Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Crescimento da economia no 1º trimestre justifica otimismo, mas há riscos

Apesar do clima de esperança, o estrangulamento na geração de energia é um dos sinais de alerta que o governo precisa enfrentar

Por Carlos Valim, Luisa Purchio, Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 13h42 - Publicado em 4 jun 2021, 06h00

Nas semanas que antecedem a divulgação dos números relativos à evolução do PIB um frenesi toma o mercado, com uma enxurrada de previsões de analistas. Às vésperas de o IBGE exibir os números relativos ao primeiro trimestre de 2021 não foi diferente, com uma certa expectativa de que seriam positivos. Entretanto, o que se viu superou até mesmo os vaticínios mais otimistas. A economia brasileira cresceu 1,2% em comparação com o fim de 2020, avançando além das previsões de crescimento pouco abaixo de 1%, antecipado pela maioria do analistas. As boas notícias do PIB não só trouxeram números mais vistosos. Elas mostraram que o país tem tirado um excelente proveito do cenário externo favorável, com consumo em alta na China e nos Estados Unidos, o que tem impulsionado as exportações.

Apesar da tragédia sanitária que o país ainda enfrenta, a pandemia mudou o comportamento dos brasileiros, que pouparam recursos nos meses de isolamento social do ano passado e posteriormente sustentaram o consumo nos primeiros meses de 2021. Essa era uma das expectativas da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que acabou se realizando. Mas talvez a melhor notícia dos dados do IBGE seja uma alta de 3,6% no investimento em relação ao fim de 2020. Dados como esse fazem com que analistas e instituições respeitadas, como os bancos americanos Goldman Sachs e Bank of America, antevejam agora um crescimento acima de 5% para a economia, tornando defasada a última estimativa de expansão feita pelo Ministério da Economia, de 3,5%.

Os novos indicadores revelam a capacidade de reação da economia, mesmo com menores estímulos financeiros concedidos pelo governo. Em parte, isso é creditado a um aumento da produtividade das empresas, que aprenderam a conviver com as restrições da pandemia. A perspectiva de vacinação da população adulta nos próximos meses, ainda que com atraso e a um ritmo decepcionante ante os estragos provocados pelo coronavírus, também ajuda. “O grau de incerteza em maio de 2021 é infinitamente inferior ao de maio de 2020, quando ninguém sabia o que iria acontecer, como a economia iria reagir e se haveria vacinas eficazes”, explica Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

***ATENÇÃO - USO RESTRITO - PAGAMENTO POR REUTILIZAÇÃO***
SOMBRAS DO PASSADO – Apagão em 2001: a crise energética afetou a eleição – (Ormuzd Alves/Folhapress/.)

O bom desempenho e o tom de esperança no ar, no entanto, ainda não são garantia de pronta recuperação. Ao lado dos números alvissareiros, como a elevação no Índice de Confiança Empresarial, da Fundação Getulio Vargas, para a melhor pontuação desde março de 2014 e o recorde no Ibovespa na última semana, há outros preocupantes. O mais alarmante é o recorde histórico de 14,8 milhões de desempregados, registrado ao fim do primeiro trimestre. Também é preciso notar que até mesmo o surpreendente crescimento do primeiro trimestre precisa ser visto com cuidado, uma vez que houve um grande aumento dos estoques, indicando que as empresas buscaram tirar o atraso de produção em relação ao segundo semestre de 2020 (veja o texto assinado por Maílson da Nóbrega na pág. 51). Alguns economistas acreditam que esse indicador possa ter elevado de forma um tanto artificial o desempenho econômico, o que pode implicar uma redução nos cálculos para os próximos meses.

Como parte do longo e acidentado percurso a ser enfrentado, há outras dificuldades. A mais sombria é a perspectiva de um estrangulamento no fornecimento de energia, citado nos últimos dias como uma das maiores ameaças ao crescimento do país por representantes do Ministério da Economia, do Banco Central e do Tesouro. Os níveis de chuvas nos reservatórios do sistema de geração hidrelétrica do Sudeste e Centro-Oeste, o mais importante do país, têm sido os menores em 91 anos. Atualmente, as represas que abastecem as usinas das duas regiões, entre elas a de Furnas, estão com apenas 32% da capacidade, índice perigosamente próximo do registrado em 2001, quando um apagão deixou metade do país no escuro e levou a meses de racionamento. É um número alarmante quando se leva em conta que estamos apenas no começo da estação de seca, que vai de meados de abril a novembro.

A preocupação da equipe econômica com o risco de falta de energia é justificada. Em 2001, o então coordenador do comitê de gestão de crise de energia, Pedro Parente, foi obrigado a adotar medidas impopulares como forçar os consumidores a reduzir em 20% o consumo de eletricidade, sob pena de aumento das tarifas. O Tribunal de Contas da União calcula que o prejuízo causado pela crise naquele ano foi de 54,2 bilhões de reais. Mas o preço mais alto foi pago nas urnas. Não é exagerado dizer que a crise energética, que prejudicou a recuperação do Brasil depois da crise das moedas dos países emergentes no fim dos anos 1990, foi determinante para que o então presidente Fernando Henrique Cardoso não emplacasse um sucessor na eleição presidencial de 2002, derretendo a popularidade que havia conquistado pela estabilização da economia e pelo controle da inflação por causa do Plano Real. É um risco que Jair Bolsonaro não gostaria de correr na disputa pela reeleição.

Continua após a publicidade

A favor do governo há o fato de que o país hoje é menos dependente da energia gerada por hidrelétricas, com um grande avanço de fontes alternativas, entre elas a eólica. Assim, poucos analistas acreditam que haverá racionamentos severos como o ocorrido há vinte anos — desde que a falta de chuvas não se estenda além de 2021. A utilização das fontes alternativas como a segunda mais comum, que vem das usinas térmicas, encarece o custo de geração de energia e o impacto na inflação já é uma realidade no país, como previu uma reportagem de VEJA no começo do ano. Até maio de 2021, foram despendidos 5,5 bilhões de reais para custear o funcionamento de térmicas — mais que todo o ano passado, quando totalizaram 4,3 bilhões de reais. Essa é uma conta que será paga por todos os consumidores. E mais inflação significa basicamente perda de poder de compra da população e a necessidade de o BC subir juros, prejudicando os investimentos produtivos.

Para mitigar o risco, o governo tem anunciado medidas como a contratação de usinas térmicas que hoje não estão conectadas ao sistema, algo que não trará efeito imediato, e a autorização para que as hidrelétricas reduzam o volume mínimo de água liberado de seus reservatórios. Atualmente as usinas são obrigadas a liberar quantidades preestabelecidas de água para garantir atividades além de suas barragens, como transporte hidroviário e irrigação de lavouras. Mas há outras iniciativas que ainda podem ser tomadas, entre elas o estímulo a empresas para organização de seus turnos como forma de evitar os picos de energia, que podem causar blecautes. “A grande preocupação é não conseguir atender à demanda em algumas horas do dia”, diz Victor Hugo Iocca, gerente de energia elétrica da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). “O maior risco é não haver capacidade de entregar essa energia simultaneamente em algumas regiões, o que pode provocar o desligamento”, explica. Sem chuvas no horizonte, apenas o planejamento criterioso pode evitar que o fantasma do apagão atrapalhe o trajeto do país rumo ao crescimento.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.