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Ebitda: essa moda pode acabar?

Para combater manobras contábeis, CVM quer padronizar o cálculo do principal indicador de saúde financeira das empresas

Por Ana Clara Costa
3 nov 2010, 07h06

Nos EUA, após inúmeros escândalos envolvendo fraudes no Ebitda, muitos analistas têm usado o ‘lucro por ação’ como principal indicador de saúde financeira de uma empresa

O Ebitda é uma sigla de pouco charme que se refere a um indicador menos charmoso ainda: lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (tradução de earnings before interest, taxes, depreciation and amortization). Mas na última década, com o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil e o aumento da presença do investidor pessoa física na bolsa, esse indicador ganhou popularidade.

Empresas o ressaltam quando divulgam seus resultados, analistas o apontam como principal balizador de seus relatórios sobre uma companhia e todos os meios de comunicação financeiros o adotam como jargão. Diante de tanta fama e poder para um simples índice, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu se manifestar e colocar as regras do jogo em discussão. A autarquia propõe padronizar o cálculo do Ebitda (e também do Ebit) – algo que não havia ocorrido até hoje. A falta de padronização dá margem para que contadores “criativos” manobrem o cálculo do Ebitda na direção que mais convém à empresa.

Simplificando: companhias precisam de financiamento para conseguir crescer. Desta forma, é comum que apresentem altas despesas financeiras em seus balanços. Como no cálculo do Ebitda as despesas financeiras são consideradas ativos (e não passivos), é possível que uma empresa aparente ter mais liquidez do que realmente possui, caso se analise apenas o indicador. Da mesma forma, uma empresa pode apresentar um Ebitda positivo e alto, mas também registrar prejuízo líquido – já que, deduzidos todos os impostos, pagamentos de empréstimos, despesas administrativas e outras taxas, pode ser que não sobre lucro algum.

Histórico – O Ebitda nem sempre foi tão célebre no Brasil. Antes da estabilidade econômica e monetária proporcionada pelo Plano Real, a partir de 1994, as companhias brasileiras eram analisadas com base em seu lucro líquido – que é o resultado do lucro bruto subtraindo-se despesas com depreciação de ativos, impostos, taxas, entre outras. Submetidas a níveis de inflação altíssimos e constantes mudanças de moeda, as empresas costumavam atrelar seus lucros a índices de correção monetária de balanços.

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Com a estabilidade, o lucro líquido passou a ser convertido em dólar para facilitar a análise por parte de empresas e bancos internacionais. No entanto, com a alta da moeda norte-americana no início de 1999, os lucros das empresas brasileiras viraram pó. A partir de então, foi adotado o Ebitda – utilizado inicialmente pelos Estados Unidos – como indicador principal de liquidez e capacidade de gerar caixa. “Companhias que tinham contratos em dólar sofreram uma distorção muito grande em seus resultados naquele ano. Ao utilizarem o Ebitda, mostravam que, apesar da desvalorização cambial, seus resultados ainda eram bons”, explica José Roberto Filho, da JR&M Assessoria Contábil. No correr da última década, contabilistas e administradores alçaram o indicador ao posto de principal referência de liquidez em um balanço. “E o engraçado é que o Ebitda não é nem mesmo uma ferramenta contábil, e sim de gestão”, afirma o contabilista.

Fraudes – O Ebitda começou a ser utilizado nos EUA na década de 1970, apenas por analistas. Ganhou notoriedade quando investidores mais arrojados perceberam sua eficácia na hora de detectar a capacidade de uma empresa endividada conseguir gerar caixa. Em 2000, o indicador já estava completamente integrado e assimilado pelo mercado, dando espaço para que administradores engenhosos criassem maneiras inescrupulosas de inflá-lo.

Casos ilustres e de manipulação de Ebitda levaram empresas americanas à ruína no início da década. O grupo de telecomunicações Worldcom, segundo maior dos Estados Unidos nos anos 1990, supervalorizou seu Ebitda com bilhões de dólares em financiamentos utilizados para ampliar suas operações no país. Tais despesas deveriam entrar no balanço da companhia em forma de custo – o que as tiraria do cálculo do Ebitda. Com a manipulação contábil, os valores foram transformados em despesa financeira – ou seja, ativos – e o indicador da empresa ficou cerca de dois anos nas alturas, denotando uma alta capacidade de gerar caixa. Com resultados robustos, sua avaliação pelas agências de risco se manteve alta, suas ações se valorizaram (chegaram a custar 60 dólares) e sua capacidade de conseguir mais crédito aumentou. Em julho 2002, quando o rombo chegou a 3,3 bilhões de dólares, a manobra foi pega por uma empresa de auditoria e a Worldcom foi à ruína. Terminou sendo comprada pela MCI (subsidiária da Verizon) por 0,20 centavos de dólar por ação.

Outras empresas, como a petrolífera norte-americana Enron e a francesa de telecomunicações Vivendi, também passaram por escândalos parecidos envolvendo o cálculo do Ebitda. A Vivendi conseguiu se recuperar, mas a Enron sucumbiu após ocultar dívidas de mais de 25 bilhões de dólares. Passados esses eventos, muitos prenunciaram a morte do Ebita nos EUA . Mas ela não veio, devido à inexistência de uma alternativa. No entanto, a partir de 2002, com a criação da Lei Sarbanes-Oxley, que prevê normas mais rígidas de governança nos relatórios contábeis das empresas, um número cada vez maior de analistas e investidores têm preferido usar o ‘lucro por ação’ para tecer análises e tomar decisões de investimento. Sobre isso, o megainvestidor Warren Buffett é cauteloso: “Foco exagerado em Ebitda nos aterroriza”, escreveu em um dos relatórios anuais de sua empresa de investimentos, a Berkshire Hathaway.

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Medida preventiva – Para evitar que o mercado brasileiro evolua da mesma forma que o norte-americano e passe por problemas semelhantes, a CVM decidiu cortar o mal pela raiz. No documento de audiência pública divulgado em seu site na internet, deixa claro o que deve constar no Ebitda: “devem ser considerados somente os valores apresentados nas demonstrações contábeis, não podendo ser excluídos os itens não recorrentes, não operacionais e os relativos à operações descontinuadas”. Na avaliação da advogada Ana Carolina Freire, sócia do escritório TozziniFreire, tal medida deverá ser eficaz. “Definir um padrão fortalece o nosso mercado e lhe traz mais transparência”, afirma.

Em caso de compra ou fusão de empresas, um Ebitda inexato pode trazer conseqüências desagradáveis para sócios e investidores. “Para se chegar ao valor de uma empresa na hora de uma negociação, ele é calculado com base em múltiplos do Ebitda”, afirma o advogado José Luis Doles, do escritório Barcellos Tucunduva. Com base em um indicador errado, uma empresa pode ser superavaliada e trazer retornos menos consistentes a seus acionistas.

Futuro incerto – Assim como ocorreu nos EUA, um Ebitda mais claro poderá significar também a redução de sua popularidade. Se a experiência futura provar discrepâncias muito grandes entre os cálculos atuais e os padronizados, a credibilidade do indicador pode se esvair. Da mesma forma, os analistas que tanto tempo passaram elaborando relatórios com base em finanças inexatas, também poderão ter sua imagem afetada. O contabilista José Roberto Filho acredita que o final dessa discussão poderá não ser positivo para o Ebitda, mas será para o investidor – que terá um número mais transparente para levar em conta na hora de decidir por seus investimentos em ações de empresas. “Trata-se de um número ilusório e que precisa mudar”, diz.

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