Como o salário mínimo perdeu recomposição no governo Bolsonaro
Em 2020, governo passou a considerar apenas a inflação no cálculo e agora estuda desvincular o reajuste dos índices de inflação
![Brazilian President and presidential candidate Jair Bolsonaro looks at his desk full of papers during an interview televised by SBT broadcaster in Osasco, metropolitan area of Sao Paulo, Brazil, on October 21, 2022. - Veteran leftist Luiz Inacio Lula da Silva said on October 20 he is keeping an eye on poll numbers showing his lead narrowing over far-right incumbent Jair Bolsonaro for Brazil's October 30 presidential runoff, but confident he will win. (Photo by Nelson ALMEIDA / AFP)](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/10/000_32LW3DD.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviada ao Congresso, o governo prevê um salário mínimo de 1.302 reais para 2023, um aumento de 90 reais em relação ao valor atual, de 1.212 reais. Como o valor é calculado considerando apenas a inflação estimada para 2022, os recentes recuos no índice tendem a diminuir o valor projetado. Com isso, o salário mínimo em 2022 possivelmente será menor que o estimado anteriormente pelo governo. Além disso, a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desindexar os salários da inflação pode enxugar ainda mais essa recomposição, caso Jair Bolsonaro seja reeleito e a proposta seja aprovada, pois não haverá a obrigatoriedade de correção pela inflação. A proposta de desindexação do mínimo estaria em um novo marco fiscal, sendo preparado pelo ministério e a ser apresentado.
O governo Bolsonaro não seguiu a regra de reajuste do salário mínimo vigente entre 2011 a 2019, que permitia reajuste real do piso nacional. A gestão preferiu se ater à obrigação constitucional de repor a inflação utilizando o INPC. Anteriormente, os reajustes do salário mínimo eram calculados pela inflação e pela variação do PIB para garantir aumento real acima da inflação. Esse modelo vigorou por oito anos e fazia parte da política do governo Dilma Rousseff de garantir aumentos reais acima da inflação. “Na maior parte desse tempo, o cálculo garantiu aumento real, com exceção de 2017 e 2018, anos que houve retração do PIB”, diz Rodrigo Simões, economista e professor da Faculdade de Comércio de São Paulo.
Em 2020, ano em que o governo Bolsonaro alterou a mudança no cálculo, o reajuste no salário foi de 4,1%, menor que a inflação do ano anterior, de 4,3%. Neste ano, o reajuste dado foi igual ao índice de inflação, de 10,1%. Nos últimos quatro anos, não houve aumento real do salário e uma nova regra de reajuste pode aprofundar ainda mais o salário mínimo no Brasil, que possui o segundo pior salário na lista de 31 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Recentemente, Paulo Guedes disse que pretende desindexar o reajuste do salário mínimo e das aposentadorias do índice de inflação. De acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a proposta é de corrigir o salário mínimo não com base na inflação passada, mas na expectativa futura ou meta da inflação. Caso haja essa mudança de regra, a tendência é diminuir a recomposição do salário. A meta de inflação para este ano, por exemplo, é de 3,5% e a projeção de inflação para o ano é atualmente de 5,6%, segundo o Boletim Focus.
Se essa regra tivesse sido aplicada ao longo dos últimos 20 anos, o salário mínimo atual seria de 502 reais, segundo cálculo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo. Já, caso o governo Bolsonaro tivesse seguido a política de reajuste vigente entre 2011 e 2019, o salário poderia ser 1.058 maior, segundo cálculos feitos pela LCA Consultoria.
Após repercussão negativa às vésperas da eleição, Guedes não negou a proposta de desindexar, mas garantiu que o “salário mínimo e as aposentadorias serão corrigidas, no mínimo, pelo índice da inflação”. Segundo especialistas ouvidos por VEJA, as afirmações de Guedes sinalizam que a ideia do governo é usar um índice menor dentro das categorias medidas pelo INPC, levando sim a uma correção do salário, mas a uma base menor. Um dos exemplos que pode elucidar a proposta foi a troca realizada do IGMP pelo IPCA para a correção dos aluguéis durante a pandemia. “A ideia obviamente é pagar menos. O salário mínimo pode nem ser corrigido pela inflação cheia e ainda ficar muito aquém de um ganho real, o que não acontece faz tempo”, diz Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos.
A nova regra serviria como um instrumento de “correção” do teto de gastos – que foi rompido neste ano, com o excesso de benefícios concedidos para aumentar a popularidade de Bolsonaro em ano eleitoral – desobrigando o governo a corrigir os salários conforme a inflação, ficando livre para reajustar o valor que julgar suficiente. O reajuste do salário mínimo pela inflação, como funciona atualmente, é uma determinação constitucional, por isso uma PEC seria necessária para alterar a regra, o que segundo o próprio ministro em almoço para executivos, deve ser incluída na PEC para tributar lucros e dividendos.