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Fusões e aquisições de empresas aceleram no segundo semestre

Uma conjunção de fatores cria janela de oportunidade para a consolidação de empresas em meio às mudanças provocadas pela pandemia do coronavírus

Por Felipe Mendes Atualizado em 4 jun 2024, 14h47 - Publicado em 23 out 2020, 06h00

A pandemia do novo coronavírus trouxe fortes emoções aos especialistas no ramo de fusões e aquisições empresariais. Com a parada forçada da economia e com o mercado de capitais em parafuso no segundo trimestre, os processos que estavam em andamento foram imediatamente congelados sem perspectiva alguma do que poderia acontecer a seguir. Passado o momento mais sombrio, o que se viu foi uma disparada no volume de transações, que surpreendeu até mesmo os mais otimistas. De janeiro a setembro, 862 processos de compras e fusões foram assinados no país, segundo a consultoria KPMG. É pouco menos do que o registrado no mesmo período do ano passado no Brasil: 879. Com uma taxa básica de juros ao menor nível histórico e uma agenda robusta de aberturas de capital na bolsa de valores, o Brasil tem se firmado como um bom lugar para fazer negócios. Mais que tudo, porém, a crise gerada pela pandemia trouxe oportunidades únicas para quem tem caixa.

A tendência projetada por especialistas do ramo é que 2020 termine praticamente empatado com os 1 231 negócios realizados em 2019 — o que já é um feito notável, dada a média dos últi­mos cinco anos, de 908 operações a cada doze meses. “Temos visto um crescimento sólido de consolidações nos últimos meses, uma surpresa se levarmos em conta o baque do início da pandemia”, diz Alexandre Barreto, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão antitruste do país. Bastante afetados pelo isolamento social, dois gigantes do ramo de locação de veículos, a Localiza e a Unidas, anunciaram, em setembro, uma fusão que vai criar uma empresa avaliada em 50 bilhões de reais. Nos próximos meses, também vai se definir a mais ruidosa venda da temporada. A Oi, em recuperação judicial, negocia os seus ativos em fatias. A divisão de telefonia móvel recebeu proposta conjunta de Vivo, Claro e TIM no valor de 16,5 bilhões de reais. Já a área de fibra óptica, avaliada em mais de 25 bilhões de reais, deve ser disputada por fundos de investimentos e pelo banco BTG Pactual.

Em meio à pressão por inovação, empresas já sólidas buscam absorver a capacidade tecnológica de startups. A tradicional fabricante de motores catarinense Weg e a empresa de internet Locaweb, por exemplo, fizeram diversas compras de pequeno porte. Não à toa, as empresas de tecnologia são as que mais têm se destacado nessas operações em 2020. Elas representam 44% de todas as transações até setembro. “A pandemia acelerou transformações que demorariam muito para acontecer, principalmente na logística e no varejo”, analisa Luis Motta, sócio da consultoria KPMG. “Não há alternativa hoje a não ser inovar. E isso passa por soluções criadas por startups.” O aumento da concorrência nos serviços financeiros, a proposta do Banco Central para a criação do PIX (o sistema de pagamentos instantâneos) e o open banking também impulsionaram a tendência. Uma das transações que agitaram o mercado financeiro foi a compra da corretora Easynvest pelo banco digital Nubank.

Traço comum a parte das fusões de 2020 é a capitalização dos compradores na bolsa de valores. Até o momento, 38 companhias realizaram oferta inicial de ações ou emissão secundária de ações, levantando aproximadamente 94 bilhões de reais. A injeção no caixa permite estratégias de crescimento mais agressivas, quase sempre por meio de um roteiro de compras. “Com a taxa de juros ao menor nível histórico e o real desvalorizado, as empresas brasileiras ficaram baratas para os estrangeiros”, diz Felipe Argemi, CEO da consultoria Santis.

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No mundo dos negócios, a frase the winner takes it all (o vencedor leva tudo, em tradução livre) nunca esteve tão atual como no Brasil durante a pandemia. A consultoria Alvarez & Marsal calcula que o número de pedidos de recuperação judicial fique entre 2 500 e 3 000, em um retrato de doze meses a partir de março. Tal fenômeno amplia as vantagens das corporações de caixa robusto. “As empresas em dificuldades conseguem vender seus ativos sem nenhum tipo de judicialização, como problemas trabalhistas ou tributários”, diz Carlos Priolli, sócio-diretor da Alvarez & Marsal. “É uma boa oportunidade de negócio para o comprador.”

Os setores em destaque na onda de aquisições são os de saúde, educação, energia, construção, serviços financeiros, logística e infraestrutura. Pelo menos duas dessas áreas, logística e infraestrutura, fazem parte do plano de desestatização do governo federal, que deve ganhar tração com o novo marco legal do saneamento básico e a Nova Lei do Gás. O governo tem em sua carteira ativos preciosos como os Correios e a Eletrobras, contratos de óleo do pré-sal e regiões portuárias. No último dia 14, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, entregou ao Congresso um projeto de lei para retirar o monopólio dos Correios no serviço postal, o que abre caminho à oferta de serviços privados no setor. Entre os interessados na estatal estão gigantes internacionais como FedEx, DHL e Amazon, e os brasileiros Magazine Luiza e JSL. “Vemos muitas vantagens em passar esse serviço para a iniciativa privada, mas o processo não é simples. Temos de garantir que os serviços essenciais continuem sendo prestados à população”, afirma a secretária especial do Programa de Parcerias e Investimento (PPI), Martha Seillier. Mesmo que trabalhosa, a venda dos Correios deve ser acelerada. A janela de oportunidade para que aconteça está dada e é justamente a movimentada temporada de compra de empresas no país.

Publicado em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710

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