Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Demissão de Prates abre caminho para equivocado uso político da Petrobras

No passado, a estratégia levou a prejuízos financeiros e episódios de corrupção

Por Camila Barros, Pedro Gil Atualizado em 17 Maio 2024, 13h17 - Publicado em 17 Maio 2024, 06h00

O sol já se punha em Brasília na terça-feira 14, quando o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, foi chamado ao Palácio do Planalto. Percorrer o trajeto entre o edifício da empresa na capital e a sede do poder Executivo federal não leva mais que cinco minutos de carro, tempo suficiente para Prates imaginar que seus dias à frente da petrolífera haviam acabado. “O que Lula pode querer, se não a minha cabeça?”, pensou. Quando chegou ao gabinete presidencial, encontrou o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao lado do presidente. Eram eles, Costa e Silveira, seus maiores detratores no governo. A composição da sala imediatamente comunicou o que ninguém ainda havia verbalizado: Prates seria mesmo descartado. “Vou precisar do seu cargo”, disse Lula, lacônico. “E já chamei a Magda (Chambriard) para o seu lugar.”

O presidente Lula justificou a decisão por divergências entre os dois. Para ele, o episódio de distribuição dos dividendos extraordinários da empresa, em que Prates se absteve, contrariando a indicação do Planalto de votar contra o pagamento, foi inaceitável. Os dividendos extras são a fatia adicional ao mínimo definido em estatuto que a Petrobras vinha distribuindo dos lucros aos acionistas nos últimos anos. Além disso, o plano de investimentos da estatal previa 5 bilhões de dólares no primeiro trimestre, mas lacunas na cadeia mundial de fornecedores, ainda decorrentes da pandemia, só permitiram o desembolso de 3 bilhões de dólares. Houve também uma diminuição do lucro líquido no período. A queda na venda de combustíveis no mercado interno, a desvalorização do real frente ao dólar e a redução do preço do petróleo levaram ao resultado financeiro negativo de 9,6 bilhões de reais. “Minha missão foi precocemente abreviada na presença regozijada de Alexandre Silveira e Rui Costa”, escreveu Prates em mensagem de despedida endereçada aos diretores da estatal, ainda na noite de terça-feira. De fato, Silveira e Costa tiveram papel ativo na saída do presidente da Petrobras, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era a voz sensata que se opunha à guilhotina. “Saio como entrei: pela porta da frente e de cabeça erguida. Tenho certeza do dever cumprido”, disse Prates a VEJA.

NO PODER - Chambriard com Dilma: ela só fica se fizer o que Lula mandar
NO PODER - Chambriard com Dilma: ela só fica se fizer o que Lula mandar (Ide Gomes/DPA/ZumaPress//)

A demissão de Prates é o retrato preciso de como os governantes de plantão tratam a maior e mais valiosa empresa do país. Desde 2015, a Petrobras teve nove presidentes, o que dá a média execrável de uma troca de comando a cada ano. Seria difícil imaginar uma companhia privada que resistisse a tanta instabilidade, o que só demonstra a colossal capacidade da petrolífera para sobreviver mesmo diante das recorrentes interferências políticas. “A relação do governo com a Petrobras não é saudável, a pressão é bastante grande”, afirma José Mauro Coelho, que ficou apenas 68 dias como chefe da estatal em 2022 — o segundo menor período desde o fim da ditadura militar —, durante o governo Bolsonaro. “O problema disso é que o tempo do presidente da empresa é muito utilizado para trabalhar questões políticas em detrimento de questões mais técnicas.”

arte Prates

A sucessão de Prates já está definida: a cadeira da presidência da Petrobras será ocupada por Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Trata-se da segunda mulher a chefiar a petrolífera, depois de Maria das Graças Foster, que permaneceu no cargo de 2012 a 2015. A gestão de Chambriard na ANP foi marcada pela retomada dos leilões de áreas para exploração e produção de petróleo, e pelo vazamento de óleo durante a perfuração de um poço na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Em artigos publicados na revista digital Brasil Energia, a futura presidente da Petrobras demonstrou por diversas vezes sintonia com a visão desenvolvimentista do governo petista, defendendo a exploração de petróleo na foz do Amazonas e criticando os processos de licenciamento do Ministério do Meio Ambiente.

Continua após a publicidade
DESÂNIMO - Haddad: uma das poucas vozes do governo a defender o presidente da estatal
DESÂNIMO - Haddad: uma das poucas vozes do governo a defender o presidente da estatal (Ton Molina/Fotoarena/Agência O Globo/.)

Entre outras iniciativas, Chambriard deverá aumentar os investimentos da estatal para ampliar a oferta de empregos e, ao mesmo tempo, segurar o preço dos combustíveis, exatamente como quer Lula. “Na prática, Prates foi demitido pelo mesmo motivo que outros presidentes: ele não estava cumprindo as vontades do governo ou não estava atendendo na velocidade que Lula queria”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura e ex-assessor na ANP. “Se Magda não fizer o que o governo mandar, vai sair também.” Outros executivos deverão cair junto com Prates — Sergio Caetano Leite, que era o diretor financeiro, já foi cortado. Ex-conselheiro da Petrobras, o economista Marcelo Mesquita conhece bem os meandros da empresa. “A instabilidade da gestão é péssima para o dia a dia da Petrobras”, diz Mesquita. “Muita gente vai sair e quem entrar demora para entender como funciona a Petrobras. Daqui a seis meses, quando tiverem aprendido tudo, é possível que a gestão seja trocada novamente.”

NO MAR - Pás eólicas: a nova presidente da Petrobras não é fã de fontes alternativas de energia
NO MAR - Pás eólicas: a nova presidente da Petrobras não é fã de fontes alternativas de energia (Ocean Winds/Divulgação)

A Petrobras é uma panela de pressão inclusive porque se trata de uma empresa de capital misto. Ao mesmo tempo que tem o governo como maior acionista, é listada em bolsas de valores aqui e no exterior. O desafio é se posicionar entre esses dois interesses que, no mundo ideal, não deveriam ser conflitantes. Sendo o Brasil o país que é — com governantes populistas que agem apenas de acordo com seus objetivos políticos particulares, e não necessariamente os do país —, a empresa acaba exposta aos anseios predatórios dos homens que comandam a nação. Foi assim com Bolsonaro e é desse jeito que funciona com Lula. Ou seja: o governo quer usar a petrolífera para fazer política, quando deveria apenas usufruir, como maior acionista, dos retornos financeiros que a empresa costuma trazer. Bons exemplos não faltam. A estatal norueguesa Equinor, também petroleira, registra lucros substanciais ano após ano e sempre abasteceu o governo do país nórdico com dividendos, mas sem tomar parte do jogo político local.

ALGOZ - Alexandre Silveira: o ministro trabalhou pela saída de Prates
ALGOZ - Alexandre Silveira: o ministro trabalhou pela saída de Prates (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No caso petista, há um agravante: o histórico de corrupção protagonizado pela estatal em gestões passadas. Agora, a vontade do mandante para a Petrobras é clara: voltar a investir em refinarias e estaleiros. Isso foi feito antes — e com o pior resultado possível. O governo já anunciou aportes na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e planeja fazer o mesmo no complexo petroquímico Comperj, no Rio de Janeiro, dois empreendimentos que se tornaram símbolos de corrupção durante a Lava-Jato. A ajuda a estaleiros também está a caminho. “Quero que vocês tenham certeza que a gente vai recuperar a indústria naval brasileira”, disse o presidente Lula em um evento em Niterói, no Rio de Janeiro, no início de abril.

Continua após a publicidade

arte Prates

O que estaria por trás dessa obsessão? Ainda em 2010, Lula deu um tiro na água com a Sete Brasil, criada para fornecer sondas à Petrobras. Com fundos de pensão estatais como sócios, a empresa foi investigada por corrupção e acabou quebrando, com dívidas bilionárias. Foram prometidos 28 navios-sonda para exploração do pré-sal, mas apenas quatro foram entregues, num flagrante desperdício de dinheiro público. O estrago foi devidamente contabilizado: um relatório do Tribunal de Contas da União apontou que o Brasil perdeu 25 bilhões de dólares ao tentar ressuscitar a indústria naval.

MÁ LEMBRANÇA - Refinaria Abreu e Lima: custo acima do previsto e fonte de corrupção em gestões passadas do PT
MÁ LEMBRANÇA – Refinaria Abreu e Lima: custo acima do previsto e fonte de corrupção em gestões passadas do PT (Agência Petrobras//)

Um dia após a demissão de Prates, a Petrobras perdeu 34 bilhões de reais em valor de mercado, cifra que equivale à avaliação de uma empresa como a Hapvida, maior operadora de planos de saúde do Brasil. Concentrar investimentos em projetos duvidosos, além de ser um caminho aberto para a corrupção, também penaliza os quase 1 milhão de acionistas da Petrobras. “É possível que uma agenda maior de investimentos em atividades menos geradoras de caixa diminua os recursos disponíveis para a distribuição de dividendos”, diz Leonardo Rufino, sócio da gestora Mantaro Capital. A ingerência na Petrobras junta-­se aos erros que o governo Lula tem cometido, com uma gastança que tem levado ao desequilíbrio fiscal e disseminado insegurança entre os investidores. No caso da Petrobras, ele deveria deixar a empresa seguir seu próprio rumo. Isso faria bem não só para a petrolífera, mas, acima de tudo, para o país.

Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.