalização das apostas esportivas no país, conhecidas como quota fixa, que o apostador já sabe quanto ganhará se acertar. Porém, a previsão de taxar apostador é bem mais antiga, e nunca “pegou”. A Lei 4.506/64 prevê imposto de 30%, mediante desconto na fonte pagadora, dos lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, concursos desportivos em geral e sorteios de qualquer espécie. “Não tem muita novidade. A MP talvez seja uma tentativa de tornar as casas de apostas também responsáveis pela não-arrecadação de pessoas físicas, retendo o imposto do apostador na fonte”, disse Pedro Lameirão, professor de Tributação de Economia Digital da PUC-RJ e sócio do BBL Advogados. “O governo está deixando claro que quer fiscalizar melhor e fazer a lei pegar.”
O grande problema, segundo Lameirão, não é nem tanto a tributação dos apostadores, mas das casas de apostas que possuem sedes no exterior. “A exequibilidade das cobranças depende de como vão estruturar do lado regulatório. Nesse cenário atual, sem mudanças que aumentam o poder de coerção, vai ser muito difícil aplicar essa tributação.”
Fiscalização
A MP dá ao Ministério da Fazenda a responsabilidade de fiscalizar a atividade no Brasil. Além disso, o fluxo de dinheiro entre casas e apostadores só poderá acontecer por meio de bancos autorizados pelo Banco Central a operar no país. “Não se pode negar que a regulamentação é de extrema importância para segurança jurídica dos apostadores, além da necessária arrecadação para destinação ao desenvolvimento social. Mas, para que tudo isso seja possível, será necessário que a regulamentação não torne a atividade inexequível diante de tributação impraticável no cenário real”, alertou Camila Fernandes, advogada tributarista da Nelson Wilians Advogados.
Uma das principais preocupações é justamente a alíquota de 30% sobre o prêmio recebido pelo apostador, fato que pode gerar a migração dos apostadores brasileiros para operações offshore, desestimulando a sociedade de consumir os produtos das casas de aposta nacionais. “A fuga do mercado nacional regulado, acaso não sejam adotadas medidas passiveis de torná-lo atrativo, é previsível e a consequência seria o desinteresse das casas de apostas em nosso país, tornando nulo todo esforço realizado até então para fomentar a economia”, completou a advogada.
Um representante de uma casa de apostas consultada por VEJA afirmou que a visão sobre a MP é positiva “desde que haja melhoria na arrecadação e participação delas no processo”. A Medida Provisória prevê, no que diz respeito à taxação, que o percentual das casas de apostas diminuirá de 95% para 84%. Do valor arrecadado, 10% iria para a Seguridade Social, 2,55% para a Força Nacional de Segurança Pública, 1,63% para clubes e entidades desportivas, 1% para o Ministério do Esporte e 0,82% para escolas públicas.