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Fundos multimercado lutam para se diferenciar e entregar lucros para sair da má fase

Só no ano passado, a retirada de recurso desse tipo de investimento beirou os R$ 350 bilhões, a maior cifra da série histórica iniciada em 2006

Por Juliana Machado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 fev 2025, 06h00

No mercado financeiro, o ano de 2024 foi, para uns, um período de alegrias e, para outros, um verdadeiro massacre. Se os juros altos no Brasil serviram de trampolim para os lucros de diversos ativos de renda fixa, o mesmo não se pode dizer de produtos que oferecem um risco maior, como os fundos multimercado. Com estratégias flexíveis, eles não chegam, em geral, a ter a mesma volatilidade do mercado de ações, mas nem por isso foram poupados. A sangria de dinheiro desses produtos foi inédita em 2024 — e tem tudo para continuar perturbando os gestores em 2025.

Tiago Sant’Anna, da gestora Absolute: estar perto do investidor é a receita para enfrentar crises
Tiago Sant’Anna, da gestora Absolute: estar perto do investidor é a receita para enfrentar crises (Rogerio Vieira/Valor/Agência O Globo/.)

A retirada de recursos dos fundos multimercado em 2024 beirou impressionantes 350 bilhões de reais, a maior cifra da série histórica iniciada em 2006, segundo dados apurados pela entidade reguladora Anbima. Trata-se também do pior resultado entre todas as categorias de fundos e muito inferior ao desempenho dos fundos de ações, nos quais as saídas chegaram a cerca de 12 bilhões de reais. O movimento é uma resposta à experiência negativa que os cotistas dos fundos vêm tendo nos últimos anos. No topo da insatisfação estão os retornos magros da indústria de multimercado na comparação com o CDI, indicador que serve de referência para o segmento e que baliza a indústria brasileira de investimentos. “O que explica a saída de recursos dos multimercado em 2023 e 2024 é basicamente a performance”, afirma Pedro Rudge, diretor da Anbima e sócio da gestora Leblon Equities. “Em momentos de estresse, o investidor fica ainda mais afoito e com menos paciência para ver os resultados, preferindo alternativas em que ele se sente mais seguro e enfrentando menos volatilidade.”

O trabalho do gestor de um multimercado é superar o indicador de referência em qualquer cenário, e isso é essencial para reter o cotista do fundo. Mas é fato que um mercado com alta demanda por ativos de maior risco beneficia produtos com maior grau de volatilidade. E, nesse quesito, alguns fatores podem contar a favor dos multimercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado saiu de uma extrema ansiedade com a imposição de tarifas comerciais pelo presidente Donald Trump para uma percepção menos hostil, após os anúncios serem recebidos com um tom menos belicoso do que se esperava. Além disso, os juros americanos — a principal bússola para o fluxo de recursos globais — não devem subir a princípio, mesmo que fiquem em nível restritivo, diante de uma inflação que deve convergir para a meta.

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No âmbito doméstico, a batalha fiscal do governo, muito mal avaliada pelos participantes do mercado financeiro, já está “precificada”, enquanto o alívio no dólar e a política monetária apertada, dois fatores que ditam o ritmo da inflação, abrem espaço para que o investidor comece a vislumbrar, ao longo do ano, o fim do ciclo de alta da Selic. “Em maio, olharemos para o primeiro trimestre e, com a atividade mais fraca, após o Banco Central ter feito os aumentos de juros, a bolsa poderá antecipar a perspectiva de corte da Selic em 2026”, afirma Fabio Guarda, gestor e sócio da Galapagos. “Isso abre espaço para os ativos de maior risco andarem.” Guarda reforça, porém, que esse cenário tem fragilidades e, assim como aconteceu em 2024, o ambiente complexo pode levar muitos gestores a errar nas premissas de investimentos e saírem da rota. “É um movimento que começamos a ver, é preciso ter cuidado.”

A aversão ao risco, que drenou recursos de produtos mais voláteis ao longo de 2024, não perdoou nem mesmo o fato de que, na média, a rentabilidade dos fundos multimercado não ficou entre as piores no ano passado em comparação com outros indicadores. Isso porque, para o investidor, a conta é considerada simples: não há motivo para ficar em um produto mais caro se os retornos estão proporcionalmente pequenos. Os custos dos multimercado são considerados salgados ao combinarem uma taxa de administração de 2% ao ano com uma taxa de performance de 20% sobre o lucro gerado, além dos impostos.

Carlos Woelz, da Kapitalo: o investidor deve olhar para o longo prazo ao aplicar em multimercado
Carlos Woelz, da Kapitalo: o investidor deve olhar para o longo prazo ao aplicar em multimercado (Silvia Zamboni/Valor/Agência O Globo/.)
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No mercado financeiro, porém, tudo é relativo — e pagar por uma boa gestão deve fazer parte do jogo. “Uma estrutura competitiva precisa remunerar bem seus profissionais”, afirma Carlos Woelz, sócio da gestora Kapitalo. “O curto prazo tem muito ruído. No longo prazo, que é para onde o investidor deve olhar, isso vira retorno, sendo um bom fundo. A verdade sempre aparece.” O principal multimercado da Kapitalo, o Zeta, teve um retorno em linha com o CDI em 2024, mas superou o indicador em cinco anos e acumula ganhos expressivos de 562% desde seu início, em 2010, ante 267% do benchmark. Woelz vê luz no fim do túnel. Não é de uma hora para outra que os fundos multimercado deixarão de enfrentar dificuldades, mas, após dois anos de saídas dos investidores mais frustrados, a situação pode no futuro próximo ganhar outros contornos. “O que precisa ser feito é entregar resultado. É simples.”

Na disputa pelo dinheiro, os fundos multimercado também perderam espaço para produtos com isenção de imposto para pessoas físicas, como as debêntures incentivadas, títulos de dívida emitidos por empresas para financiar obras de grande porte, e os fundos de infraestrutura, que compram títulos de natureza semelhante — em geral, as próprias debêntures com incentivo. “Os produtos isentos continuam atraindo bastante dinheiro”, afirma Rudge, da Anbima. “Continuaremos a ver essa migração de recursos, mas talvez não na mesma magnitude do passado.”

Pedro Rudge, da Anbima: a competição ficou mais acirrada com produtos isentos de imposto
Pedro Rudge, da Anbima: a competição ficou mais acirrada com produtos isentos de imposto (Leo Pinheiro/Valor/Agência O Globo/.)
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Além da busca incessante pelo lucro, a moeda de troca básica para o investidor permanecer em um produto, há outras estratégias adotadas pelas gestoras de recursos para enfrentar o desafio da saída em massa de capital de seus produtos. Entre elas está o chamado “passivo diversificado”, que significa ter uma base de cotistas diversa, em origem e tamanho, para que os bolsos não se esvaziem ao mesmo tempo em momentos sensíveis de mercado. Com isso, é possível abordar e atender cada tipo de cliente de forma mais assertiva e, assim, acalmar o nervosismo. “Estamos passando por um momento desafiador, mas você não se prepara para isso na hora que acontece, e sim antes”, afirma Tiago Sant’Anna, diretor da Absolute Investimentos. “Não adianta colocar o cadeado no portão quando o ladrão já entrou na casa.”

arte fundos multimercado

Na Absolute, além do cuidado com o passivo, a internacionalização foi um passo importante para gerar retornos e entregar lucros consistentes no longo prazo no Brasil. “Vejo esses movimentos de mercado com naturalidade, porque toda a indústria tem seus ciclos”, diz Sant’Anna. O Vertex, o multimercado mais famoso da casa, teve um desempenho levemente abaixo do CDI em 2024, mas foi muito melhor que o benchmark em cinco anos — e rendeu 238% desde sua estreia, em 2015, ante 139% do indicador. Em um momento de desafios para reter investidores, a saída para os multimercado se resume a uma coisa: lucrar mais.

Publicado em VEJA, fevereiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 11

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