Baixas taxas de investimento indicam sinal de alerta para economia do país
No pior nível desde 2019, elas limitam o crescimento e expõem a incapacidade do Brasil para atrair recursos privados
Como diz o velho chavão, o Brasil é um país marcado por contradições. Enquanto o produto interno bruto cresceu 2,9% em 2023, no embalo da força do agronegócio, a taxa de investimento, que se destina à ampliação da capacidade produtiva, recuou para o número mais baixo desde 2019. O índice atual, de 16,5% do PIB, está aquém da média da maioria das economias emergentes e bem distante do nível recorde observado nas décadas de 70 e 80 do século passado, quando era de 22%. Ou seja, regredimos no tempo. Taxas pífias de investimentos condenam o país a crescimentos modestos, como tem sido sua média, e impedem que melhorem os níveis de produtividade, fator indispensável para qualquer nação avançar. “Precisamos de investimentos para fazer a economia rodar”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao comentar os resultados do PIB. “No ano passado, a produção agrícola, o consumo das famílias, o consumo do governo e as exportações puxaram a economia. Investimento foi a variável que menos acompanhou essa evolução.”
No Brasil, o nível de poupança é baixo e a taxa básica de juros elevada, o que acaba desestimulando investimentos de boa qualidade, provenientes principalmente da iniciativa privada. Além disso, o Estado tem papel preponderante na injeção de recursos na economia, e isso está longe de ser o ideal. “Enquanto não melhorarmos todas essas frentes, seguiremos com uma taxa de investimento muito pequena”, diz Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo.
Diversas razões explicam os baixos níveis de investimentos no Brasil. “A instabilidade política, econômica e até mesmo jurídica acaba afugentando empresários e investidores”, afirma Claudio Frischtak, economista e sócio da consultoria Inter.B. Some-se a isso o nível irrisório do chamado estoque de capital, conjunto de ativos acumulados por uma economia — como máquinas, equipamentos e construção —, e o que se vê é um quadro alarmante. Em 2024, a previsão do governo é de que esse estoque corresponda a 35,5% do PIB, enquanto o nível que refletiria um país dotado de uma infraestrutura razoavelmente suficiente deveria ser de ao menos 60% do PIB. O mais perto desse padrão das economias desenvolvidas que o Brasil chegou foi no início dos anos 1980, quando o indicador registrou 54% do PIB. No Japão, o estoque de capital é de impressionantes 179% do PIB. Na China, 76%. Na Alemanha, 71%.
O caminho mais curto para acelerar os níveis de investimentos passa pelo aperfeiçoamento do ambiente de negócios. Nesse aspecto, as reformas que foram aprovadas — trabalhista, previdenciária e, mais recentemente, tributária — apontam para uma evolução. De fato, elas chegaram a surtir algum efeito recentemente. A taxa de investimento chegou a 19% do PIB no final de 2021, quando as novas regras trabalhistas e previdenciárias já estavam em vigor. No entanto, os efeitos adversos da pandemia, como inflação alta e a consequente elevação da Selic, a taxa básica de juros da economia, frearam os avanços, culminando no índice fraco de 2023. O investimento direto estrangeiro, que compila aportes vindos do exterior para gerar produção no país, somou 74,6 bilhões de dólares no ano passado, com queda de 17% ante 2022.
Há expectativa de que os investimentos voltem a subir nos próximos anos, em resposta às reformas que foram aprovadas. “Projetamos um crescimento de aproximadamente 2% para a taxa de investimento em 2024, com uma expectativa de maior impulso a partir de 2025”, diz Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria. A casa estima que os investimentos chegarão a 20% do PIB até 2032 — um avanço considerável, mas ainda distante das reais necessidades brasileiras. A última vez que o Brasil atingiu esse patamar foi em 2010, em um contexto econômico inflado por práticas que envolviam forte financiamento público, muitas vezes às custas do Tesouro.
Há, portanto, longo caminho a ser trilhado até que o Brasil aproxime seus indicadores dos níveis encontrados entre as nações mais dinâmicas. Países como Índia e Indonésia têm taxas de investimento anual de 30% do PIB. A China, mais de 40%. “É fundamental que o investimento cresça, mas sob preceitos corretos”, diz Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais da Fundação Getulio Vargas. O governo Lula, historicamente adepto do aumento dos gastos públicos, mira agora uma agenda de reindustrialização. “Nós precisamos levantar a taxa de investimento e, assim, melhorar a produtividade”, disse a VEJA Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Alckmin aponta diversas frentes de atuação para incrementar o investimento. A primeira delas é o programa de depreciação “superacelerada”, que visa estimular a renovação do parque fabril, dando prioridade à indústria de transformação. Em sua fase inicial, o incentivo contará com 3,4 bilhões de reais em 2024 e 2025. Além disso, há também um projeto de lei que prevê a criação da letra de crédito de desenvolvimento (LCD), para baratear o acesso a linhas de financiamento do BNDES. A última das medidas, ao menos por enquanto, é o programa Mover, que oferece 19 bilhões de reais em incentivos fiscais ao setor automotivo até 2028.
O programa já animou as montadoras. Na semana passada, a japonesa Toyota e a ítalo-franco-americana Stellantis anunciaram novos ciclos de investimentos no país, juntando-se à sul-coreana Hyundai, à alemã Volkswagen, à americana GM e à chinesa BYD, que também prometem aportes bilionários. A expectativa é de que o setor invista 100 bilhões de reais por aqui até 2032. São exemplos pontuais que não expressam o quadro completo. Os níveis de investimentos permanecem baixos para uma nação com tantas deficiências como o Brasil. Enquanto isso não mudar, o país seguirá crescendo aquém do que precisa.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883