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Juízes do Trabalho flagram a advocacia predatória

“Me passa seu Pix”: Eis parte do modus operandi de advogados que achacam empresas. Custo das ações, só para o Judiciário paulista: mais de R$ 1 bilhão ao ano

Por Camila Pati Atualizado em 16 out 2024, 20h29 - Publicado em 16 out 2024, 14h21

Embora o Código de Conduta da Ordem dos Advogados do Brasil proíba a mercantilização da advocacia, a prática predatória entre alguns profissionais do Direito vem acendendo um alerta em tribunais brasileiros.  Um advogado é considerado predatório quando, colocando o interesse financeiro em primeiro lugar, move ações em grande quantidade, muitas vezes sem que a pessoa que aparece como autora saiba disso. Os processos geralmente tratam do mesmo assunto e os documentos apresentados são quase idênticos, mudando apenas o nome da pessoa e o endereço. O prejuízo desse tipo de ação fraudulenta que lota o Judiciário é bilionário para o país, segundo estatísticas oficiais.

Documentos obtidos por VEJA mostram o modus operandi de advogados predatórios na área trabalhista, em que os alvos são, em geral, empresas varejistas. Por ter seus quadros de funcionários pulverizados pelo Brasil, e pela característica de baixo tíquete médio das ações, o setor varejista atrai mais advogados predadores do que ocorre em outros segmentos. 

O escritório Knijnik & Zippin Advogados Associados, do Rio Grande do Sul, mas que atua no Tribunal Regional do Trabalho TRT2 de São Paulo, é investigado por suspeita de recrutar funcionários fantasmas, utilizando informações e documentos falsos em ações trabalhistas contra uma grande rede varejista e prestadoras de serviço ligadas a ela.

 Em um dos casos investigados, o autor da ação trabalhista contou que só descobriu que movia ação ao ser surpreendido por um oficial de Justiça cobrando multa pelo não comparecimento a uma etapa de audiência do processo. Ao averiguar, confirmou que havia um processo trabalhista instaurado em seu nome, com informações completamente falsas, já que nunca havia nem sequer trabalhado como montador de móveis na empresa citada na ação. Ao descobrir a fraude, ele compareceu então à Vara do Trabalho de São Paulo com um boletim de ocorrência para registrar o uso indevido do seu nome na ação. O juiz do caso determinou a apuração de conduta predatória, enviando a cópia integral dos autos ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho e à OAB.

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Certidão da Vara do Trabalho indicando que autor de ação desconhecia o processo e que nunca trabalhou para empresa reclamada (documento público/Reprodução)

O mesmo advogado investigado também é suspeito de recrutar “laranjas” “funcionários fantasmas” que nunca passaram na porta da rede varejista — e ajuizar reclamações idênticas para pessoas diferentes, com períodos e salários iguais, trocando apenas o nome do reclamante de uma ação para outra. Há ao menos 10 casos em processos semelhantes em que juízes descobriram a fraude e também determinaram a apuração da conduta predatória do profissional às autoridades. Mas o número de ações movidas nessas condições pode ser bem maior: a estimativa é de que existam pelo menos mais 50 casos similares, de reclamações idênticas, em que o nome do advogado consta na ação.

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O achaque às varejistas, segundo fontes, chega a envolver funcionários das empresas e até sindicatos, que vazam dados de funcionários demitidos e comercializam as informações. De posse de números de celulares de funcionários com contrato rescindido, advogados iniciam a busca de clientes via WhatsApp, sem pudor de revelar a forma criminosa com que conseguiram os dados das pessoas “recrutadas”.

A conduta antiética dos advogados inclui também a orientação de testemunhas de modo a favorecer autores da ação trabalhista. Em um dos processos consultados por VEJA, de 2022, em que um ex-funcionário de empresa varejista pedia mais de 748 000 reais a título de comissões, horas extras e outras verbas rescisórias, uma testemunha foi pega em flagrante mentindo sobre horários de trabalho, sob orientação do advogado.

A juíza Carolina Teixeira Corsini, da 5ª Vara do Trabalho em Guarulhos, na Grande São Paulo, dispensou a produção de demais provas orais, após apurar que houve troca de mensagens entre a esposa do autor da ação e as testemunhas durante a audiência. Por combinar o depoimento com testemunhas e fornecer o roteiro de possíveis perguntas do juízo e respostas esperadas, o autor do processo foi condenado a pagar 9,99% sobre o valor da ação e mais 10% em honorários advocatícios para a empresa.

“Restou caracterizada a conduta de má-fé levada a efeito pelo reclamante, o qual adotou uma postura de combinar os depoimentos a serem prestados pela testemunha por ele convidadas. Houve a veiculação de um roteiro com as possíveis perguntas a serem realizadas pelo juízo e as respostas a serem dadas”, escreveu a juíza na sentença.

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Mensagens de WhatsApp anexadas à ação mostram que uma testemunha foi paga para dar a versão falsa em juízo. Print de uma das conversas pelo aplicativo mostra um advogado avisando que a audiência seria no dia seguinte e pedindo dados para a transferência de dinheiro. “ Me passa seu pix”, disse o advogado.

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Prints de conversas foram anexados à sentença da juíza que determinou investigação por atuação predatória de advogados (documento público/Reprodução)
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Advogado envia o roteiro de respostas à testemunha (documento público/Reprodução)

 “Tudo leva a crer, portanto, que não só houve uma articulação entre advogada (referida na mensagem de whatsapp como a autora do arquivo), parte e testemunhas, como a testemunha está a obter alguma vantagem de ordem financeira. É caso para apuração, é claro, a ser realizada pela autoridade competente”, escreveu a juíza.  

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Na ação, a testemunha também foi condenada ao pagamento de multa por litigância de má-fé no valor equivalente a 2% sobre o valor pedido pelo autor da ação a título de horas extras e horas relativas ao intervalo intrajornada. A magistrada determinou expedição de ofício a órgãos da Ordem dos Advogados do Brasil para notificação e apuração das condutas dos advogados envolvidos na causa e à Polícia Federal para apuração do crime de falso testemunho. No pedido, ela indica o nome de dez advogados.

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Trecho da sentença em que a juíza Carolina Teixeira Corsini, da 5ª Vara do Trabalho em Guarulhos, na Grande São Paulo, pede apuração de conduta predatória (documento público/Reprodução)

No recrutamento de testemunhas, muitos advogados predatórios orientam clientes a oferecer suborno para que elas contem mentiras. Em um boletim de ocorrência obtido por VEJA, um ex-gerente de uma rede varejista alega que uma ex-funcionária, autora de ação trabalhista contra uma varejista em Curitiba, ofereceu 1.500 reais a uma ex-colega de trabalho para mentir em juízo. A mulher mostrou os áudios de WhatsApp com a oferta a um ex-gerente da rede que registrou boletim de ocorrência a respeito.

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Boletim de Ocorrência registra a possível oferta de suborno a testemunhas (documento público/Reprodução)
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O escritório Solon Tepedino Advogados também aparece envolvido em acusações de litigância de má-fé, ou de falsificação de depoimentos e documentos, com reconhecimento pelos juízes. Em um dos cinco processos obtidos por VEJA, o autor da ação e a testemunha foram flagrados mentindo em juízo, e na sentença ambos afirmam que foram orientados pelo advogado. Em outro processo, o autor da ação é um “empregado fantasma”, que trabalharia em duas empresas ao mesmo tempo, sem provas, resultando na constatação de litigância de má-fé.

Outro a ter prática apontada pela Justiça como predatória é o escritório Marcos Roberto Dias Advogados. Foram pelo menos nove casos contra uma mesma varejista, nos quais os juízes identificaram litigância de má-fé ou advocacia predatória.

Só em São Paulo, advocacia predatória gera custo de R$ 1 bilhão ao Judiciário 

Para combater esse tipo de prática abusiva, foram criados em 2021 o Centro de Inteligência do Poder Judiciário (CIPJ) e a rede de Centros de Inteligência do Poder Judiciário. O objetivo é coordenar e orientar o esforço de gestão judiciária contra a judicialização excessiva e diminuir os casos de advocacia predatória. Cada tribunal, com autonomia, pode criar um centro de inteligência interligado ao Conselho Nacional de Justiça. Como resultado dessa diretriz, tribunais estaduais criaram o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede).

De 2022 a maio deste ano, o Numopede da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo recebeu 735 notificações de juízes sobre casos de litigância predatória em processos no estado de São Paulo. De acordo com os dados do Numopede, em processos nos quais os juízes confirmaram a prática, estima-se que a litigância predatória movimente entre 300 mil e 600 mil ações judiciais, gerando um custo superior a 1 bilhão de reais por ano apenas no Judiciário de São Paulo.

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É atacando o bolso dos advogados predatórios que a Justiça vai conseguir combater o problema. No Rio de Janeiro, uma sentença da Justiça do Trabalho extinguiu 18 processos movidos por um único advogado contra varejistas, considerando-os como “advocacia predatória”. O juiz Marcelo Alexandrino da Costa Santos, da 3ª Vara do Trabalho de Nova Iguaçu, aplicou uma multa e honorários de 20% sobre o valor das causas, totalizando mais de 1,7 milhão de reais com base em processos que somam 8,7 milhões de reais. As ações envolviam empresas como Via S.A., Magazine Luiza, Ri-Happy, Companhia Brasileira de Distribuição e Lojas Renner.

O juiz apontou condutas fraudulentas, pedidos repetitivos e altos valores inflados como sinais da advocacia predatória. A decisão também incluiu a notificação de autoridades, como o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho. A luta contra a falsa advocacia precisa se intensificar. 

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