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Crise de confiança no sistema financeiro força freio na expansão das fintechs

Brechas no sistema financeiro exploradas pelo crime organizado levam Banco Central e Receita Federal a impor um choque regulatório

Por Marcos Strecker
Atualizado em 29 set 2025, 18h32 - Publicado em 28 set 2025, 08h00

O universo das startups financeiras entrou em rota de turbulência depois que a Operação Carbono Oculto e outras investigações revelaram como o crime organizado se infiltrou no setor, aproveitando brechas regulatórias para movimentar recursos ilícitos e esconder patrimônio. Como se não bastasse, vieram à tona furtos sofisticados causados por ataques de hackers a empresas de tecnologia que conectam instituições à espinha dorsal do Pix. Em resposta a essa nova realidade, o Banco Central e a Receita Federal anunciaram no início de setembro um pacote de medidas emergenciais que endurece a regulação — um choque que atinge principalmente as empresas menores. O termo fintech abrange desde bancos digitais consolidados até as mais de 1 700 companhias que oferecem serviços financeiros com base em inovação, mas é justamente essa maioria, formada por negócios de pequeno porte, que sente o impacto mais severo do novo cerco regulatório.

arte fintechs

As autoridades anunciaram medidas de efeito imediato para conter novos ataques e anteciparam exigências de segurança e governança que já estavam previstas. A mais sensível delas foi a fixação de um limite de 15 000 reais para operações de Pix e TED (transferência eletrônica disponível) realizadas por instituições de pagamento (IP) não autorizadas — empresas que atuam no mercado, mas ainda não receberam autorização formal do Banco Central para funcionar plenamente — e por aquelas que acessam o Sistema Financeiro Nacional por meio de Provedores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI). “É um ponto que está afetando bastante o segmento, e há muita reclamação”, afirma Bruno Balduccini, sócio da área financeira do escritório Pinheiro Neto Advogados. “Não atinge apenas as fintechs, mas também os bancos que optaram por entrar no sistema Pix via PSTI.” Embora não sejam classificados como fintechs, os PSTI se tornaram peças-chave na engrenagem do Pix e agora terão de adotar controles mais rígidos de gestão de riscos, além de manter capital mínimo de 15 milhões de reais. Até lá, a trava imposta pelo regulador limita o volume de suas operações.

Nubank: planos de comprar um banco para obter a licença plena de operação
Nubank: planos de comprar um banco para obter a licença plena de operação (Nubank/Divulgação)

Ao defender a medida, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, argumentou que 99% das transações de pessoas jurídicas ficam abaixo do valor fixado. Na prática, porém, instituições de diferentes portes vêm sendo impactadas. Para Balduccini, o teto de 15 000 reais é baixo demais para operações comuns de câmbio, investimento e até pagamento de aluguéis. Segundo ele, o mercado “está em pânico”. Mesmo após o anúncio, muitas instituições ainda aguardavam orientações detalhadas do BC sobre como comprovar sua capacidade de segurança, condição necessária para escapar do limite. “Há uma grande reclamação contra essa medida, considerada excessivamente radical”, afirma Balduccini.

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A preocupação é compartilhada por Janny Castro, sócia da consultoria e auditoria Forvis Mazars. Segundo ela, a procura por orientação tem sido “incessante”, já que a única forma de escapar do limite imposto é obter um relatório de uma auditoria independente, atestando a confiabilidade e a adequação dos processos internos. Além da corrida contra o tempo para se adequar, muitas instituições enfrentam o risco de perder clientes que dependem delas para liquidações e pagamentos. “As IPs acabam sofrendo muito, porque não têm alternativa”, afirma ela. Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), que reúne 700 associadas, reforça a crítica. Para ele, o Banco Central “pode estar pesando a mão” em nichos específicos, que não representam a maioria. “São empresas que atendem outras companhias e movimentam valores acima do limite, como as que operam com investimentos, gestão financeira e remessas internacionais. Essas acabam sendo as mais prejudicadas.”

Janny Castro, da auditoria Forvis Mazars: a procura por orientação tem sido incessante
Janny Castro, da auditoria Forvis Mazars: a procura por orientação tem sido incessante (./Divulgação)

As afiliadas da Zetta — associação que reúne bancos digitais e instituições de pagamento como Nubank, PicPay, Mercado Pago, Neon e 99Pay — foram pouco afetadas, pois já atendiam às exigências do Banco Central e da Receita Federal. Entre as medidas de maior impacto está a nova norma da Receita, que equipara as instituições de pagamento aos bancos tradicionais, obrigando-as a enviar informações detalhadas sobre movimentações financeiras e saldos de contas de pagamento. Para especialistas, os indícios de fraude estão ligados a falhas de governança e não a problemas no sistema de informação. Rafael Bianchini, professor da Fundação Getulio Vargas, ressalta que os ataques não ocorreram diretamente em instituições de pagamento ou fintechs, mas em prestadores de serviços do ecossistema, que não estão sob supervisão do Banco Central. Ao anunciar as medidas emergenciais, Galípolo fez questão de evitar a vilanização das fintechs, lembrando que elas desempenham papel central na agenda de modernização financeira da última década. Segundo ele, as novas regras têm como alvo o crime organizado, e não o setor. Hoje, 72 instituições de pagamento aguardam autorização de funcionamento, número que deve crescer com mais noventa pedidos até 2026.

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Operação da Receita contra o crime financeiro: o setor estava vulnerável demais
Operação da Receita contra o crime financeiro: o setor estava vulnerável demais (./Divulgação)

A corrida pela regularização deve provocar um rearranjo no setor, reduzindo a liberalidade que marcou a entrada de inúmeros players na fase inicial de modernização do sistema financeiro. Segundo a ABFintechs, empresas com operações mais robustas tendem a atravessar sem sustos o período de transição, enquanto as que buscam espaço no mercado talvez precisem firmar parcerias com instituições tradicionais. O Nubank, por exemplo, avalia a compra de um banco para obter a licença plena de operação como instituição bancária tradicional. Isso evitaria problemas se for aprovada norma em debate via consulta pública no BC, que visa impedir que fintechs usem termos como “banco” e “bank” em seu nome. Apesar de operar com todas as licenças necessárias para ofertar seus serviços, teria de mudar sua identidade (fazer um “rebranding”). Como essa, há outras regras em discussão, um movimento que já vinha em curso e deve redesenhar o papel das fintechs no mercado.

As novas medidas chegam em um momento de avanços relevantes na agenda do Banco Central, marcada sobretudo pela popularização do Pix, que trouxe milhões de brasileiros desbancarizados para o sistema financeiro. As fintechs tiveram papel decisivo nesse processo, com a oferta de contas digitais gratuitas e o estímulo à concorrência em um mercado historicamente concentrado. Para Bianchini, da FGV, as mudanças vão na direção correta, mas levantam dúvidas sobre a capacidade de implementação diante da redução significativa do quadro de pessoal no BC nos últimos anos.

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arte fintechs

Novas medidas devem vir pela frente, como antecipou o próprio presidente do Banco Central. Entre elas, a Zetta destaca a possível restrição ou até a proibição das chamadas contas bolsão, usadas por pequenos operadores que concentram múltiplos usuários em uma mesma conta, e a implementação do chamado MED 2.0, que amplia os mecanismos de recuperação de recursos desviados em fraudes com Pix. “Não podemos ter o sistema enfraquecido ou vulnerável, porque isso colocaria em risco a capacidade de permitir inovação e novas instituições”, diz Eduardo Lopes, presidente da Zetta. “Apesar do impacto no curto prazo, essas medidas fortalecem o sistema.” No fim, o recado é claro: o ciclo de liberalidade que marcou a ascensão das fintechs no Brasil está dando lugar a um ambiente de maior rigor. O setor que nasceu para desafiar os bancos tradicionais agora se vê diante do seu maior teste — provar que pode inovar sem abrir brechas para o crime.

Publicado em VEJA, setembro de 2025, edição VEJA Negócios nº 18

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