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Carlos Kawall: ‘Mais gasto não significa maior atividade econômica’

Ex-secretário do Tesouro defende que há como aprovar auxílio emergencial sem romper o teto de gastos, mas alerta que medida pode não ter o efeito desejado

Por Felipe Mendes Atualizado em 9 fev 2021, 11h04 - Publicado em 9 fev 2021, 07h00

O auxílio emergencial voltou à tona. Defendido em público pelos presidentes recém-eleitos no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o programa já virou consenso em Brasília. Com endosso do presidente Jair Bolsonaro, seu formato ainda está em discussão, mas se sabe que, a princípio, o dispêndio será menor aos cofres públicos e a nova rodada atenderá metade dos brasileiros em relação ao projeto executado em 2020, quando 67,9 milhões de pessoas receberam o benefício. A grande questão que paira sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, é como colocá-lo em prática sem romper o teto de gastos. Ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, atual diretor do ASA Investiments, acredita que a nova versão do benefício não irá fomentar a economia como no ano anterior, mas que pode ser empregada, desde que o governo consiga garantias de prosseguimento da agenda de reformas estruturantes e de projetos que visem reduzir o gasto público no longo prazo. “Se tivermos uma maneira de colocar um auxílio não tão grande quanto o que tivemos no ano passado e compensá-lo com outras medidas, pode ser algo positivo”, afirma ele.

O Congresso voltou a sinalizar com a intenção de uma nova rodada do auxílio emergencial para os brasileiros. Essa medida pode prejudicar as contas públicas? Na maioria dos países emergentes, hoje, é possível observar que as taxas de juros de longo prazo estão mais baixas ou semelhantes ao patamar que tinham no período pré-pandemia. No Brasil, no entanto, as taxas de longo prazo estão substancialmente mais elevadas do que antes. Se tivemos durante alguns meses um ritmo de atividade mais aquecido, atendendo aos informais e mais necessitados, tivemos, por outro lado, vários efeitos colaterais indesejados, que permanecem após o fim do auxílio. Além da deterioração fiscal, tivemos uma desvalorização cambial muito maior do que em outros países emergentes, inflação sobre alimentação e combustíveis… Então, há o medo de que o governo tenha uma recaída populista e lance mão de gastos acima do teto. Com relação ao auxílio emergencial, uma questão me vem à cabeça. Que benefício teríamos ao fazer um novo auxílio se não acompanhado de medidas de ajustes, de reformas ou de redução de gastos permanentes? Seria, dados os níveis de endividamento já elevados, um agravamento das condições financeiras, algo contraproducente do ponto de vista da recuperação da economia e do emprego. Há momentos em que mais gasto público não significa maior atividade econômica.

Apesar de apoiarem publicamente o auxílio emergencial, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disseram que estão alinhados com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Esse é o caminho? Eles têm falado que querem se alinhar ao governo no sentido de tentar buscar algum tipo de auxílio dentro do teto de gastos. E ao mesmo tempo avançar na agenda de reformas estruturais. É algo difícil de se fazer. Mas é um bom sinal. O PIB deste ano deve sofrer os efeitos do fim do auxílio. Porém, não dá para dizer: “bota o auxílio que está tudo resolvido”. Se tivermos uma maneira de colocar um auxílio não tão grande quanto o que tivemos no ano passado e compensá-lo com outras medidas, pode ser algo positivo.

Quais as medidas ou reformas que poderiam ser usadas como contrapartida fiscal? A reforma administrativa é importante enquanto sinalização, mas ela não tem impacto no curto prazo. Há outras iniciativas do próprio Congresso que poderão, até por lei ordinária, ter efeito no curto prazo, como o projeto que busca acabar com os supersalários do funcionalismo público e reduzir benefícios extraordinários que certas categorias têm, como não poder ter redução de jornada e salário, além de uma série de privilégios. Mas isso não é algo que traria um efeito de compensação imediata. O mais importante seria avançar com a PEC emergencial, com medidas que tenham efeito no gasto obrigatório. Em geral, é necessário mostrar que, ao longo dos próximos anos, o nível de gasto obrigatório vai cair. Assim, é possível abrir um certo espaço temporário no Orçamento para poder gastar mais. Esse é um possível caminho.

Com o término do auxílio emergencial, o volume de saques da poupança atingiu níveis recordes em janeiro deste ano. Foi um efeito positivo da poupança acumulada no ano passado. Divido isso entre poupança circunstancial e precaucional. A circunstancial é derivada do distanciamento social e do fechamento das atividades. No momento em que esse distanciamento terminar, muitos vão usar esses recursos acumulados para fazer viagens, ir a restaurantes, consumir serviços que deixaram de usufruir por conta da pandemia. Já a poupança precaucional é para se resguardar de um possível desemprego. O ritmo com que essas poupanças vão se reduzir depende, logicamente, do controle do vírus e da evolução da vacina.

A recuperação da economia brasileira vai depender do andamento da vacinação em massa, certo? Sim. Ao meu ver, as previsões mais otimistas de PIB (crescimento de 3,5% a 4%) eram baseadas na premissa de que nós teríamos uma economia já ‘normalizada’ no segundo semestre, com taxa de vacinação mais acelerada e curva de contágio achatada. A realidade, no entanto, é que vamos ter de conviver com medidas de distanciamento, pelo menos, até o terceiro trimestre. O desafio agora é vacinar os grupos de risco. Mas a grande maioria da população que trabalha e consome ainda não está sendo vacinada. E o efeito da vacinação também não será imediato para a economia. Temos observado que setores da economia de países como Israel e Reino Unido, que estão mais avançados na imunização, ainda continuam enfraquecidos, o que é um indício de que nós também não poderemos relaxar as medidas de distanciamento tão cedo.

Sempre que o assunto auxílio emergencial volta à tona, as ações na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, reagem mal. O que explica isso? Quando se tem esse tipo de movimento, o dólar geralmente sobe, o que favorece a uma parcela de empresas exportadoras, mas prejudica outras companhias com atuação nacional. Se o governo fala em mais gastos, sem uma contrapartida de ajuste no Orçamento, isso se reflete em mais pressão sobre as taxas de juros. Significa, também, alta no dólar e menos atividade à frente, o que pode diminuir o valor das empresas listadas na bolsa. Com mais juros, há menos consumo e menos atividade. É tão simples quanto isso. A ideia de que o mercado fica de mau humor, como se fosse algo subjetivo, não existe. No fundo é um jogo de avaliação, sobre o valor que essas empresas poderão ter. Com estabilidade fiscal, menos juros, mais crescimento econômico, as empresas vão valer mais. Pelo contrário, quando se tem populismo fiscal e ruído de mais gasto público, isso não ajuda num contexto de país emergente que tem uma relação dívida/PIB mais elevada.

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