Comércio entre Brasil e EUA atinge pior marca em 11 anos
Relação de Bolsonaro com Trump não se refletiu em números, afetados pela combinação dos efeitos da crise causada pela pandemia e restrições comerciais
Em maio do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro exaltou a parceria comercial com os Estados Unidos, o que definiu como um realinhamento da diplomacia brasileira em relação ao país presidido por Donald Trump. “O Brasil de hoje é amigo dos Estados Unidos, o Brasil de hoje respeita os Estados Unidos e o Brasil de hoje quer o povo americano e os empresários americanos ao nosso lado”, disse o presidente brasileiro antes de adaptar seu bordão: “Termino com meu chavão de sempre. Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Brasil acima de todos”. Os números comprovam que, ao Norte, o negócio não é bem assim. De acordo com um relatório divulgado pela Amcham Brasil, o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos até o mês de setembro registrou, em 2020, o pior resultado dos últimos 11 anos. Entre janeiro e setembro, os dois países transacionaram 33,4 bilhões de dólares, uma redução de 25,1% em relação ao mesmo período do ano passado. O relatório aponta fatores principais para explicar a forte redução das trocas bilaterais.
O fator mais óbvio é a pandemia, que provocou uma queda expressiva no consumo da população e da necessidade das empresas por produtos oriundos da exportação brasileira. Mas outros fatores provocam uma reflexão sobre as diretrizes do Itamaraty do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A China, atacada de frente por membros do governo, ampliou sua participação no mercado brasileiro como principal parceiro comercial do país. De acordo com o relatório, o país asiático representa 28,8% de todas as transações do Brasil. A queda no preço do petróleo, também graças à Covid-19, também teve impacto significativo nos resultados. O último fator envolve uma política protecionista do mandatário americano, que, por exemplo, restringiu a entrada de produtos da siderurgia brasileira para proteger a indústria nacional. Em agosto, já com as eleições de novembro na cabeça, Donald Trump anunciou que cortaria em mais de 80% a importação de aço brasileiro até o fim do ano. O governo Bolsonaro devolveu com complacência: renovou, sem qualquer contrapartida, isenção de tarifa de importação sobre o etanol americano, desagradando os produtores locais.
Segundo a análise, no acumulado do ano, as exportações brasileiras para os EUA caíram 31,5% em comparação com igual intervalo de 2019, alcançando o total de 15,2 bilhões de dólares. É o menor valor para o período desde 2010. Em termos relativos, os EUA foram o mais afetado entre os 10 principais destinos de exportação do Brasil em 2020. Foram sete bilhões de dólares a menos em exportações. A taxa de queda foi quatro vezes maior do que a redução das exportações totais do Brasil para o mundo. Por outro lado, as importações brasileiras vindas dos Estados Unidos despencaram neste terceiro trimestre, com redução de 41,6% em relação a 2019. Entre janeiro e setembro de 2020, as importações totalizaram 18,3 bilhões de dólares, uma queda de 18,8%. Apesar da forte redução do comércio bilateral, os EUA seguem como o segundo principal parceiro comercial do Brasil.
No início do mês, a Amcham, a câmara de comércio Brasil-EUA, havia traçado cenários para os impactos das eleições americanas para a política externa e as relações comerciais. A instituição alerta para um maior caráter de defesa de uma política protecionista do republicano em relação ao candidato democrata Joe Biden, cujo partido está mais historicamente ligado à defesa da globalização. Segundo o documento, sob a liderança de Trump, os Estados Unidos se tornaram mais avessos ao multilateralismo e à atuação de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Trump, aponta o relatório, também tem sido crítico de alguns acordos de livre comércio firmados pelos Estados Unidos (como o NAFTA e a Parceria Transpacífica) e tende a privilegiar negociações bilaterais em detrimento de negociações que envolvam múltiplas partes. Por lá, é Estados Unidos acima de todos.