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Facebook cria ‘tribunal’ internacional para casos controversos

A empresa quer melhorar sua imagem em ano eleitoral nos Estados Unidos

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 Maio 2020, 12h09 - Publicado em 15 Maio 2020, 06h00

A discussão é antiga e, verdade seja dita, inseparável da própria internet: quais limites devem ser impostos às redes sociais? O pano de fundo da questão é a privacidade dos usuários, cujos dados são acessados em diferentes níveis pelas empresas que gerenciam as contas e perfis abertos por eles. E no centro da cena desse debate está a pergunta: quem ficaria incumbido de regular as tais companhias responsáveis pelas redes? O Facebook encontrou sua resposta — e ela não passa por nenhum tipo de órgão governamental. Cumprindo uma promessa feita por seu CEO e cofundador Mark Zuckerberg, a rede social apresentou parte do time de especialistas que vai compor o Comitê de Supervisão, uma espécie de corte suprema, de STF, para atuar em casos polêmicos e com autoridade acima até mesmo dos acionistas.

Concebido como um órgão independente, o comitê recebeu do Facebook investimentos de 130 milhões de dólares. Para ele poderá apelar qualquer usuário a respeito, por exemplo, da remoção ou recolocação de posts na rede e no Instagram (não vale para o Whats­App, pois as mensagens lá trocadas são criptografadas). A iniciativa deve reverberar no debate de políticas públicas em Washington e marcar um divisor de águas no Vale do Silício, onde gigantes como Amazon, Apple e Google — além, é claro, do próprio Facebook — têm evitado a todo custo qualquer controle, pelos governos, que engesse seus negócios.

No caso da empresa liderada por Zuckerberg, o projeto do comitê deve ser encarado como parte da estratégia de recuperação de sua imagem na sociedade, encurralada pelos problemas acarretados depois que veio à tona, em 2018, o escândalo Cambridge Analytica, que apontou o uso indevido, pela companhia britânica, de dados de até 87 milhões de usuários da rede social para influenciar a corrida presidencial americana de 2016 que acabou levando Donald Trump à Casa Branca. Só para lembrar: neste ano haverá novo pleito, e Trump concorrerá.

BRASILEIRO - Ronaldo Lemos, que está no grupo: atuação em direito digital (Sikarin Fon Thanachaiary/WEF/Divulgação)

Além disso, havia um grupo de acionistas pressionando Mark Zuckerberg — ainda que ele mantenha dez vezes mais poder de voto que qualquer outro — a descentralizar a orientação e a execução de rumos dos negócios. O magnata concluiu, então, que “terceirizar” algumas decisões para uma instância independente não só daria credibilidade ao Facebook como também acalmaria os ânimos internamente. “Acho que (o comitê) ajudaria as pessoas a sentir que um processo foi mais imparcial no julgamento do conteúdo que deve estar ou não na rede”, disse ele em 2018, ao lançar a proposta.

Daquele ano em diante, a empresa designou mais de 100 pessoas para participar da configuração da estrutura do futuro comitê e criar um conjunto de ferramentas de software que o apoiaria em seus juízos. O último passo antes da convocação do STF do Facebook foi escolher os membros. Entre o fim de 2019 e o início deste ano, a rede social selecionou os quatro copresidentes do comitê. De lá para cá, eles trabalharam com a companhia para fazer a escolha de mais dezesseis membros, que ficarão em seu cargo por três anos. Esses vinte integrantes terão a missão de, ao lado do Facebook, selecionar os outros vinte nomes que, enfim, completarão o quadro do comitê de supervisão. Pelo perfil do grupo inicial já é possível deduzir que tipo de especialista a rede quer: pessoas com realizações públicas e bons antecedentes em governança e legislação.

Os vinte já nomeados são originários de todos os continentes, incluindo ex-­juízes, advogados, ativistas de direitos humanos e até uma ex-premiê (da Dinamarca) e uma Nobel (da Paz). A lista tem um brasileiro, o advogado Ronaldo Lemos, especializado em direito digital e professor na Uerj. De acordo com Lemos, a primeira tarefa do comitê será estruturar o modo de atuação. “Acredito que o conselho pode se tornar referência sobre como lidar com questões que envolvem a internet”, afirmou ele. Pode mesmo. Todas as decisões serão levadas a público, e o Facebook deve responder a elas publicamente também. Um relatório vai ser divulgado anualmente, com transparência sobre as deliberações e o modo como a empresa está honrando o que o comitê determinou.

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Os resultados da iniciativa de Zuckerberg não devem demorar. Especula-se que o jovem, mas experiente CEO, de 36 anos, possa receber algum tipo de agrado do Congresso americano por atender de certo modo à sua repetida demanda de maior transparência na companhia. Entre as possibilidades de “reconhecimento” estariam o abandono das investigações antitruste que estão no encalço da empresa; o perdão de multas consequentes de irresponsabilidades na forma de lidar com os dados dos usuários; ou até mesmo um sinal verde para a moeda virtual libra. Essa última possibilidade, ao lado do comitê e da legião de usuários — o número total de contas passa de 3 bilhões —, reforçaria a ideia de um “país Facebook”. E “países”, é claro, precisam de uma suprema corte.

Veja a lista dos 20 primeiros nomes:

Afia Asantewaa Asare-Kyei – advogada na luta por direitos das mulheres na África;
Evelyn Aswad – Professora de direito na Universidade do Oklahoma especializada na aplicação de padrões de direitos humanos internacionais à moderação de conteúdo;
Endy Bayuni – jornalista e ex-editor-chefe do jornal “Jakarta Post”, na Indonésia;
Catalina Botero-Marino – Co-presidente do Comitê, já trabalhou com direitos humanos na Organização dos Estados Americanos (OEA) e agora é diretora da Faculdade de Direito da Universidade dos Andes;
Katherine Chen – ex-reguladora nacional de comunicações em Taiwan e estudiosa de mídias sociais;
Nighat Dad – defensora de direitos digitais que treina mulheres no Paquistão em segurança digital;
Jamal Greene – também co-presidente do Comitê, é professor de direito na Universidade Columbia nos EUA, com foco em direito constitucional;
Pamela Karlan – professora de direito na Universidade Stanford, nos EUA, e advogada que já representou casos sobre direito ao voto e direitos LGBTQ+ perante a Suprema Corte;
Tawakkol Karman – vencedora do Prêmio Nobel da Paz por promover mudança não-violenta no Iêmen durante a Primavera Árabe;
Maina Kiai – defensora de direitos humanos no Quênia e diretora do programa de parceria do Human Rights Watch;
Sudhir Krishnaswamy – vice-chanceler da Escola Nacional de Direito na Universidade da Índia e co-fundador de uma organização que advoga pelos direitos constitucionais da população LGBTQ+ e transgêneros na Índia;
Ronaldo Lemos – Advogado especializado em direito digital que ajudou na formulação de leis de internet no Brasil e professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
Michael McConnell – co-presidente do Comitê, é um ex-juiz federal dos EUA, expert em liberdade religiosa e professor de direito constitucional na Universidade Stanford;
Julie Owono – defensora de direitos digitais à frente do projeto Internet Sem Fronteira e de campanhas contra censura na Internet na África;
Emi Palmor – ex-diretora geral do Ministério da Justiça de Israel, que tratou de temas como digitalização de plataformas judiciais;
Alan Rusbridger – ex-editor-chefe do jornal “The Guardian”, no Reino Unido, que acompanhou o processo de digitalização do jornal;
András Sajó – ex-juiz e vice-presidente da Corte de Direitos Humanos da União Europeia;
John Samples – intelectual que escreve sobre mídias sociais, regulação de expressão e defensor do da livre expressão on-line;
Nicolas Suzor – professor de direito na Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, com foco em governança de redes sociais e regulação de sistemas automatizados;
Helle Thorning-Schmidt – ex-primeira ministra da Dinamarca e co-presidente do Comitê.

Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

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