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Investidores acusam assessorias de gerar perdas milionárias com produtos estruturados

Escritórios de agentes autônomos ligados à XP teriam falhado em orientar corretamente os clientes na compra de crédito colateralizado

Por Juliana Machado Atualizado em 5 set 2024, 14h26 - Publicado em 5 set 2024, 13h00

Escritórios de agentes autônomos de investimentos vinculados à XP estão sendo acusados por um grupo de investidores de ofertar produtos financeiros estruturados sem a devida explicação dos riscos envolvidos. A alegação é de houve promessas de retornos associados e operações de venda casada que levaram à perda do capital investido – em algumas situações, até com endividamento junto às empresas donas dos produtos.

Firmas de advocacia estão trabalhando para levar diversos casos à Justiça, envolvendo a XP como assessoria direta, além das casas de agentes autônomos Ável Investimentos, Monte Bravo e Blue3 (leia abaixo o posicionamento dos acusados). O escritório Mortari Bolico reuniu até agora 21 casos com providências jurídicas já tomadas, ou seja, que estão em processo de notificação, já notificados, em ajuizamento ou ajuizados. Nos 21 casos, as alegadas perdas totais dos clientes somam cerca de 24 milhões de reais. Já o escritório Pittelli Advogados trabalha com seis casos, sendo duas ações prontas para ser ajuizadas e quatro em processo de notificação. Nesse grupo, os valores envolvidos são da ordem de 20 milhões.

A reportagem de VEJA teve acesso a notificações, mensagens trocadas entre clientes e assessores e processos em curso que mostram como era feita a venda de Certificados de Operações Estruturadas (COEs) casada com a contratação de empréstimos colateralizados. Esses empréstimos correspondem a transações em que um ativo – o próprio COE, no caso – é dado como garantia para liberação de crédito aos clientes, por meio de Cédulas de Crédito Bancário (CCB). As somas obtidas eram, então, usadas para investir em outros COEs, que geravam mais uma operação de empréstimo – fazendo com que, na prática, o cliente utilizasse um financiamento para investir ou para outros fins, como compra de bens.

A principal alegação dos clientes é que o processo era feito sem explicação adequada sobre o investimento e sem esclarecimentos de como as cobranças dos empréstimos seriam feitas. Nos casos recolhidos pela reportagem, a acusação é a mesma: o assessor vendia a operação de empréstimo, mas informava que a quitação só precisaria ser feita junto ao vencimento do COE – sem deixar claro, porém, que os juros e encargos seriam cobrados anualmente. Os COEs não oferecem liquidez, de modo que os recursos investidos só podem ser acessados no vencimento da operação, em geral no prazo de três a cinco anos. Desse modo, no momento do acerto de contas anual, muitos clientes não dispunham de recursos para pagar os juros, e o COE dado como garantia era, então, liquidado. A “desmontagem” do COE, porém, ocorre com deságio, já que é feita antes do vencimento. Em função disso, a transação, em algumas situações, não cobria todo o saldo negativo – e o cliente passava a dever para a instituição.

“O que vimos é que os assessores prometiam que haveria rentabilidade suficiente do COE para cobrir os encargos do crédito tomado. Só que, para pagar a dívida, o produto precisaria ter o retorno do CDI, o índice que corrige os empréstimos, o que é muito difícil”, afirma Adilson Bolico, advogado do escritório Mortari Bolico. “COE envolve risco, então não tem como garantir rentabilidade suficiente para abater o crédito colateralizado.”

O COE funciona como uma “casca”, dentro da qual diversos tipos de ativos podem ser agregados, razão pela qual é chamado de produto “estruturado”. Quem emite os COEs são os bancos, combinando inúmeros investimentos dentro da “casca”, desde títulos de renda fixa, até ações e ativos de renda variável – sem que o investidor saiba ao certo o que está sendo vendido e com quais taxas. Geralmente, os COEs são distribuídos como um instrumento seguro porque oferecem o chamado “capital protegido”, em que, se houver perdas, o investidor recebe o valor inicial investido de volta. Isso acontece, porém, sem qualquer correção pela inflação – o que pode levar os recursos do investidor, na prática, a perderem valor no tempo.

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“A forma alavancada de venda desse produto é nefasta, sobretudo quando afirmam que a rentabilidade é suficiente para pagar o empréstimo, que essa dívida vencerá junto com os COEs e sem informar que os juros correm e são demandados anualmente”, afirma Sergio Pittelli, do Pittelli Advogados.

OS CASOS

VEJA ouviu três ex-clientes da Ável, a principal citada pelos escritórios de advocacia, sobre a prática de vendas de COE com crédito colateralizado. Um ex-cliente da assessoria, que pede para não ser identificado, conta que detinha 1 milhão de reais quando recebeu a indicação de concentrar todos os recursos em um COE e que havia a possibilidade de dobrar esses recursos com uma alternativa dada pela XP. “O assessor me pediu para aceitar as condições no aplicativo e me informou que o retorno do COE seria de 18% ao ano, com pagamento ao final do investimento. Então, investi 2 milhões”, alega.

Depois, o assessor indicou um investimento de mais 300 mil reais em um COE com 16% de retorno, neste caso com todos os recursos vindos de empréstimo. Mais tarde, o mesmo assessor informou que uma “operação exclusiva” havia “voltado”, informando que o cliente “coloca um valor e recebe o mesmo valor de volta, mas em um COE diferente”, desta vez com rendimento de 18% ao ano. Em todos os casos, os valores adicionais se referem à contratação de crédito colateralizado – e as rentabilidades, na verdade, não podem ser garantidas. “Só depois eles me informaram e eu fui entender que se tratava de um empréstimo, uma alavancagem. Ninguém me explicou isso”, afirma o investidor. “Fui muito bobo de simplesmente assinar e dar as autorizações que me pediram para liberar as operações, mas eu confiei no assessor.”

O caso é semelhante ao do empresário Raphael Lombardi. Na troca de mensagens com o assessor, ele é convidado a aproveitar a oportunidade de investir acima de 1 milhão de reais em uma operação estruturada que “recebe 100% de crédito”, sendo que “o crédito se paga só com o valor investido”. Lombardi investiu, então, em duas CCBs com COEs dados como garantia, sendo um título de 2 milhões de reais e outro de 3 milhões de reais, cujos fluxos de pagamento indicavam o acerto apenas no quinto ano. Os empréstimos, porém, geraram cobranças de cerca de 600 mil reais só no primeiro ano – e, desde janeiro de 2023, os COEs começaram a ser liquidados para pagar a dívida que se avolumava.

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“O assessor havia me dito que ‘resolveria’ isso porque outros clientes estavam com o mesmo ‘problema’. Foi como ele descreveu. Eu pedi que me ajudassem e eles pediram que eu aguardasse, mas a resposta não veio”, afirma. “Não passou pela minha cabeça que eu teria que arcar com quaisquer juros, não foi a informação que me foi dada.” Hoje, Lombardi tem um saldo devedor de 3 milhões de reais em aberto na plataforma da XP.

O farmacêutico Onassis Caetano também relata problemas envolvendo o uso de crédito colateralizado. Ele conta que procurou uma assessoria de investimentos para auxiliar na elaboração de uma carteira, e chegou à Ável pelas redes sociais. A princípio, a carteira elaborada foi diversificada. Quando manifestou o desejo de retirar uma parcela dos recursos para reformar um apartamento, foi apresentado ao COE com a modalidade de crédito colateralizado.

“Me disseram que meu dinheiro aplicado iria render mais do que o juro que a XP iria me cobrar pelo empréstio”, afirma. Caetano também alega que não esperava pelo pagamento de juros anuais e que foi surpreendido pela cobrança do assessor ao final do primeiro ano. “Eu indaguei se não era ao final do período de investimento do COE, em cinco anos, e ele retrucou, dizendo que houve alguma falha de comunicação.” A pedido do entrevistado, os montantes envolvidos nas operações não foram citados.

No caso da Monte Bravo, uma cliente alega que a assessoria administrou a carteira com operações estruturadas complexas, de alto risco e baixa liquidez, inclusive envolvendo COEs. Tais operações teriam sido aprovadas pela cliente via aplicativo a pedido do escritório, sem interação entre as partes ou explicação dos processos, segundo a notificação.

Em relação à Blue3, a acusação também envolve a contratação de crédito colateralizado por meio de COE, em uma interação em que o assessor teria afirmado que a operação cobriria os valores do empréstimo, sem desembolsos adicionais. As aplicações do investidor eram concentradas em investimentos conservadores e moderados, e o assessor teria defendido a transação por ser uma modalidade que dava resultado positivo no final. Mas, o que se viu, foi que incorreu em perdas.

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O QUE DIZEM DO OUTRO LADO

Em nota, a XP afirma que “desenvolveu rigorosos processos” para selecionar e formar “os melhores assessores de investimentos”, além de garantir que os clientes tenham “ciência dos produtos que contratam”. A Ável afirma, também em nota, que tem uma política de compliance e governança criteriosa e preza “pela transparência e profissionalismo” no atendimento aos clientes.

A Monte Bravo declara que a operação referida pela reportagem “foi realizada em outra empresa de investimentos, antes de o cliente estar sob sua assessoria”. A Blue3 diz que “segue rigorosamente a regulação” e exige etapas nas quais apenas os clientes podem realizar o aceite dos termos.

A reportagem procurou também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que afirma em resposta ao e-mail que “acompanha e analisa informações envolvendo o mercado de valores mobiliários, tomando medidas cabíveis, sempre que necessário”, e que não comenta casos específicos.

A seguir, todos os posicionamentos, na íntegra.

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XP

A XP desenvolveu rigorosos processos para selecionar e formar os melhores assessores de investimento e garantir que todos os clientes tenham ciência dos produtos que contratam. Essa dedicação diferencia a XP e impulsiona sua liderança no mercado de assessoria de investimentos com um NPS de marca consistentemente acima de 70. Em casos de eventuais discrepâncias, são adotadas medidas rápidas de diligência, prezando sempre pela transparência na relação com os clientes. Os casos citados já foram avaliados e as respostas dadas aos clientes pelos canais oficiais de atendimento estão em conformidade com a governança e a regulação vigentes no mercado financeiro.

Ável

A Ável Investimentos tem uma política de compliance e governança criteriosa e preza pela transparência e profissionalismo no atendimento aos seus clientes. Os investidores são orientados sempre com base em seu perfil de risco e objetivos individuais, de forma totalmente personalizada e nada é feito sem total alinhamento e consentimento do cliente. Além disso, o time passa constantemente por treinamentos e avaliações para que o atendimento seja do mais alto nível. Todas os casos mencionados estão sendo analisados com rigor e as medidas cabíveis serão tomadas tão logo as apurações sejam concluídas

Monte Bravo

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A Monte Bravo esclarece que a operação referida pela reportagem foi realizada em outra empresa de investimentos, antes de o cliente estar sob sua assessoria. Em 14 anos de atuação no mercado e com mais de 30 mil clientes, a Monte Bravo sempre prezou por um atendimento de excelência, respeitoso e responsável com todos. A corretora reafirma o seu compromisso contínuo em proporcionar a melhor experiência a cada cliente, priorizando um relacionamento de qualidade.

Blue3

A Blue3 Investimentos preza pela transparência de seus serviços ofertados, dando aos interessados todas as informações necessárias de cada investimento, inclusive os potenciais pontos de risco antes mesmo da adesão efetiva do cliente. Ainda, a empresa segue rigorosamente a regulação e exige etapas nas quais apenas os clientes podem realizar o aceite dos termos. A empresa não comenta sobre casos específicos de clientes a fim de resguardar a privacidade dos mesmos.

CVM

A CVM acompanha e analisa informações envolvendo mercado de valores mobiliários, tomando medidas cabíveis, sempre que necessário. Adicionalmente, a Autarquia informa que reclamações e consultas encaminhadas à entidade são devidamente verificadas, recebendo o tratamento adequado. A CVM não comenta casos específicos.

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