Copom interrompe ciclo de cortes e mantém a Selic em 10,5% ao ano
Diretores decidiram por unanimidade encerrar as reduções. Expectativas de inflação em alta e piora do quadro fiscal compõem o cenário
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 10,5%. Com isso, o colegiado interrompe um ciclo de sete cortes consecutivos, iniciado em agosto do ano passado. A decisão, amplamente esperada pelo mercado, marca uma mudança significativa em relação ao cenário previsto até alguns meses atrás, quando a expectativa era de que a Selic terminasse o ano entre 9% e 9,5%.
A decisão do comitê ocorreu de forma unânime, e essa era uma das grandes expectativas do mercado em relação à decisão de hoje. Na reunião passada, houve um racha entre os membros, opondo os diretores antigos e os membros indicados por Lula, o que contribuiu para o tensionamento das expectativas.
“O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, afirmou o colegiado no comunicado.
O Copom sinalizou que se manterá vigilante e “que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”
A piora nas expectativas de inflação, com o IPCA de maio vindo acima do esperado e a aceleração nos núcleos, especialmente no setor de serviços, alimentado por um mercado de trabalho aquecido, gerou novas preocupações no Banco Central. “A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, disse o Copom.
O cenário fiscal também é motivo de alerta. O governo ainda não conseguiu aprovar no Congresso uma medida para compensar a desoneração da folha de pagamentos. Uma das propostas enviadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi limitar o uso de créditos do PIS/Cofins, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu a medida provisória, rejeitando seu uso para aumentar a arrecadação, colocando em xeque a agenda de Haddad.
Na nota, o colegiado afirmou que “monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros” e disse que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Tensão
Recentes declarações do presidente Lula têm elevado as preocupações fiscais. Em um evento para investidores no Rio de Janeiro, Lula afirmou que o aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitiriam reduzir o déficit. O mercado interpretou essa fala como um sinal de que o equilíbrio das contas públicas viria por meio de aumento de impostos, e não por cortes de gastos. Isso fez com que o dólar disparasse, superando R$ 5,40. Desde então, a moeda americana tem oscilado nesses patamares, devido à deterioração das expectativas fiscais.
O clima entre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e Lula também piorou após Lula afirmar que Campos Neto tem “lado político”, sugerindo que as decisões do BC são enviesadas. As críticas ocorreram um dia antes de o BC manter os juros. Desde que foi eleito, Lula tem intensificado seu discurso contra Campos Neto, pressionando por cortes na Selic.
No exterior, o Federal Reserve, o banco central dos EUA, sinalizou que não deve cortar os juros até ter maior confiança nos dados econômicos, o que tem contribuído para a valorização do dólar em relação ao real. Juros mais altos nos EUA tornam os investimentos lá mais atraentes, causando uma fuga de capital do Brasil e elevando o custo do dólar.