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REDD+ Manoa: como uma fazenda em Rondônia prova que é possível lucrar preservando a Amazônia

Fazenda combina manejo sustentável de madeira, créditos de carbono e ações sociais, mostrando que proteger a floresta pode gerar renda e desenvolvimento

Por Ernesto Neves Atualizado em 17 out 2025, 20h09 - Publicado em 15 out 2025, 11h40

A viagem de 220 quilômetros que separa Porto Velho, capital de Rondônia, até Cujubim, no interior do estado, é um retrato cru da devastação da Floresta Amazônica. À medida que a estrada avança, a floresta desaparece e dá lugar a pastagens queimadas e imensos campos de soja, um mosaico de tons ocres que substitui o exuberante verde da floresta tropical. O sol, sem obstáculos, incide com violência sobre o solo ressecado, elevando os termômetros a 45 °C neste início de outubro, fazendo o ar vibrar em ondas quentes.

Mas tudo muda ao cruzar o portão da Fazenda Manoa, nos arredores de Cujubim. Lá dentro, o ambiente se transforma: a temperatura imediatamente despenca mais de cinco graus, o ar fica úmido e o cheiro da terra molhada substitui o da poeira. A floresta se impõe em sua plenitude: o estalo de galhos, o zumbido dos insetos, o grito das araras e o chamado distante dos macacos bugio compõem uma sinfonia perfeita.

É ali que funciona o projeto REDD+ Manoa, uma experiência de manejo florestal sustentável que combina a extração controlada de madeira com a geração de créditos de carbono, prova de que, mesmo no coração da fronteira do desmatamento, a Amazônia ainda pode ser sinônimo de riqueza em pé. “Nosso objetivo sempre foi mostrar que preservar também dá lucro”, resume Murilo Granemann, diretor da Manoa.

A reportagem visitou o local como parte da Expedição VEJA, que está rodando o Brasil para conhecer projetos inovadores de sustentabilidade e destacar temas relacionados à agenda da COP30, a Conferência do Clima da ONU que acontecerá em novembro em Belém, no Pará.

Murilo Granemann, diretor da Manoa: manejo de baixo impacto e crédito de carbono permitem exploração responsável da floresta
Murilo Granemann, diretor da Manoa: manejo de baixo impacto e crédito de carbono permitem exploração responsável da floresta (Claudio Gatti/VEJA)

A Fazenda Manoa ocupa cerca de 75 000 hectares de floresta original em Cujubim, uma das áreas mais pressionadas de Rondônia. O projeto REDD+ — Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal — recompensa financeiramente quem mantém a floresta em pé, transformando a conservação em fonte de renda. Ele combina manejo florestal de impacto reduzido com a preservação de grandes extensões de mata, criando um modelo de exploração responsável.

Cada árvore cortada é escolhida a partir de inventários detalhados e critérios rigorosos de sustentabilidade: apenas árvores maduras, isoladas e de espécies comercialmente viáveis podem ser extraídas, e o corte segue técnicas que minimizam danos ao solo e à regeneração natural.

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O ciclo de manejo é cuidadosamente planejado: uma área só é revisitada para corte após cerca de 30 anos, tempo suficiente para que a floresta se recupere em sua plenitude. Durante esse período, parcelas permanentes são monitoradas por GPS, drones e auditorias externas, garantindo que nem o volume de madeira retirado nem a biodiversidade sejam comprometidos. Ao mesmo tempo, as regiões preservadas contribuem para a geração de créditos de carbono, vendidos a empresas que buscam compensar suas emissões. “É um modelo pioneiro na Amazônia”, destaca Granemann.

Árvores são cuidadosamente escolhidas para que sua retirada cause o menor impacto possível e a floresta se regenere em cinco anos
Árvores são cuidadosamente escolhidas para que sua retirada cause o menor impacto possível e a floresta se regenere em cinco anos (Getty/Getty Images)

Dessa forma, o dinheiro obtido pela Manoa vem de duas formas que se complementam: a extração planejada de madeira e a venda de créditos de carbono. Como as árvores são cortadas de maneira controlada, a floresta em pé armazena carbono. Esse gás, se liberado na atmosfera, contribui para o aquecimento global. Cada tonelada de carbono “guardada” pode ser convertida em um crédito, vendido para empresas que precisam compensar suas emissões. Entre as que já adquiriram créditos da Manoa estão o C6 Bank, a Natura e a Ipiranga.

Desde 2013, o projeto tem evitado a emissão de aproximadamente 279 000 toneladas de CO₂ por ano, totalizando mais de 2,5 milhões de toneladas. O dinheiro obtido com a madeira e com os créditos financia toda a operação: paga funcionários, investe em tecnologia para monitorar a floresta e mantém o ciclo de manejo sustentável.

Além disso, o projeto gera empregos altamente qualificados e capacitação para as comunidades locais, enquanto protege a biodiversidade, preservando corredores ecológicos e espécies nativas. “O modelo da Manoa mostra, de forma prática, que é possível unir lucro, conservação e desenvolvimento regional, um exemplo de como a Amazônia pode continuar viva e econômica ao mesmo tempo”, diz Hermínio Fernandes, gerente florestal da fazenda.

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Hermínio Fernandes: com o manejo responsável são explorados menos 6% do terreno
Hermínio Fernandes: com o manejo responsável são explorados menos 6% do terreno (Claudio Gatti/VEJA)

A Fazenda Manoa é um verdadeiro santuário de biodiversidade, onde a floresta original permanece quase intocada e abriga uma profusão de vida selvagem. Dezesseis câmeras espalhadas pela propriedade registram diariamente a presença de animais raros e ameaçados, incluindo 11 onças-pintadas — entre elas uma fêmea — além de antas, macacos-prego e pássaros como o jacu, o mutum e o jacamim. A riqueza da fauna se estende a mais de 410 espécies catalogadas, das quais 14 estão ameaçadas de extinção.

Entre as plantas, a Manoa protege cerca de 170 espécies arbóreas, seis delas sob risco de desaparecimento, e fornece abrigo para aproximadamente 250 espécies de aves, compondo um verdadeiro mosaico de cores e sons da floresta. Essa diversidade não é apenas impressionante; ela cumpre um papel ecológico crucial.

Isso porque a Fazenda conecta duas importantes unidades de conservação vizinhas, a Floresta Nacional do Jacundá e a Floresta Nacional do Jamari. E, assim, é responsável pela formação de corredores florestais que permitem a circulação de espécies, a reprodução de animais e a manutenção dos ciclos naturais.

“É nesse território que se vê a Amazônia funcionando como um sistema integrado, onde cada árvore, cada ave e cada mamífero contribuem para o equilíbrio da floresta e reforçam o valor da Manoa como modelo de preservação e manejo sustentável”, afirma Fernandes.

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Fauna exuberante: câmeras captam a passagem de uma onça em área da Fazenda Manoa: São 11, sendo uma delas uma fêmea
Fauna exuberante: câmeras captam a passagem de uma onça em área da Fazenda Manoa: São 11, sendo uma delas uma fêmea (Claudio Gatti/VEJA)

Para especialistas, o potencial dos créditos de carbono na Amazônia é enorme e pode transformar a floresta em um motor econômico para o Brasil. “Hoje, o mercado de carbono na Amazônia e na Mata Atlântica já ultrapassa os 20 dólares por crédito — e um crédito representa uma tonelada de gás carbônico que deixa de ser emitida ou é removida da atmosfera por meio da restauração florestal”, explica o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do INPE.

“Há exemplos importantes, como o da empresa Mombak, que recebeu 130 milhões de dólares da Microsoft por créditos de restauração, vendidos a cerca de 50 dólares cada. Esses valores mostram o potencial econômico crescente do setor.”

Segundo Nobre, as áreas degradadas da Amazônia podem remover entre 11 e 12 toneladas de carbono por hectare por ano, enquanto áreas recém-desmatadas chegam a 16 ou 18 toneladas anuais. “Mesmo com o crédito a 20 dólares, isso significa uma renda entre 220 e 360 dólares por hectare ao ano, um retorno muito superior ao da pecuária tradicional, cuja média de lucro gira em torno de 50 a 60 dólares por hectare.”

O cientista ressalta que, além do valor dos créditos, há ganhos adicionais no longo prazo: “Com o tempo, é possível desenvolver sistemas agroflorestais, em que as primeiras árvores começam a gerar produtos entre seis e sete anos. Isso garante uma produção sustentável, diversificada e mais lucrativa que a soja ou o gado.”

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Para Nobre, apostar na restauração florestal é tanto uma oportunidade econômica quanto uma urgência climática. “A Amazônia está à beira do ponto de não retorno, especialmente em estados como Rondônia. Precisamos interromper o desmatamento e restaurar áreas degradadas para evitar o colapso do sistema climático regional.”

Ele cita iniciativas como o programa do BNDES para o Arco da Restauração, que oferece empréstimos a 1% ao ano para projetos de recomposição florestal, e doações integrais em áreas indígenas e quilombolas. “A meta é restaurar seis milhões de hectares no sul da Amazônia até 2030 e 18 milhões até 2050. O custo total gira em torno de 40 bilhões de dólares, mas o retorno ambiental e econômico é incalculável. Estamos falando de uma transformação estrutural — uma nova economia verde para a Amazônia e para o Brasil.”

No entorno da Fazenda Manoa, em Cujubim, o cenário é desolador: floresta deu lugar a campos esturricados, utilizados para plantio de grãos e a pecuária
No entorno da Fazenda Manoa, em Cujubim, o cenário é desolador: floresta deu lugar a campos esturricados, utilizados para plantio de grãos e a pecuária (Claudio Gatti/VEJA)

Apesar do sucesso do modelo, manter o equilíbrio entre lucro e conservação não é simples. O custo das auditorias, certificações e monitoramento tecnológico é alto, e o mercado de carbono ainda é volátil, sujeito a flutuações de preço e mudanças na regulamentação.

Há também riscos relacionados à fiscalização da região: pastagens e áreas agrícolas vizinhas continuam avançando sobre a floresta, e o desmatamento ilegal representa uma ameaça constante.

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Outro desafio é cultural. Em Rondônia, a lógica de ocupar, derrubar e produzir grãos instituída pela ditadura militar nos anos 1970 ainda é vista como a forma mais rápida de gerar riqueza. Convencer vizinhos de que é possível ganhar dinheiro preservando exige tempo e educação ambiental. Por fim, especialistas alertam para o risco de greenwashing, quando empresas compram créditos de carbono apenas para melhorar sua imagem sem reduzir suas próprias emissões.

Mesmo assim, Granemann reforça que “cada hectare preservado é uma vitória para a Amazônia e para a economia local”, mostrando que, apesar dos obstáculos, o modelo da Manoa oferece uma alternativa real e replicável de desenvolvimento sustentável.

Caio Gallego, da Ambipar: créditos de carbono garantem não só a floresta em pé, como também financiam a inclusão social de comunidades do entorno
Caio Gallego, da Ambipar: créditos de carbono garantem não só a floresta em pé, como também financiam a inclusão social de comunidades do entorno (Claudio Gatti/VEJA)

Os créditos de carbono não apenas viabilizam a proteção florestal, mas também sustentam iniciativas sociais essenciais. É o que vem acontecendo em Cujubim, graças à Manoa. “Esse financiamento possibilita a construção de escolas, programas de capacitação profissional e ações de educação ambiental que beneficiam diretamente a comunidade local”, afirma Caio Gallego, gerente de Carbono da Ambipar.

Entre os benefícios já concretizados está uma creche que atende quase 500 crianças, e uma segunda unidade está em construção. A Ambipar atua como parceira estratégica da Fazenda Manoa na gestão e comercialização desses créditos: calcula o carbono armazenado na floresta, valida os créditos junto a padrões internacionais de certificação e os coloca no mercado, conectando a Manoa a empresas nacionais e internacionais interessadas em compensar suas emissões.

Além disso, oferece suporte técnico e monitoramento contínuo, ajudando a Fazenda a manter registros precisos das áreas preservadas, do volume de madeira extraída e do sequestro de carbono, garantindo transparência e credibilidade ao projeto.

Na Manoa, a floresta não é apenas matéria-prima ou ativo econômico: é vida pulsando, é futuro preservado. Cada árvore que permanece em pé, cada hectare que sequestra carbono, cada criança atendida na creche formam um fio dessa rede que mantém a Amazônia viva. O projeto mostra que a floresta pode gerar riqueza, conhecimento e esperança, e que proteger a Amazônia é, acima de tudo, cuidar de um legado que nos pertence.

“Mais do que proteger a floresta hoje, nosso objetivo é deixar um legado para as próximas gerações, garantindo que a Amazônia continue viva, rica e sustentável”, diz Murilo Granemann.

Mata intocada: o rio Preto corta área de selva protegida da Fazenda Manoa, em Rondônia
Mata intocada: o rio Preto corta área de selva protegida da Fazenda Manoa, em Rondônia (Claudio Gatti/VEJA)
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