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Guerra nos ares

Enquanto Latam, Gol e Azul protagonizam disputa pelo espólio da Avianca, os passageiros ficam com menos opções de voo e veem o preço das passagens disparar

Por Rodrigo Caetano
Atualizado em 17 jul 2019, 17h52 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

Os muitos, milhares de passageiros que tiveram seus voos cancelados pela Avianca Brasil nos últimos meses podem ter sido pegos de surpresa, mas as concorrentes da companhia — Azul, Gol e Latam — sempre estiveram atentas aos problemas financeiros que vinham, desde o fim de 2018, minando o vigor daquela que foi, até outro dia, a empresa aérea mais moderna e confortável em operação no país. E, desde que a companhia entrou em recuperação judicial, em dezembro, elas vêm usando todas as armas — as legítimas, e algumas nem tanto — para conseguir a parte mais lucrativa do espólio da Avianca brasileira. A companhia, que co­meçou a voar em 1998 com o nome OceanAir, chegou a ter uma frota de quarenta aeronaves, porém hoje nem pode usar as seis que lhe restaram, pois a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu sua operação há duas semanas. A Azul enxerga na crise da rival a oportunidade que sempre quis de entrar em Congonhas, o aeroporto mais lucrativo do Brasil (sua base fica em Viracopos, Campinas, a 100 quilômetros do centro de São Paulo). Já a Gol e a Latam almejam consolidar seu domínio no mercado de aviação comercial do país, sem o incômodo de uma impertinente adversária. Enquanto isso, as autoridades observam a guerra de longe, preocupadas com uma possível diluição de concorrência, que pode se traduzir no pior dos cenários para os passageiros: o aumento no preço das tarifas aéreas. Não é, nem de longe, um temor infundado — desde março, quando a Avianca parou de operar na rota São Paulo-Fortaleza, por exemplo, o preço do bilhete já teve um aumento de 64%. “A saída da empresa é, claramente, o motivo para a subida recente do valor das passagens”, diz Juliana Vital, gerente-geral do site de comparação de preços Voopter.

A derrocada da Avianca gerou a expectativa de que a Azul ocuparia o vácuo deixado por ela, mantendo, dessa maneira, o perfil de competição até então vigente na aviação civil nacional. Somadas, Azul e Avianca detinham há dois meses uma fatia de aproximadamente 30% do mercado. Gol e Latam, por sua vez, transportam quase 60% dos passageiros no país. Assim, não causou nenhuma estranheza quando as duas primeiras companhias assinaram um acordo de compra e venda que envolvia o repasse de trinta aeronaves e de todos os slots — as janelas de pouso e decolagem — disponíveis em Congonhas, que seriam assumidos pela Azul ao valor de 105 milhões de dólares. O negócio seria sacramentado em 5 de abril, data da assembleia de credores que definiu o plano de recuperação judicial da Avianca Brasil. Isso mesmo: “seria”. Dias antes, no entanto, entrou em cena um novo personagem: o fundo americano Elliott Management.

FIM MELANCÓLICO – Os últimos dias da Avianca Brasil tiveram protesto em Congonhas (SP) por falta de pagamento e por insegurança (Zanone Fraissat/Folhapress)

Caracterizado como “fundo abutre” — vale dizer, especializado em companhias à beira da falência —, o Elliott foi reconhecido pela Justiça como credor da Avianca. Seus créditos somariam cerca de 2 bilhões de reais, o equivalente a 70% de toda a dívida da companhia. Nessa condição, de principal credor da empresa, o Elliott se tornava o dono da maior parte dos votos da assembleia destinada a bater o martelo no plano de recuperação judicial da Avianca. Diante desse cenário, Latam e Gol decidiram ignorar o acordo entre Azul e Avianca e apresentaram uma oferta alternativa diretamente ao Elliott, que, afinal, havia adquirido o poder de decidir o futuro da falida empresa. A proposta: dividir a Avianca em sete fatias, chamadas no jargão jurídico de Unidades Produtivas Isoladas (UPIs), e levá-las a leilão separadamente, como mandam as regras da recuperação judicial. Latam e Gol se comprometiam a desembolsar, cada uma, 70 milhões de dólares por um desses sete pedaços. O pulo do gato estava na escolha de slots estratégicos que impediam a Azul de encadear voos seguidos em Congonhas, acabando com a viabilidade econômica de sua operação. Na Justiça, os credores acusaram o Elliott de fazer um movimento ainda mais controverso: acertar com Latam e Gol o pagamento adiantado de 35 milhões de dólares de cada uma para que o fundo abutre recusasse na assembleia da recuperação judicial o plano original da Azul. As empresas negam as acusações, mas o leilão das UPIs marcado para o início de maio foi suspenso pelo desembargador Ricardo Negrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e os envolvidos aguardam agora uma decisão.

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Nos bastidores, vários credores da Avianca Brasil apontam outros problemas relacionados ao Elliott. Eles afirmam que a maior parte dos créditos devidos ao fundo não tem origem na companhia aérea e sim em outros negócios dos irmãos José e Germán Efromovich, donos do Grupo Synergy, com braços na construção naval e na aviação. Os documentos que comprovariam a natureza da dívida são confidenciais. Contudo, é consenso entre credores que quem deve ao Elliott, na verdade, são os estaleiros Eisa e Mauá — ambos do Rio de Janeiro —, além da Avianca Colômbia, que, apesar do nome e de ter os mesmos proprietários, é uma empresa independente da brasileira. “Nenhum centavo desses 2 bilhões de reais entrou na Avianca Brasil”, afirma John Rodgerson, presidente da Azul. Caso a Justiça não mude a decisão de reconhecer a legitimidade da dívida, os credores nada terão a fazer a não ser ver o Elliott receber o que lhe seria devido antes de todos. “Não vai sobrar nada para os demais credores”, reclama um dos advogados envolvidos. A Avianca e o fundo não responderam aos pedidos de esclarecimento de VEJA.

Em meio a tantas idas e vindas, e animada pela suspensão do leilão, a Azul tentou uma nova investida: solicitou à Justiça a criação de uma oitava UPI que contenha 21 slots nos aeroportos de Congonhas, Santos Dumont e Brasília, pela qual pagaria 145 milhões de dólares. Na terça-feira 28, o juiz responsável pela recuperação judicial concluiu ser inviável analisar o pedido da Azul enquanto não for tomada a decisão a respeito do leilão que corre em segunda instância. “O fato é que nós queremos colocar recursos na empresa para que os funcionários mantenham seus empregos e a ponte aérea continue com o mesmo número de concorrentes, enquanto eles (Latam e Gol) querem ficar sozinhos na rota”, diz Rodgerson.

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A questão pode ter sua temperatura elevada em breve por dois motivos. O primeiro deles é que está em curso um processo que deve resultar na formação de três grandes grupos multinacionais — capitaneados por American Airlines, United e Delta, todas americanas —, que irão controlar a quase totalidade dos voos nas Américas. A principal arma nessa batalha é conhecida como Joint Business Agreement (JBA), um modelo que permite às companhias aéreas atuar como se fossem uma mesma organização, sem alteração no controle acionário. Em dezembro de 2018, a United assinou o mesmo tipo de acordo com outras duas companhias aéreas latino-americanas: Copa Airlines e Avianca Colômbia. Desse modo, as duas empresas passaram a coordenar os horários e a definir em conjunto os preços das suas passagens. E a Gol já negocia um arranjo semelhante com a Delta.

A outra razão para que ocorra uma agitação no mercado da aviação civil brasileiro decorre da aprovação pela Câmara, na terça-feira 21, de uma medida provisória, a MP 863/18, editada pelo governo Temer, que autoriza até 100% de capital estrangeiro nas empresas aéreas nacionais. A medida pode dar uma injeção de capital nas companhias brasileiras. “Vai depender do apetite das empresas americanas ou europeias”, acredita o piloto e especialista no setor aéreo Marcio Peppe, sócio da consultoria KPMG no país. A fraca recuperação econômica do Brasil, entretanto, enevoa o horizonte. Por que investir em novos voos se a demanda seguir fraca? Para os interessados — as aéreas e, claro, os passageiros, que, com uma legítima guerra entre concorrentes, se beneficiariam da redução no preço das tarifas —, o melhor é que o país cresça.

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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