Governantes populistas: os inimigos do investimento
Mesmo com os exemplos desastrosos do passado, eles insistem em confrontar as regras contratuais de concessões para agradar a eleitores
Após a queda da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), imaginou-se que o período das canetadas irresponsáveis tivesse acabado. O nó dado no setor elétrico, o corte compulsório dos juros bancários que levou a uma posterior disparada e o represamento dos preços de combustíveis transformado em “tarifaço” poucos anos depois pareciam ter educado a classe política. Medidas autoritárias, que põem os empresários e investidores contra a parede, têm curta duração, e a reação provoca um impacto no mínimo de igual magnitude. Aparentemente, alguns governantes brasileiros ainda acreditam nesse tipo de artimanha para iludir seus eleitores. Há duas semanas, dois membros do governo estadual do Rio de Janeiro receberam uma visita de representantes da USTDA, a agência americana de desenvolvimento de comércio. E o que era para ser uma apresentação a potenciais investidores se tornou uma cena de constrangimento explícito. Na imponente sala de reuniões para trinta pessoas do Palácio Guanabara, o vice-governador, Cláudio Castro, e o secretário de Desenvolvimento, Lucas Tristão, ouviram em alto e bom som de Thomas Hardy, diretor-geral da USTDA, que o Rio não é um lugar confiável para investir. O motivo: a tentativa do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) de arrancar a concessão da Linha Amarela da empresa Lamsa. Hardy e sua comitiva, obviamente, sabiam que o comando da prefeitura guarda pouca ou nenhuma relação com o governo do estado. Mas fizeram questão de demarcar que a insegurança jurídica no Brasil, aliada ao populismo barato de alguns governantes, continua sendo uma ameaça e que isso afugenta os tão preciosos dólares de investidores internacionais.
Crivella tentou, por três vezes ao longo do ano passado, tomar a concessão da Linha Amarela. Sem justificativa válida. Ele alega que o contrato onera os motoristas cariocas excessivamente. A Lamsa cobra, respaldada pelo edital de licitação de 1994, 7,50 reais por sentido da via. O valor carrega a inflação acumulada em 26 anos, desde a concessão — na celebração do contrato, a tarifa era de 1,20 real. Nas contas do prefeito, o pedágio poderia muito bem ser cobrado a 2 reais, valor que, para ele, seria suficiente para manutenção e investimentos na via, de pouco mais de 17 quilômetros. No entanto, há um contrato firmado e as previsões legais para seu rompimento. A cidade do Rio, que não tem dinheiro nem para pagar em dia a seus servidores, teria de indenizar a concessionária. A Justiça derrubou todos os decretos e a lei que fora aprovada na Câmara municipal às pressas para romper o contrato. Em uma manifestação contra a operadora da concessão, Crivella pilotou uma retroescavadeira e chegou a danificar algumas das cabines de cobrança da Lamsa. O caso está no Supremo Tribunal Federal aguardando julgamento, e o prefeito deve enfrentar nova derrota. A cassação do contrato por projeto de lei é simplesmente inconstitucional, segundo advogados especializados consultados por VEJA. Seria surpreendente uma decisão favorável ao prefeito no STF.
O caso do Rio não é um fenômeno isolado. Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado (DEM) busca a todo custo retirar da Enel o contrato de concessão de distribuição de energia do estado. A empresa, de origem italiana, foi a única a se candidatar ao certame, realizado há três anos. Agora, Caiado pressiona a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a cancelar a concessão, sob o argumento de falta de cumprimento de obrigações. Não é bem assim. Antes da Enel, quem realizava o fornecimento de eletricidade era a estatal Celg, subsidiária da Eletrobras. Por uma década, a Celg foi eleita a pior distribuidora do país. Desde a concessão, a frequência e a duração dos episódios de interrupção no fornecimento caíram, respectivamente, 43% e 22%. Para o governador, entretanto, não é o bastante.
Concessões são formas complexas de o poder público contratar serviços privados. Mas também são as mais eficientes. De fato, cláusulas mal formuladas podem ser exploradas pelas concessionárias para aumentar sua lucratividade. Foi o que permitiu à Lamsa reajustar suas tarifas e receber 1,6 bilhão de reais entre 2004 e 2018. Contudo, contratos devem ser cumpridos, e não rasgados. Irregularidades precisam ser investigadas para, quando comprovadas, levar a revisões ou cassações — e também à punição dos responsáveis. Não cabe aos governantes quebrar unilateralmente a relação entre o poder público e a iniciativa privada em rompantes claramente populistas e que trazem desconfiança aos investidores.
Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674