Carta ao Leitor: Abundância sem competitividade
Esta é a situação paradoxal de momento no setor elétrico — uma área em que o Brasil tem tudo para levar vantagem comparativa no mundo
Na história do uso da eletricidade no Brasil, em 1879 já era inaugurado o primeiro sistema público, com lâmpadas de arco voltaico. Ao longo de 150 anos, o país construiu um impressionante setor elétrico. Num território de dimensões continentais, com múltiplos acidentes geográficos, está quase completo o abastecimento dos brasileiros. Uma conhecida vantagem nesse campo é a geração baseada majoritariamente em fontes não poluentes, a começar pela hídrica. Mais recentemente, veio a expansão das alternativas alimentadas por ventos e pela luz do sol. Além da diversificação de fontes — sustentáveis —, a abundância da oferta é uma marca dos dias de hoje.
No entanto, o Brasil vive uma situação paradoxal: sobra energia e os preços são elevados para os consumidores. O que deveria ser um fator de competitividade das empresas no país se converteu no contrário. A reportagem “Em busca de um equilíbrio”, que começa na pág. 14, mostra esse quadro intrigante. Fica claro que os subsídios distribuídos a partes do setor precisam ser revistos, sob pena de os privilégios de uns serem mantidos com o sacrifício da maioria. Para ter ideia, dois dados: o custo da eletricidade representa 30% do preço final; o custeio dos subsídios onera em 13% a conta de luz residencial. É uma situação complexa, mas que pode ser resolvida — a bola está com o governo.
Ainda no campo da energia, está em momento melhor o ramo de biocombustíveis. Esse é um dos assuntos da entrevista com Ricardo Mussa, presidente da Raízen, a maior produtora de etanol do país. Ele defende que o uso de sua principal matéria-prima, a cana, pode ser muito mais amplo. Para o Brasil, ele afirma, “o coração da descarbonização está aí”, em benefício de frotas e indústrias, por exemplo. Confiante nas possibilidades de mercado, apenas no ano passado a empresa investiu 13 bilhões de reais em expansão e inovação.
Com gestão adequada, a abundância vira o que deve ser: vantagem competitiva.
Publicado em VEJA, julho de 2024, edição VEJA Negócios nº 4