Fantasma da recessão assombra países ricos e traz oportunidade para Brasil
Ao fazer a lição de casa, o país pode se tornar um porto seguro para investimentos
A história ensina que, de tempos em tempos, a economia global obrigatoriamente enfrentará algum tipo de solavanco. Nos últimos 150 anos, conforme estudo realizado pelo Banco Mundial, o planeta enfrentou catorze recessões que, em maior ou menor grau, provocaram estragos na vida de milhões de pessoas. A última delas ocorreu em 2020, quando a pandemia devastou os PIBs de quase todos os países. Em 2023, embora os sinais não sejam definitivos, o temor de uma nova crise ressurgiu. Indicadores recentes mostram a inquestionável contração da Zona do Euro — do ponto de vista técnico, o Velho Continente já está em recessão, com o PIB encolhendo no quarto trimestre de 2022 e no primeiro de 2023. Por sua vez, os Estados Unidos sofreram forte desaceleração nos primeiros meses do ano e não há indícios de que possa virar o jogo tão cedo. Na ex-pujante China, a atividade surpreendentemente fraca revela que o velho vigor não se repetirá, e não há nada muito inspirador vindo do restante da Ásia, que apresenta um crescimento anêmico de forma quase generalizada.
Diversos fatores podem levar ao enfraquecimento da economia global. Em geral, as grandes crises estão associadas a eventos de colossal dimensão — como foi o caso da Covid-19 — ou se manifestam em períodos marcados por guerras entre nações, desarranjos inflacionários ou o colapso de algum setor econômico. Em 2023, a maior parte desses complicadores está presente. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra em curso marcam o conflito militar mais mortífero na Europa desde a longínqua II Guerra Mundial. De seu lado, a inflação indomável, apesar das altas de juros pelos diversos bancos centrais, desajustou as cadeias produtivas, enquanto a crise bancária, que fez sucumbir uma instituição centenária como o suíço Credit Suisse, mostrou ser potencialmente perigosa para o sistema financeiro mundial. Não à toa, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alerta para um modesto crescimento global de 2,7% em 2023, abaixo da média registrada na década que antecedeu a pandemia.
Entre todos os elementos que ameaçam a economia global, a inflação é, de longe, o mais problemático. Para contê-la, os bancos centrais recorrem à clássica fórmula de aumento de juros, o que inevitavelmente leva à contração econômica. Nesse contexto, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, declarou, para surpresa de ninguém, que não tem intenções de interromper o ciclo de aperto monetário iniciado em 2022. “É improvável que, em um futuro próximo, o banco central possa afirmar com total confiança que as taxas de pico foram atingidas”, disse. Em outras palavras: as taxas seguirão elevadas e, portanto, a economia dificilmente destravará.
Por sua vez, os Estados Unidos optaram por uma “pausa estratégica” no aumento dos juros após uma série de quebras de instituições bancárias no país, mas ela será apenas temporária. O Fed, o banco central americano, anunciou que ao menos duas altas deverão ocorrer até o fim do ano, e seu presidente, Jerome Powell, não despreza a chance de uma recessão. “Não é provável, mas é certamente possível”, disse ele. Seja como for, a verdade é que as perspectivas de um afrouxamento monetário em larga escala são remotas. “A era das taxas muito baixas chegou ao fim, e taxas mais altas já resultaram em uma série de colapsos”, constatou o Fórum Econômico Mundial em recente relatório.
Do outro lado do globo, a China tem frustrado as expectativas. Apesar de não enfrentar problemas inflacionários nem taxas de juros elevadas, o país testemunha a desaceleração da atividade econômica desde o ano passado. Em 2022, o PIB chinês cresceu 3%, o segundo pior resultado em quase cinquenta anos. Os lockdowns definidos pela política de Covid Zero, o declínio do mercado de imóveis residenciais, as secas prolongadas e o consumo interno modesto explicaram o resultado. Em 2023, as expectativas de uma rápida retomada não se concretizaram. Recentemente, a agência de classificação de risco S&P Global reajustou para baixo a projeção de crescimento do PIB chinês, que agora está em 5,4% — nada muito extraordinário, reconheça-se, perto do que o país já foi capaz de fazer no passado recente. “Embora o ambiente geopolítico tenha mudado, os fatores internos são os principais impulsionadores da desaceleração da China”, afirma Fabiana D’Atri, economista do Bradesco Asset Management e especializada no mercado asiático.
Não há consenso sobre a intensidade ou duração da crise. “Provavelmente, estamos enfrentando uma recessão global”, afirma o especialista no sistema monetário global James Rickards, autor de celebrados best-sellers na área. De acordo com uma pesquisa global realizada pelo Fórum Econômico Mundial, 45% dos entrevistados consideram a recessão provável, enquanto exatamente o mesmo número de respondentes acha que ela não se manifestará em 2023 ou 2024. A verdade é que o cenário atual é marcado por muitas incertezas, o que muitas vezes confunde os próprios especialistas. Até elas se dissiparem, haverá dúvidas sobre os rumos que a economia global tomará nos próximos meses.
Uma das poucas certezas dos especialistas diz respeito ao desempenho da economia brasileira. Por mais surpreendente que possa parecer, o Brasil está na contramão do processo de encolhimento econômico mundial. Por aqui, o ciclo de alta de juros provavelmente chegou ao fim e importantes iniciativas como a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária deverão criar as condições necessárias para o país crescer com mais força. Também é preciso dizer que os problemas disseminadas pelo mundo reduziram as opções de investimentos — é sempre mais arriscado injetar dinheiro onde há crise — e o Brasil, nesse cenário, tornou-se um porto seguro para a destinação de recursos. Não à toa, no primeiro semestre de 2023 os investidores estrangeiros aportaram 17 bilhões de reais na B3, a bolsa brasileira. Uma velha máxima econômica diz que crises sempre trazem oportunidades. Talvez tenha chegado a hora de o Brasil capturá-las.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849