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Marco legal das startups: avanço importante, mas aquém do esperado

Entidades do setor reconhecem importância da lei, mas criticam texto 'pouco ousado'; proposta aguarda sanção de Bolsonaro

Por Rafael Bolsoni
Atualizado em 20 Maio 2021, 14h07 - Publicado em 20 Maio 2021, 08h55

Um ganho de poucos metros para quem precisava avançar quilômetros. Essa é a leitura que as principais entidades do ecossistema de startups brasileiro fazem do Projeto de Lei Complementar 146/19, que institui o marco legal das startups, aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada depois de sofrer alterações no Senado. O documento aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro até o dia 1º de junho.

O marco tem um aspecto didático-conceitual e reconhece pela primeira vez as startups como parte do ecossistema de inovação do Brasil. Essa chancela, por si só, é importante e abre caminho para uma série de aperfeiçoamentos legais posteriores nas esferas federal, estadual e municipal. Apesar da definição de princípios e diretrizes, a avaliação é que a legislação deixa de fora o toque de inovação, justamente o que move essas empresas. A estimativa é que essas companhias tenham crescido em número 300% nos últimos cinco anos, chegando a pouco mais de 13 mil em 2020, segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartusps).

Para Rodrigo Afonso, diretor presidente da Dínamo, o texto final é pouco ousado. “É como se saíssemos de 10 para 20 quilômetros por hora, enquanto o resto do mundo já está a 100. O ecossistema de startups no Brasil tem crescido a despeito da regulação, não por causa dela”. O grupo de advocacy para políticas públicas de startups, do qual fazem parte representantes de gigantes como Google, Facebook e Amazon, participou ativamente das discussões sobre a nova lei.

As conversas começaram em 2017 e envolveram quadros do Ministério da Economia, Banco Central, Receita Federal e CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O ano coincide com o momento em que a maior aceleradora de startups do mundo, a californiana Y Combinator, celeiro de gigantes como Airbnb e DropBox, resolveu apostar em empresas brasileiras. Uma delas foi a Brex, fintech criada por Henrique Dubugras e Pedro Franceschi no mesmo ano  e que se tornou um unicórnio – startup avaliada em mais de 1 bilhão de dólares – em menos de dois anos. Atualmente a empresa elevou seu valuation para 7,4 bilhões de dólares.

Com a lentidão e um ambiente de negócios não tão favorável, o país perde oportunidades e empresas inovadoras para o exterior. Hoje é relativamente fácil para o empreendedor brasileiro com uma ideia excepcional desenvolver seu projeto no Vale do Silício, sem deixar nenhum valor para o mercado brasileiro. “Acabamos exportando talentos para fora, além de prejudicar a geração de empregos e impostos no Brasil”, diz Humberto Matsuda, sócio da Matsuda Invest e coordenador do grupo de trabalho de Venture Capital da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital). A modernização da lei poderia tornar o Brasil mais competitivo internacionalmente. Mas parece que a janela de oportunidades aberta pelo marco legal das startups não foi totalmente aproveitada.

No marco legal, muitos pontos relacionados a questões tributárias e trabalhistas que poderiam melhorar o ambiente de negócios das startups no Brasil ficaram de fora. Entre as principais queixas está a exclusão da possibilidade do uso de  stock options (opções de ação) como forma de remuneração de colaboradores e sócios. A decisão vai na contramão das práticas adotadas mundo afora. O instrumento de opção de compra de ação que a empresa pode oferecer ao funcionário é usado comumente para atrair mão de obra qualificada, já que nem sempre as startups conseguem oferecer um salário competitivo, à altura de grandes corporações.

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A natureza do instrumento para fins tributários vem sendo questionada há anos na Justiça, com divergência entre duas interpretações. De um lado, há magistrados que defendem o cunho remuneratório das stock options, ou seja, seriam uma espécie de salário, em cima do qual devem ser recolhidos todos os encargos trabalhistas e previdenciários – o que as torna uma opção mais cara para a empresa. A segunda interpretação, que tem prevalecido nas decisões do judiciário, considera a sua natureza mercantil, tal qual uma transação financeira. Neste caso, os proventos advindos das stock options devem ser tributados como ganho de capital.

O texto inicial encaminhado pela Câmara ao Senado resolvia esse impasse jurídico, mas considerava o instrumento como remuneratório. O Senado suprimiu integralmente o ponto, decisão mantida na apreciação final dos deputados. “Dos males o menor, mas perdemos a chance de solucionar essa questão. A insegurança jurídica continua”, diz Felipe Matos, presidente da Abstartups (Associação Brasileira de Startups).

O que mudou

Um dos ganhos do novo marco é a permissão para o poder público adquirir soluções de startups por meio de regras específicas de licitação. A intenção é resolver demandas que exijam soluções inovadoras com emprego de tecnologia. Agora será mais fácil inovar na máquina pública. O valor máximo a ser pago por contrato (1,6 milhão de reais), contudo, ainda é considerado baixo.

Outra novidade é a criação de incentivos para que parte dos recursos obrigatórios para investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), advindos de iniciativas como Lei do Bem, Lei da Inovação e o programa de P&D da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), possa ser aplicada em fundos de investimento em startups e programas de aceleração. Hoje esses valores giram em torno de 3 bilhões de reais. Como outros pontos do marco, há um senão: os investimentos estão limitados a iniciativas gerenciadas por entidades públicas. “Isso é um contrassenso. A prática não demonstra que a coordenação dos processos de inovação é melhor quando feita por entes públicos”, critica Francisco Saboya, presidente da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores) e ex-presidente do Porto Digital, organização social que gerencia uma das políticas públicas de inovação mais bem-sucedidas do país.

O marco legal também simplifica a estrutura das Sociedades Anônimas (SAs), modelo societário mais adequado para as startups atraírem investimentos. Não será mais necessária a publicação dos balanços em jornais de grande circulação, para empresas com faturamento de até 70 milhões de reais. O dispositivo legal permite ainda que o livro de ações passe a ser digital. Entretanto, o que poderia ser benéfico para as startups tornou-se um problema.

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Apesar da facilidade, as startups que optarem pelo modelo de SA serão excluídas do regime do Simples Nacional, forma de micro e pequenas empresas terem uma tributação menos onerosa. Como a maioria das startups fatura abaixo da linha de corte do Simples (receita bruta anual de até 4,8 milhões de reais), o ganho de gestão e governança do enquadramento como SA não compensará as perdas tributárias. Na prática, as empresas menores, as que mais precisam de incentivos para decolarem, continuarão sendo sociedades limitadas, afastando investidores que não querem se tornar sócios.

Investimentos

Se hoje há pouco mais de 8 mil investidores anjo no Brasil, pessoas físicas que aportam diretamente capital próprio em startups recém-criadas, nada leva a crer que o marco atrairá novos investidores para essa modalidade. A lei não trouxe estímulo para o investidor migrar seu recurso aplicado em renda fixa ou multimercado, por exemplo, para startups, apesar de ter tirado a responsabilização dos investidores sobre a gestão das startups.

O pagamento de Imposto de Renda de ganho de capital sobre o investimento em startups ocorre em cima de uma alíquota alta, não equiparada a investimentos como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), isentos de IR sobre ganho de capital. Ainda pode ser mais interessante, portanto, investir em imóveis ou ações na bolsa do que em startups. O investidor brasileiro sempre espera a lei para que decidir o que fazer ou não, avalia Uri Wainberg, do Marcello Macêdo Advogados. “Tudo precisa estar não só escrito, mas bem escrito”.

Em 2019, o investimento anjo no Brasil alcançou a marca de pouco mais de 1 bilhão de reais, segundo a Anjos do Brasil, entidade de fomento à modalide no país. Os dados de 2020, que devem ser publicados até o fim do mês, apontam para uma que de até 20% em relação ao ano anterior. A perspectiva é que a curva de crescimento seja retomada em 2021, mas não em decorrência da lei. “A experiência internacional mostra que uma boa legislação é capaz de alavancar os investimentos-anjo. O marco brasileiro, infelizmente, não será capaz disso”, diz Maria Rita Bueno, diretora executiva da Anjos do Brasil. O volume de investimento anjo nos Estados Unidos, cuja economia é 14 vezes maior do que a brasileira, é mais de 130 vezes maior do que o registrado por aqui.

A estimativa é que haja cerca de 15 mil startups no Brasil atualmente. O volume de investimento nessas empresas no país saltou de 1,1 bilhão de reais em 2016 para 19,7 bilhões de reais em 2020, um crescimento de quase 1.800%. E continua em tendência de alta, apesar da pandemia: o montante registrado nos quatro primeiros meses de 2021 já representa quase 70% de todo o investimento de 2020. Os aportes, contudo, são feitos principalmente em empresas em estágio mais maduro. O fato é que uma em cada quatro startups morre no primeiro ano de vida e pelo menos metade delas não ultrapassa o quarto ano de operação, segundo estudo da Fundação Dom Cabral. Na ausência de incentivos reais, não solucionada pelo marco legal, o cenário de elevada taxa de mortalidade das startups poderá se perpetuar.

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