‘Mecanismo atrasado’, diz Marinho sobre unicidade sindical
Relator da Reforma Trabalhista, Rogério Marinho defende uma nova discussão em temas como home office, inteligência artificial e trabalho por aplicativo
Desde o início do ano, o governo tem sinalizado com a revisão de pontos importantes da Reforma Trabalhista, como a volta de uma espécie de imposto sindical obrigatório. A primeira frente aberta para a volta do tema foi no STF, pelo voto do ministro Gilmar Mendes, que alterou entendimento anterior e formou maioria pela possibilidade da contribuição assistencial, que é a taxa cobrada para custear as atividades do sindicato. Ao contrário do imposto sindical, ela é estabelecida em assembleia de cada categoria e não há um valor fixo. A votação será retomada no início de setembro.
A interlocutores, Mendes diz que o STF se ‘sensibilizou’ com o enfraquecimento do sindicalismo no Brasil. Como as decisões no STF não são esculpidas em pedra, e sim fruto de seu próprio tempo, o ministro, que antes era contrário a qualquer tipo de obrigatoriedade, mudou.
A outra frente de recomposição da atividade sindical deve ser aberta no Congresso, apesar da dificuldade que o tema encontrará para ser aprovado. Um projeto de lei, estudado pelo governo, prevê um teto para a nova taxa de até 1% do rendimento anual do trabalhador, a ser descontada na folha de pagamento, cobrada apenas quando há negociação salarial intermediada pelo sindicato. Como essas negociações ocorrem sempre, a justificativa do governo ao dizer que isso não significa a volta do imposto obrigatório é apenas retórica.
Além da volta de uma espécie de financiamento para custear a atividade sindical, o governo também bate o pé pela manutenção da unicidade do setor, que proíbe o estabelecimento de mais de um sindicato representativo de uma categoria na mesma região. A proibição vai contra o que preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Rever isso seria importante. É um mecanismo atrasado que não representa os interesses do trabalhador”, afirma a VEJA o senador Rogério Marinho (PL-RN), que foi relator da Reforma Trabalhista na Câmara, em 2017.
O governo está flertando com a revisão de pontos da reforma trabalhista, como a volta do imposto sindical, e também da reforma da previdência. Como o senhor avalia essas sinalizações? Considero um retrocesso inadmissível. Nosso país sofreu por, pelo menos, 30 anos até ter uma reforma da Previdência como a que aprovamos. Com ela, tornamos a Previdência mais justa, com menos privilégios, começamos a sanear as contas públicas e produzimos uma economia de, aproximadamente, 1 trilhão de reais em 10 anos. Isso contribuiu para termos o primeiro governo, desde a Constituição de 1988, a entregar um gasto primário federal menor do que aquele recebido. Além disso, conseguimos reduzir a relação Dívida/PIB. São avanços para gerações futuras que, hoje, estão sob ataques e retrocessos. Quanto à questão trabalhista, o que o ocorreu foi a modernização e readequação de uma legislação de mais de 70 anos que não falava ao espírito do tempo. A grande preocupação do atual governo é voltar a aparelhar a esquerda brasileira através de sindicatos pelegos que, durante os últimos 70 anos, sobreviveram em função de uma legislação de inspiração fascista que obrigava o trabalhador a contribuir para uma estrutura, na sua grande maioria, de forte não representação de seus anseios e aspirações. Retroceder para reimplantar essa obrigatoriedade só interessa aos pelegos e aos sindicatos de fachada. Ou seja, na contramão do verdadeiro espírito da liberdade sindical preconizado pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), que defende o fim da unicidade. Esta, sim, uma bandeira respeitável, plural e democrática, que deveria ser empunhada por todos que defendem equilíbrio e respeito as relações do trabalho.
Há apoio para essas alterações no Congresso? O Congresso Nacional tem perfil conservador nos costumes e liberal na economia. É evidente que qualquer iniciativa que o governo propõe de voltarmos ao tempo da inspiração fascista, dessa relação promíscua, terá muita dificuldade de prosperar no âmbito do Legislativo.
Quais alterações poderiam ser positivas no texto da reforma trabalhista? Devemos observar as mudanças em curso no mercado de trabalho, como o uso da inteligência artificial e o trabalho por aplicativos, e nos debruçar sobre esses temas com muito cuidado e equilíbrio. Devemos garantir a cobertura previdenciária dos trabalhadores, suas condições de saúde e trabalho, mas sem asfixiar os avanços tecnológicos que trazem avanços relevantes para a sociedade. Além disso, como disse antes, rever a unicidade sindical seria importante. Um mecanismo atrasado, de monopólio, que não representa os interesses do trabalhador. Já desfazer as alterações realizadas em 2017 é precoce. Isso porque o STF ainda possui pendentes diversos itens a serem julgados. Até que todo o ordenamento esteja completamente protegido de insegurança jurídica, não é momento de se rever.
Qual o impacto que uma possível reversão da reforma trabalhista ou da previdência teria no cenário macroeconômico, em momento crescente otimismo com a economia? Tivemos duas recessões recentes que ajudam a responder essa pergunta. A primeira, do governo Dilma Rousseff, anterior à modernização trabalhista. A segunda, ocorrida durante a pandemia. Na primeira, o desemprego saiu de uma média de 7% para algo como 13%. Foram perdidos cerca de 3 milhões de empregos formais. Além disso, o mercado de trabalho demorou a reagir na medida que a atividade econômica voltava. Já na saída da pandemia, o mercado de trabalho reagiu positivamente. Foi uma crise com efeitos severos de desemprego em todo o mundo. O Brasil, já com a reforma implantada, reduziu o desemprego para 7,9% e foram gerados cerca de 5 milhões de empregos formais. Isso porque a reforma tornou o mercado de trabalho mais dinâmico e tirou a insegurança que o empregador tinha de voltar a contratar. Saímos de uma situação onde o mercado de trabalho era sempre o último a reagir para uma situação onde ele voltou forte e vigoroso pari passu com a atividade econômica.