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Investidores abandonam o risco, movimento que afeta o mercado e o Brasil

Em meio à instabilidade econômica mundial, eles buscam opções mais sólidas - o que traz uma série de más notícias para a economia

Por Luana Zanobia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h37 - Publicado em 19 jun 2022, 08h00

Os últimos dias trouxeram más notícias para as bolsas de valores pelo mundo. Como não poderia deixar de ser em um mercado de capitais altamente globalizado, o impacto se repetiu no Brasil, mesmo com a privatização da Eletrobras, a maior venda de ações no país em uma década. Por oito dias seguidos o índice Ibovespa fechou em baixa, até a terça-feira 14, com alguma recuperação no dia seguinte. Tal desastre para os investidores havia acontecido pela última vez em setembro de 2015. Naquela ocasião, as justificativas para as seguidas baixas eram creditadas a incertezas políticas e econômicas no país, a expectativas de alta dos juros nos Estados Unidos e a uma apreensão com um desaquecimento da economia chinesa. Os mesmos motivos podem ser transpostos para os dias de hoje. E, como aconteceu há sete anos, uma combinação dessas é um perigo para mercados emergentes, como o brasileiro.

arte bolsa

O temor mais premente, desta vez, girava em torno da decisão dos bancos centrais do Estados Unidos e do Brasil sobre a elevação dos juros para controlar a escalada da inflação nos dois países, marcada para quarta-feira 14. Como todo o mercado já esperava, as duas economias deram mais uma sinalização de que as taxas devem continuar elevadas por tempo mais longo, e talvez com mais intensidade. O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, oficializou um aumento de 0,75 ponto porcentual. Uma alta de juros dessa magnitude não acontecia desde 1994. Era uma indicação de que a autoridade monetária concordava que seria necessário um aperto mais forte, talvez até levar a economia para uma recessão, para segurar a inflação. Poucas horas depois do anúncio do Fed, foi a vez de o Banco Central do Brasil aumen­tar, pela décima primeira vez seguida, a Selic. A taxa subiu 0,5 ponto porcentual, para 13,25%, o seu maior índice desde dezembro de 2016. A instituição ainda alertou que as altas podem não ter chegado ao fim. Grandes bancos e casas de investimentos já cogitam a necessidade de uma Selic em torno de 15% a 16%, para levar a inflação à meta em 2023.

Se, por um lado, essas decisões dos bancos centrais indicam que estão, de fato, empenhados em controlar os preços, há outro grande fator de preocupação. Altas de juros como essas, consideradas muito fortes tanto para a economia americana como para a brasileira, costumam deteriorar as perspectivas de crescimento. Significam um balde de gelo para ambos os países que no primeiro semestre se recuperavam bem, com o consumo em alta, da crise causada pela Covid-19. E ainda provocam uma verdadeira reviravolta nos mercados financeiros.

BAQUE - Fábrica da Tesla recém-aberta no Texas: o valor de mercado da montadora caiu pela metade -
BAQUE - Fábrica da Tesla recém-aberta no Texas: o valor de mercado da montadora caiu pela metade – (Christian Marquardt/Getty Images)
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A alta dos juros nos Estados Unidos causou uma fuga em massa de ativos de risco em todo o planeta, levando os investidores a desencadear uma corrida pela segurança do ganho certo. Afinal, para que correr perigo com o dinheiro atrelado a investimentos que podem perder valor de forma abrupta, se a maior economia do mundo garante pagamento de juros mais altos por meio de seus títulos públicos, considerados o investimento mais seguro do mundo? O resultado é um movimento que os especialistas chamam de fuga para a segurança. “Com o aumento de juros nos Estados Unidos, tende-se a buscar proteção em países cuja economia é estável e em modalidades de investimento de renda fixa, em contraste com as de renda variável”, explica VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios.

Ao fazer esse movimento em bloco, os investidores derrubam o valor de tudo o que tenha um mínimo indicador de risco, causando impactos reais em três grandes esferas — a dos países, a das classes de investimentos e a das ações de empresas. Na primeira delas, as aplicações em países emergentes são drasticamente reduzidas, levando o dólar a se apreciar frente às moedas dessas nações. É uma tendência já verificada no Brasil. O real, depois de se valorizar com o aumento dos preços das commodities decorrente da guerra na Ucrânia, voltou a perder força. Se o dólar rondava, no fim de maio, com a cotação em torno dos 4,7 reais, agora voltou a superar os 5 reais. “O dólar se beneficiará com fluxos de refúgio e a tendência de alta da moeda americana deve prosseguir”, diz Edward Moya, analista de mercado financeiro da corretora Oanda, baseado em Nova York. Outro sinal de que o país se tornou arriscado demais é percebido na B3. Em abril, a bolsa de São Paulo registrou seu primeiro saldo negativo do ano no fluxo de investimentos estrangeiros, após três meses de aporte de dinheiro internacional na esteira da valorização das commodities. Naquele mês, em uma antecipação do que estava por vir, os estrangeiros levaram embora 7 bilhões de reais dos recursos aplicados. Desde então, o que era ruim piorou. Nas duas primeiras semanas de junho, a retirada já foi de 13,7 bilhões de reais.

FRUSTRAÇÃO - Bolsonaro e membros do governo em venda da Eletrobras: o Ibovespa caiu -
FRUSTRAÇÃO - Bolsonaro e membros do governo em venda da Eletrobras: o Ibovespa caiu – (Alan Santos/PR)
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Com o mercado em frenesi, categorias de investimentos de alto teor especulativo, como as criptomoedas, são particularmente afetadas. O bitcoin, a principal delas, já acumula perda de mais de 60% no ano. Depois de bater seu recorde de valor ao atingir 69 000 dólares em novembro do ano passado, era negociada abaixo de 25 000 dólares no início da semana passada. Nesse caso, a perspectiva de alta rentabilidade é sacrificada em nome da menor volatilidade e de maior segurança como proteção contra a turbulência. O mesmo fenômeno é perceptível no mercado de ações. Nos Estados Unidos, com a sombra da recessão pairando no horizonte, instalou-se o que Wall Street chama de bear market (mercado urso), caracterizado por um patamar muito baixo de operação, depois de apresentar queda superior a 20% em relação ao pico mais recente. É o oposto do bull market (mercado touro), de ganhos agressivos, em que os investidores tomam mais risco. Antes de uma leve recuperação na quarta-feira, o S&P 500, índice composto por ações de 500 grandes empresas da Bolsa de Valores de Nova York e da Nasdaq, havia fechado no vermelho por cinco dias conse­cuti­vos, acumulando queda de 21,63% frente ao ponto mais alto de janei­ro. Desde então, a perda foi de 9,3 trilhões de dólares.

Nesse cenário de tons apocalípticos as grandes perdedoras são as empresas com foco em tecnologia e inovação. Durante a pandemia e o bull market que se seguiu a ela, o valor dessas empresas explodiu. Governos despejaram trilhões de dólares nas economias, o que incentivou a busca por negócios com maior capacidade de expansão, em detrimento às empresas de crescimento mais estável. Agora, o dinheiro para tais companhias secou. Os papéis da Netflix e da Meta, dona das redes sociais Facebook, Instagram e WhatsApp, já perderam mais de 50% de valor, em 2022. Outros grandes nomes, como a Tesla, de Elon Musk, e a Amazon, de Jeff Bezos, também sentiram o baque. No Brasil, além da desvalorização das empresas de tecnologia na B3, houve nas últimas semanas demissões em massa em companhias com foco em inovação, como QuintoAndar, Kavak e Loft, entre outras. Para os empregados dessas empresas, para os investidores em tecnologia e para países emergentes, o futuro próximo é preocupante.

Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794

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