Do sucesso à falência, caçula das J.Sisters tenta se reerguer nos EUA
Salão das sete irmãs capixabas chegou a atender clientes famosas, como as atrizes Cameron Diaz, Gwyneth Paltrow, mas fechou as portas em Nova York
A brazilian wax, depilação íntima brasileira com certa quente, chegou a Nova York, nos Estados Unidos, pelas mãos de sete capixabas, mais conhecidas como as J.Sisters – referência à primeira letra do nome das irmãs Jocely, Janea, Joyce, Juracy, Jussara, Judseia e Jonice. O salão se tornou um fenômeno, com direito a clientes famosas, como as atrizes Cameron Diaz, Gwyneth Paltrow e Kate Winslet. Trinta anos depois, entretanto, o salão acumula dívidas de mais de 1 milhão de dólares e entrou em processo de falência.
Mas o sonho do american way of life ainda está vivo e longe de acabar, se depender da caçula das irmãs, Jonice Padilha, de 57 anos. Após declarar falência, ela diz querer quitar as dívidas do salão – a maioria referente a multas ao levar brasileiros sem documentação ao país norte-americano –, fechar a empresa e abrir uma nova, mas com o mesmo nome.
“Minha irmã [Joceli, a primeira a ir para os EUA] é uma pessoa maravilhosa, foi minha mãe. Não posso falar que ela errou, ela usou amor, assumiu trazer pessoas ilegalmente e então o pote encheu. O governo daqui não perdoa”, contou Jonice.
Além da má administração, o salão sofreu com outros problemas. Em 2014, uma modelo brasileira entrou com uma ação judicial contra o salão alegando que perdeu os cabelos em um tratamento realizado no local. O problema fez com que ela perdesse contratos de trabalho, o que a teria deixado em depressão.
De agora em diante, segundo Jonice, a ideia é não envolver a família nos negócios. “Eu estou em uma idade em que jamais vou usar a palavra nunca. A vida é um círculo, a gente nunca diz que não vai fazer porque a vida te coloca em situações difíceis. Mas, no momento, eu quero ir só, não ter muita coisa com família, não quero olhar para trás”.
Enquanto não fecha a empresa, a brasileira vai revendo gastos: trocou o endereço do salão, que ficava entre a 5ª e 6ª Avenida, com aluguel de 130.000 dólares mensais para dividir um outro imóvel com uma amiga – este localizado entre a 5ª Avenida e a Madison, pelo qual não pagará nada de início.
“Do meu endereço antigo para este, a diferença de status é mil, não é cem. Mas eu estou amando essa nova fase, é a primeira vez que estou só. Nunca tive a oportunidade de realizar as minhas ideias, é o que eu estou fazendo agora”, disse ela em entrevista a VEJA.
Como está o seu relacionamento com suas irmãs, que não estão envolvidas no novo projeto?
Elas estão batendo palmas para mim, é como se eu estivesse em um palco e elas estivessem lá embaixo observando e dizendo: “Jonice, está lindo, está lindo”. Eu não tive nenhuma briga com elas. A Joceli pensou só em família, ajudou todo mundo e eu falo para ela: “o que você fez é lindo, mas a companhia não aguentou”. A empresa era muito pequena para a quantidade de família, então essa é a minha vez. Eu tenho um bebê, que é a minha empresa e eu vou ter que cuidar dele até que me sustente. Agora, eu tenho que dar tudo de mim e minhas irmãs entendem.
Elas estão ajudando a quitar as dívidas do J.Sisters?
Eu tenho coisas, imóveis, a Joceli também. Então a convenci a vendê-las para pagar as contas. Assim, consigo seguir em frente com a nova companhia. Foi nesta época que liguei para uma amiga e ela sugeriu que eu mudasse o J.Sisters para o endereço dela. Ela me disse: “fica aqui um tempo, conserta o que tem para consertar e volta porque eu sei que você vai conseguir”. Agora, eu não estou pagando aluguel, não pago nada. Isso me dá o consolo e o prazer de saber que tenho amigos.
Minhas outras irmãs estão participando. Se não entram com dinheiro, fazem o que podem para ajudar. Não tenho nenhum problema com elas, nem com as mães das sobrinhas que saíram.
Por que vocês acumularam uma dívida tão grande?
Estamos pagando uma multa muito alta, de 1 milhão de dólares, sem contar os juros, só das pessoas ilegais. Minha irmã deu emprego para muita gente, de coração. Lá na frente, essas pessoas falaram que trabalharam ilegalmente no J.Sisters.
O problema com o aluguel foi no final, quando o pote já estava cheio. Chegou a um ponto que eu falei: “vamos fechar porque vai dar uma chance para eu me refazer”. Nunca vou pisar na minha irmã para me engrandecer, vou usar os erros dela do passado para aprender.
O que muda com a nova empresa?
Os serviços serão os mesmos. Disso aí eu entendo, eu quero tudo, cabelo, maquiagem. Mas a ideia é voltar com serviços bem mais chiques do que a gente tinha, que era bonito, mas quero uma coisa mais sofisticada para a grande sociedade, que não se importa em pagar. Os brasileiros até ficam meio chateados comigo porque o trabalho que eu quero apresentar não é para eles.
Como vocês construíram o relacionamento com os clientes?
Se fizer seis meses que um cliente não passa no salão, eu ligo pessoalmente e falo: “vem conversar comigo, faço suas unhas, você fica feliz”. Se você não tem emprego, fazemos 50% de desconto até você se reerguer. Eu tenho esse tipo de contato com as clientes. Quando eu precisei, elas estavam lá. Hoje, se você precisar de mim, eu estou lá.
Você também tem que trabalhar um pouco com a cabeça do cliente. Se a pessoa quer uma limpeza de pele em qualquer parte do seu corpo, por exemplo, só precisa falar o nome do procedimento, não a parte do corpo. O que te incomoda no corpo, você vai se abrir com o profissional, não comigo.
Como vocês chegaram aos Estados Unidos?
A ideia foi da Joceli, se não fosse por ela eu não estaria aqui. Há 35 anos, ela veio sozinha com 500 dólares no bolso, foi muita loucura. Ela disse para o meu pai que se não gostasse, voltaria.
A gente sempre teve salão no Brasil, trabalho desde os 11 anos. Na época em que ela foi para os Estados Unidos eu era muito novinha e ela queria me tirar do Brasil. Vim para Nova York com 19 anos e aqui ela foi minha mãe. Começamos a trabalhar nos melhores salões e a pesquisar o que eles tinham e que a gente não. Muita gente perguntava sobre porque trabalhar com unha, porque aqui eles não tinham conhecimento do que era um pedicure ou uma manicure [como o hábito de remover cutículas]. Aprendemos a fazer unha do modo deles, mas também íamos apresentando a nossa maneira. No outro dia, as clientes chegavam e falavam: “Jonice, meu dedo ficou ótimo”. Nessa época, podólogos começaram a falar mal da gente e dizer que tirar cutícula era proibido. Mas respondi que estava fazendo apenas o que eles faziam.
Nove meses depois, veio outra irmã, dois anos mais velha que eu. Ficamos 5 anos com a ideia de “vamos ver o que que tem”. A gente sai daí e acha que o Brasil é único. Eu descobri que o Brasil é terceiro mundo aqui, fiquei horrorizada.
Abrimos nosso próprio salão em 1987, mas o sucesso só começou em 1990, com a brazilian biquini wax. Agora, as dificuldades de manter um comércio só passaram uns 8 anos depois.
Vocês sabiam falar inglês?
Não, a gente rolava de rir. Na época, entrei em uma escola de idiomas e o povo ria de mim porque eu chegava lá depois do trabalho toda esbaforida. Eu fazia tanta pergunta ao professor que uns 4 meses depois ele disse que não queria que eu fosse mais para a aula, pois só fazia pergunta de salão. Fiquei revoltada, disse que não queria aprender como dizia mesa ou cadeira. Queria saber como falar pauzinho, algodão, por exemplo. E ele disse que eu precisava de inglês de rua e não poderia me ajudar.
Cheguei ao trabalho no dia seguinte e as clientes falaram que iam me ajudar. Disso, fiz um dicionário super grosso, colocava a palavra em inglês, a fonética e a tradução. Tudo de uma cor diferente. Chegava em casa e passava tudo a limpo, que nem lição de casa. Em 8 meses eu já estava falando.
Como conseguiram abrir o J.Sisters em um lugar de luxo em 1987?
Tudo o que entrava era para pagar o aluguel. Até cerveja virou luxo, 10 dólares era luxo. O único lucro que a gente recebia era para o aluguel. Por isso disse que só começamos a ganhar depois de 8 anos e 8 anos não são 8 meses, não passava nunca. Dava vontade de falar chega, mas tinha sempre um cliente para incentivar.
Por que os serviços que vocês ofereciam fizeram tanto sucesso?
Eu acho que fizemos sucesso pela audácia. Nós não tínhamos nem noção que ia dar certo porque não teve uma programação.
O brazilian biquini wax, por exemplo, não é um modelo. O que você vai fazer, seja depilar muito, pouquinho ou tudo, eu não vou saber, é entre você e o profissional. Quem está na recepção não vai saber. Isso deu abertura para os que queriam fazer, mas não queriam falar. Em 2014, lançamos o sunga wax, para homens.
Em 1987, o J.Sisters era sinônimo de empoderamento feminino?
Na época, a gente nem pensou nisso, queríamos mostrar o que o Brasil tinha de bom. Quando eu cheguei aqui, tinha muita prostituição brasileira e isso me chocou, queríamos acabar com essa ideia de mulher sexy. Nós não somos isso, a mulher brasileira não é isso, somos trabalhadoras.
Quando chegamos aqui também não tinha brasileiros em nenhum salão grande. Abrimos a porta para os profissionais brasileiros. Fomos procurar uma maneira para entrar no mercado com a unha e depilação porque tinha gente de todo lugar do mundo trabalhando com cabelo. E eles são bons, seria uma guerra.
Você sente saudades do Brasil?
Não. O Brasil e a lembrança das pessoas estão muito distantes. Não é mais uma coisa presente na minha vida. Agora, vão completar quatro anos que não vou ao Brasil, mas já fiquei longe por 11 anos. Eu gosto de ir, mas não é uma coisa que se eu não for vai me fazer falta.
Você está levando alguma lição da companhia que não deu certo para a próxima?
Só a vivência, eu vi os erros feitos pela minha irmã. Ela mesmo fala: “graças a Deus a companhia vai ficar no nome de uma pessoa maravilhosa e que compartilha”. Aqui, com as minhas funcionárias, elas têm ideias e as incentivo a colocar em prática. Com minha irmã não era assim, toda vez que um funcionário queria conversar, ela saia fora. Eu participo, não tem essa coisa de não contato, se não der é porque não era que acontecer. Alguns erros eu aprendi, se não fosse pela Joceli eu não estaria aqui. Mas quero voltar à tona com mais sabedoria.