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BNDES vai investir R$ 10 bi para voltar a atuar como sócio de empresas privadas. Pode funcionar?

A ideia é não repetir os erros do passado, garante a atual diretoria do banco

Por Felipe Erlich Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 jul 2025, 14h43 - Publicado em 29 jun 2025, 08h00

O governo brasileiro quer voltar a ser, ainda que de forma indireta, sócio de empresas privadas. É isso o que está por trás do anúncio feito na segunda-feira 23 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que decidiu retomar os aportes em renda variável após uma década de desinvestimentos. A nova ofensiva prevê o desembolso de 10 bilhões de reais, sendo metade para aquisições diretas de participações societárias e a outra metade voltada a fundos de investimento. Como toda aplicação em ações, o plano embute riscos, especialmente quando mobiliza recursos públicos. A iniciativa traz de volta memórias incômodas de um passado não muito distante, quando o banco foi usado para bancar apostas malsucedidas em “campeãs nacionais” durante gestões petistas. A atual direção do BNDES refuta qualquer comparação com esse histórico, argumentando que há enormes diferenças entre a estratégia atual e a adotada nos governos anteriores.

Sob o comando do ex-ministro Aloizio Mercadante, o BNDES deixou claro que não vai eleger grandes empresas para transformar em “campeãs nacionais”. Em vez disso, pretende abrir espaço para que companhias de todos os portes com iniciativas de sustentabilidade e inovação, especificamente, se candidatem aos recursos — que serão originários de dividendos angariados pelo banco e vendas de participação em empresas consideradas “maduras”. A proposta busca dar maior transparência e evitar apostas erráticas observadas em ciclos anteriores. “O tempo das campeãs nacionais já passou”, diz Robson Gonçalves, professor de economia e consultor no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.

Ainda resta saber com mais detalhes quais serão os parâmetros adotados pelo banco para a seleção dos negócios beneficiados. O mercado aguarda esse detalhamento, ainda ressabiado com o risco de a escolha dos projetos não se dar por critérios técnicos. “Como se trata de um órgão público, o perigo seria os aportes terem viés político”, diz Sandro Cabral, professor de gestão pública na escola de negócios Insper. Ele pondera, no entanto, que o corpo técnico do BNDESPar, subsidiária do banco que atua no mercado de capitais, é qualificado para tomar decisões técnicas, podendo servir como anteparo contra interferências indevidas.

arte BNDES

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Durante os primeiros governos Lula e Dilma, principalmente quando o BNDES era chefiado pelo economista Luciano Coutinho, o banco investiu quase 50 bilhões de reais na compra de ações de cerca de trinta empresas. Alguns casos ficaram conhecidos pelo fracasso e se tornaram símbolos de uma política equivocada. Um deles é o da Oi. Apesar de o banco ter investido 12 bilhões de reais no negócio, a empresa de telecomunicações pediu recuperação judicial duas vezes, em 2016 e 2023. Derrocada semelhante ocorreu com a LBR, empresa de laticínios que recebeu aportes do BNDES e pediu recuperação judicial posteriormente, em 2013. A Fibria, que foi um gigante da celulose, teve quase 30% do capital controlado pelo banco de desenvolvimento, mas optou por ser incorporada pela líder do setor, a Suzano, em vez de seguir estimulando a concorrência. Para críticos, esses episódios ilustram o descompasso entre a intenção de fomentar campeões nacionais e os resultados efetivos alcançados. “Os investimentos daquela época foram uma tentativa muito mal desenhada pelo governo para imitar o modelo sul-coreano de desenvolvimento”, diz Gonçalves.

SUSTENTÁVEL - Fazenda solar: mercado de energia renovável pode ser beneficiado
SUSTENTÁVEL – Fazenda solar: mercado de energia renovável pode ser beneficiado (Jonne Roriz/Bloomberg/Getty Images)

O atual diretor financeiro e de mercado de capitais do BNDES, Alexandre Abreu, assegura que a retomada dos aportes será conduzida com responsabilidade e de uma forma completamente diferente. “É importante que as empresas selecionadas tenham boa rentabilidade e equilíbrio entre risco e retorno”, diz. Dos 10 bilhões de reais previstos no programa, metade será destinada a fundos de investimento. Segundo Abreu, a expectativa é que o valor seja distribuído entre três a cinco fundos, evitando a concentração em um único gestor. O montante mais que dobrará os atuais 4,4 bilhões de reais que o BNDES tem aplicados nesse tipo de ativos. A ideia é que, por meio dos fundos, o banco consiga alcançar uma base mais ampla de empresas, sobretudo as de menor porte, que tradicionalmente enfrentam dificuldades para acessar capital. “Lidar com poucos zeros é difícil”, resume Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES. “É uma vocação que o banco precisa desenvolver, mas não é tarefa simples.” Não por acaso, uma das críticas mais recorrentes no passado era o foco do BNDES em financiar grandes corporações, enquanto os pequenos e médios negócios costumavam ser negligenciados.

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FRACASSO - Loja da Oi: aposta na operadora não rendeu os frutos esperados
FRACASSO - Loja da Oi: aposta na operadora não rendeu os frutos esperados (Gustavo Gomes/Bloomberg/Getty Images)

A escolha de segmentos estratégicos, como a transição climática, representa um avanço. Ao direcionar recursos para essas áreas, o BNDES sinaliza uma tentativa de alinhar sua atuação aos novos desafios da economia brasileira. “O BNDES precisa priorizar negócios que, ao se desenvolverem, também irradiem benefícios para outras áreas da economia, especialmente por meio da difusão de novas tecnologias”, afirma André Nassif, professor de economia da Universidade Federal Fluminense. Nesse contexto, a decisão entre manter o foco em setores tradicionais, como o de commodities, ou apostar em atividades capazes de impulsionar inovação e ganhos tecnológicos sustentáveis não deveria suscitar dúvidas — trata-se de uma escolha entre repetir o passado ou olhar para o futuro.

Como ocorre com qualquer gasto público feito em meio a um cenário fiscal apertado, o movimento do BNDES gerou um debate a respeito da pertinência de se fazer esse investimento de 10 bilhões de reais. “O ideal seria direcionar esses recursos aos cofres da União, contribuindo para o ajuste fiscal”, defende Vinicius Carrasco, ex-diretor do BNDES e professor da PUC-Rio. Para ele, se o objetivo é facilitar o acesso das empresas ao crédito, o caminho mais eficiente seria promover a estabilidade econômica e a consequente redução das taxas de juros. A atual gestão do BNDES aposta que o país seguirá ganhando com os novos investimentos. Se o projeto for executado dentro das diretrizes anunciadas e sem repetir os erros do passado com as “campeãs nacionais”, há boas chances de o país sair no lucro.

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Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950

 

O professor Luciano Coutinho, ex-presidente do BNDES, escreveu uma carta trazendo sua visão sobre a reportagem “Capital de Risco”. Eis os principais trechos:

A matéria alega favorecimento e “viés político” ao afirmar que o BNDES “foi usado para bancar apostas malsucedidas em ‘campeãs nacionais’ durante gestões petistas”. Menciona ainda que teria havido “apostas erráticas observadas em ciclos anteriores” e “risco de a escolha dos projetos não se dar por critérios técnicos”. Esse discurso ignora a robusta governança decisória do BNDES, onde não há lugar para interferência pessoal ou política na aprovação de financiamentos ou de participações acionárias. Como é amplamente reconhecido pelo setor privado, as decisões no BNDES são técnicas e colegiadas, resultam de criteriosa análise de risco, envolvem diversas áreas, prezam o debate de opiniões e asseguram integridade às deliberações.

A matéria assevera que a maioria das operações em renda variável “se revelou um grande fracasso”. E pinça três casos exemplificativos. Ao contrário, no período de 2007 a 2015, os investimentos da BNDESPAR exibiram retornos superiores ao Ibovespa e contribuíram com R$23,8 bilhões (a preços nominais) para os lucros do BNDES. Vale sublinhar que embora a carteira de renda variável representasse 1/5 do ativo total do Banco, contribuiu em média com 40% dos seus resultados.

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Quanto às operações mencionadas, cumpre esclarecer. No caso da Oi, o BNDES recuperou todo o crédito para aquisição da Brasil Telecom. A participação no aumento de capital se deu em transação de mercado, acompanhada por aportes dos investidores privados. A constituição da Fibria foi inegável sucesso, evitou a débacle das empresas predecessoras, vítimas de derivativos cambiais em 2008-09 com a eclosão da grande crise financeira global. Circunstância esta, aliás, que tornou imperativa a atuação da BNDESPAR para evitar a destruição de vários outros empreendimentos importantes para o país. A matéria esquece mais de uma dezena de casos de sucesso de internacionalização de empresas brasileiras, que contribuíram para ampliar a competitividade do país nos mercados interno e internacional. Recorde-se que o apoio a esse processo foi baseado em capital próprio da BNDESPAR, sempre aplicado a custos de mercado e nunca por empréstimos junto ao Tesouro Nacional. Entre 2007 e 2014, o número de MPEs apoiadas pelo BNDES saltou 530%. Nesse período, o Cartão BNDES desembolsou cerca de 10 bilhões de reais por ano, em valores não corrigidos, para empréstimos médios de 14 mil reais, efetivamente voltados a pequenas empresas. Tais dados desmontam a tese de “foco do BNDES em financiar grandes corporações, enquanto os pequenos e médios negócios costumavam ser negligenciados”.

Reitero o rigor e impessoalidade das decisões em minha gestão frente ao Banco, pautada pelo interesse público e respeito à lei. Foram introduzidas práticas de compliance e promovidos acordos de cooperação anticorrupção com entidades nacionais e internacionais, levando a instituição a se tornar o banco mais transparente do mundo, mercê dos avanços continuados por meus sucessores.

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