Com novo plano de recuperação, Livraria Cultura sonha com retomada
Em entrevista, Sergio Herz, dono da rede, diz que aditivo garante crédito e dá fôlego para voltar ao lucro; taxa de visitas às lojas caiu 50% com Covid-19
A rede de lojas Livraria Cultura procura uma nova história para escrever. Após escapar de ter sua falência decretada pela Justiça, a empresa conseguiu aprovar um novo aditamento ao seu plano de recuperação judicial na última quarta-feira, dia 26. Em entrevista a VEJA, o presidente da varejista, Sergio Herz, afirma que o passo foi importante para que a Cultura voltasse a ter acesso a crédito, sobretudo com as editoras – muitas deixaram de abastecer a rede de livrarias em 2020. Herz descartou, por ora, fechar outras lojas – hoje, restaram apenas sete das 17 unidades que detinha em 2018 –, mas assumiu que o momento ainda é de cautela, já que as vendas e o fluxo de visitantes despencaram com a pandemia de Covid-19. “Nosso foco é manter lojas que têm lucratividade. Mas, se isso não acontecer no curto prazo, não manteremos o ponto de venda”, diz ele. “Estamos num momento de recuperação, mas já se fala em terceira onda. O cenário continua complexo e o comportamento do consumidor mudou bastante. Hoje 70% do mercado de livros físicos foi para o comércio eletrônico.”
A companhia apresenta dívidas da ordem de 285 milhões de reais e, diante da queda de receita de 73% nos primeiros meses da pandemia de Covid-19 no país, resolveu propor um aditivo ao seu plano de recuperação, aprovado em 2018, para que pudesse renegociar os deságios de seus vencimentos. Alguns credores, no entanto, rechaçaram, num primeiro momento, a proposta em assembleia e a empresa por pouco não teve a falência decretada. “Estávamos numa situação de indefinição jurídica que durou quase nove meses. Isso estava bloqueando novos negócios, oportunidades e novos créditos”, comenta Herz. “Com a aprovação do plano, voltamos aos trilhos para tocar nossos negócios.” Segundo ele, o número de visitantes nos pontos de venda atualmente é cerca de 50% menor se comparado ao cenário pré-pandêmico.
Conhecida pelas espaçosas unidades que se tornaram refúgio para leitores de grandes metrópoles, a empresa sucumbiu, segundo especialistas, ao preconizar o plano de expansão em detrimento daquela que outrora foi a sua principal marca: a primazia em curadoria e atendimento. Com a crise que perpassa a economia brasileira desde 2014, o mercado livreiro decaiu e os clientes buscaram novas opções na internet. Com o novo coronavírus, esse movimento se acentuou, com editoras priorizando a venda por meio de grandes plataformas de marketplaces e criando alternativas próprias, como clubes de assinatura.
Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria Nielsen em conjunto com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL), as vendas do mercado editorial recuaram 8,8% no último ano, para 5,17 bilhões de reais. O destaque foi para as lojas estritamente virtuais, que viram sua participação no faturamento das editoras crescer 84% em 2020, para 923,4 milhões de reais. Ainda assim, as livrarias físicas são vistas como primordiais para que o mercado evolua, uma vez que as editoras se utilizam das grandes redes como vitrines para promover seus lançamentos – era um “ganha-ganha”, como declara Herz. “Boa parte das receitas das lojas vinha de eventos e noites de autógrafos. O contato social era um fator importantíssimo para o desempenho das livrarias.”
O presidente da Cultura diz que o plano original da rede era voltar a dar lucro em 2021, mas não sabe se isso será possível graças às novas ondas de Covid-19 que ainda afugentam o público no varejo. Recentemente, a empresa lançou o plano de assinatura CulturaPass, que garante descontos exclusivos em seu site e acesso à plataforma Ubook, de audiolivros e e-books. Depois de vender a Estante Virtual, portal de títulos usados, para o Magazine Luiza por 31 milhões de reais, em 2020, a rede de livrarias lançou um espaço similar para seminovos: o Sebo Cultura. Fora isso, criou um sistema de pagamento instantâneo para as editoras, algo inovador no mercado. A cada venda, o fornecedor recebe informações e sua parcela no ato, sem que seja necessário esperar meses, como é de praxe. “É o nosso Pix”, brinca Herz. “Hoje, um parceiro da Cultura consegue saber em tempo real tudo que acontece em cada ponto de venda e ainda recebe o dinheiro instantaneamente. Num mundo cada vez mais instantâneo e fluído, precisamos mudar também a maneira como tocamos nossos negócios”, completa.