As preocupações que acompanham os recordes no mercado de trabalho
Mercado de trabalho aquecido aumenta risco de inflação, pressionando por uma elevação na taxa de juros
Os dados mais recentes da Pnad Contínua, que revelam uma queda da taxa de desemprego para 6,4% no trimestre encerrado em setembro, colocam o Brasil em um novo patamar de geração de empregos. Com 103 milhões de trabalhadores, o país atingiu um recorde histórico de ocupação, o menor nível de desemprego desde 2013. Embora a redução no desemprego seja celebrada como um marco da recuperação econômica, ela também traz à tona questões sobre possíveis pressões inflacionárias – uma das justificativas para a manutenção da Selic em níveis elevados.
“A leitura qualitativa do indicador é de que o mercado de trabalho segue forte e com uma composição saudável, recuperando suas características intrínsecas, agora com um desemprego estrutural mais baixo”, avalia Igor Cadilhac, economista do PicPay. Esse cenário tem gerado um efeito multiplicador sobre o consumo: com mais pessoas empregadas e um rendimento médio estabilizado em torno de R$ 3.227, a massa salarial da população ativa chegou a R$ 327,7 bilhões. Esse crescimento do poder de compra impulsiona o consumo, incentiva empresas a expandirem suas operações e, em muitos casos, leva à criação de mais empregos.
No entanto, o aumento do poder aquisitivo, embora positivo para o consumo, levanta preocupações com a inflação. O mercado de trabalho aquecido pode resultar em dificuldade para encontrar mão de obra qualificada, elevando os salários e, consequentemente, os custos das empresas, que podem ser repassados aos preços. Além disso, a nova regra de reajuste do salário mínimo pode adicionar uma pressão inflacionária, elevando as expectativas para o comportamento dos preços no curto e médio prazo. “O mercado de trabalho apertado deverá manter a ociosidade da mão de obra baixa, constituindo um desafio para o Banco Central promover a convergência da inflação à meta”, diz Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo Corretora.
O mercado financeiro, através do Boletim Focus — relatório semanal do Banco Central —, já indica um possível estouro da meta de inflação, com a previsão subindo de 4,5% para 4,55% neste ano, ultrapassando o teto estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A desancoragem das expectativas inflacionárias tem alimentado especulações sobre um aumento mais agressivo na Selic, possivelmente de 0,5 ponto percentual na próxima reunião do Copom.
Se confirmada, uma Selic mais alta terá impactos diretos sobre o mercado de trabalho. A elevação dos juros encarece o custo do crédito e das operações das empresas, o que pode reduzir o apetite por investimentos e novas contratações. Além disso, as empresas passam a enfrentar maiores encargos financeiros, o que pode forçá-las a conter suas expansões e, em alguns casos, ajustar suas estruturas, diminuindo o ímpeto de criação de novos postos de trabalho. Assim, a alta dos juros age como um freio na economia, esfriando o mercado de trabalho justamente no momento em que este exibe sinais robustos de crescimento.
Apesar do recorde no número de empregos, há preocupações com a sustentabilidade no longo prazo. A taxa de informalidade permanece elevada, em 38,8%. Além disso, Igor Cadilhac, economista do PicPay, destaca que “o aumento da proporção de idosos na população ativa e as transferências de renda governamentais estão alterando a dinâmica da força de trabalho”. Esses fatores, somados à crescente saída de pessoas do mercado formal, podem ameaçar o crescimento no longo prazo.
Ainda assim, as projeções para o mercado de trabalho permanecem otimistas. O PicPay prevê que a taxa de desemprego termine 2024 em 6,1%, sugerindo que o cenário de alta ocupação deverá se manter.