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Aumento da dívida brasileira preocupa investidores e exige ação firme

Disparada do indicador em 2020 é explicada pelo forte dispêndio fiscal realizado pelo governo de Jair Bolsonaro para evitar uma queda dramática do PIB

Por Carlos Valim, Luisa Purchio Atualizado em 4 jun 2024, 14h55 - Publicado em 16 out 2020, 06h00

As metáforas com economia doméstica costumam ser bastante usadas por analistas para explicar aos leigos os riscos de um país se endividar em excesso. Apesar de nem sempre adequadas e de simplificarem demais as questões de contas públicas, algumas se aplicam bem. Tome como exemplo o momento atual da economia brasileira. Poderia se dizer que o país entrou na crise causada pela pandemia como o consumidor que está com o limite do cheque especial estourado e então recebe uma grande conta inesperada. Resta a ele se endividar mais a curto prazo e fazer um reajuste de seus gastos ainda mais intenso do que planejava. Em 2013, antes da última grande crise nacional, o Brasil detinha uma dívida bruta em relação ao seu PIB de 60,2%, quando a média nos países emergentes era de 38,2%, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Anos de descuido fiscal depois e com a necessidade de aprovação do teto de gastos para forçar um ajuste necessário, o país terminou 2019 com dívida de 89,5% e, para este ano, a expectativa é atingir 101,4%, quando a média dos emergentes será de 62,2%. Em sete anos, a diferença em relação aos nossos pares quase dobrou para 40 pontos porcentuais. A situação não era boa e piorou.

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A disparada desse indicador em 2020 é explicada pelo forte dispêndio fiscal realizado pelo governo de Jair Bolsonaro para evitar uma queda dramática do PIB, com medidas como o auxílio emergencial. A catástrofe foi evitada, mas o preço é alto. O Brasil enfrentará a maior crise fiscal de sua história recente, o que pode consistir numa grande ameaça à estabilidade e ao seu crescimento. O país é o grande emergente que apresenta a pior situação na relação entre dívida e PIB. Entre as nações em desenvolvimento, está melhor apenas do que casos excepcionalmente negativos como Angola, Líbano e Sudão. Até a Argentina, que acabou de declarar a maior moratória de sua história e quase esgotou as suas reservas em dólar, deve fechar 2020 abaixo dos 100% de dívida. Nações de perfil econômico similar, como a Turquia, e os vizinhos Chile e Peru não vão chegar a 45%. Mais próximos da situação do Brasil estão o Reino Unido e outros países desenvolvidos. A diferença deles para nós é que o mercado confia no fato de que os ricos terão sempre condições de honrar os seus compromissos e não cobra juros altos para comprar seus títulos da dívida.

Com os emergentes, a confiança não é a mesma. É certo que os investidores estão mais condescendentes na atual crise e haverá uma paciência maior. Mas a situação do Brasil é peculiar. Quem acompanha contas públicas já alertava para o cenário que se avizinhava desde o começo da pandemia. Mas foi só nas últimas semanas que o risco fiscal entrou de vez no radar dos mercados, quando, depois de uma forte recuperação do Ibovespa diante do pior momento da pandemia, o jogo virou. Em setembro, a baixa foi de 4,8%. No ano, o real também se consolidou como a moeda relevante com a maior queda em relação ao dólar, em cerca de 40%. Além disso, as retiradas de investimentos estrangeiros de risco no Brasil já estão em 24 bilhões de dólares neste ano, contra 11 bilhões no ano passado.

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O FIADOR - Ministro Guedes: o mercado está na expectativa de que sua visão para as contas prevaleça – (Mateus Bonomi/AFP)
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O melhor exemplo do clima virado nos mercados, porém, tem relação com o que se chama de aumento da inclinação da curva de juros — com taxas baixas de curto prazo e cada vez mais altas de longo. Isso se explica: com a inflação controlada e o compromisso fiscal assumido pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes como direcionamento do governo, o Brasil conseguiu ir baixando a sua taxa básica de juros nos últimos tempos, até atingir inéditos 2%. Mas, no último mês, o mercado começou a estimar os juros futuros bem acima desse patamar, em até 8%. O efeito disso é que se o Tesouro quiser emitir títulos de mais longo prazo precisará pagar mais. Ou, se não aceitar essas condições, terá de adiantar o vencimento de suas dívidas para bancar os gastos do governo. É o que está acontecendo. “O Tesouro não quer assumir esse custo, e há pouco apetite por títulos de longo prazo hoje, em especial dos estrangeiros”, afirma o ex-chefe do departamento de mercado aberto do Banco Central e consultor independente da Omninvest Sergio Goldenstein.

Na quinta-feira 8, o Tesouro emitiu 25 milhões de títulos com vencimento em abril de 2021. Com isso, há 268 bilhões de reais a ser pagos em seis meses, cerca de 19% da dívida prefixada e 6% da total. “Não estamos falando de risco de calote, porque, no limite, o BC começaria a atuar para evitar a insolvência”, diz a ex-secretária executiva do Ministério da Fazenda e economista-chefe do Santander Brasil, Ana Paula Vescovi. “O risco é de não saber o que fazer para estabilizar essa dívida crescente.”

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As agências de avaliação de risco estão de olho. No começo da pandemia, elas revisaram de forma extraordinária as notas na América Latina. A Standard & Poor’s manteve a nota do Brasil em BB-, três degraus abaixo do selo de bom pagador, mas revisou a perspectiva de positiva para estável. Até o fim do ano, uma nova avaliação será divulgada. “A deterioração fiscal será pior do que se previa em abril, mas, por outro lado, a contração econômica foi mais moderada”, explica Livia Honsel, analista principal do rating brasileiro na S&P. “Uma dívida tão alta limita a perspectiva de melhorar a nota.”

Para os mercados se acalmarem, o governo precisa, ao menos, sinalizar com clareza que a agenda de Guedes de controle das contas, por meio das grandes e microrreformas, vai prevalecer. E que o desejado programa de renda básica, o Renda Cidadã, será criado só se houver cortes em outras áreas. O espaço é apertado. O Orçamento enviado ao Congresso prevê que haverá um novo déficit primário no próximo ano, de 3%. Considerando que a economia cresça 2,5% ao ano, será preciso, para reduzir a dívida com um superávit de 1,5% do PIB, fazer um esforço fiscal de 4,5 pontos, estimou para VEJA o ex-secretário do Tesouro Mansueto de Almeida. “Isso deve ser mantido por uma década, ou o superávit anual precisará ser maior do que 1,5%. Não há como ficarmos com a dívida tão alta por muito tempo”, diz. O risco de não cuidar das contas é o mercado perder a confiança no Brasil, exigir juros mais altos, o governo criar mais impostos para pagar a dívida, causando o aumento do dólar, e isso ainda acarretar em inflação alta e empobrecimento da população. O Brasil já viu esse filme. Voltar a esse cenário seria perder três décadas de avanços conquistados a duras penas.

Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709

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