Artigo: como reaquecer a economia trabalhando ‘apenas’ 4 dias por semana
O neozelandês Andrew Barnes, empresário criador da ideia, detalhou a VEJA como a rotina mais flexível pode contribuir na retomada pós-Covid-19
A Nova Zelândia, pequeno país da Oceania, se tornou uma das referências globais no combate ao coronavírus. O arquipélago conseguiu erradicar o vírus em seu território a partir de rigorosas medidas de isolamento e, já com o comércio reaberto e abraços liberados, busca maneiras de como reaquecer sua economia. Uma das sugestões levantadas pela primeira-ministra neozelandeza, Jacinda Ardern, apontada como uma das mais eficientes lideranças mundiais durante a pandemia, reacendeu um debate sobre os eventuais benefícios de reduzir as jornadas de trabalho.
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Clique e AssineJacinda aconselhou empregadores a estabelecer uma rotina mais flexível, com apenas quatro dias de trabalho por semana, o que poderia impulsionar o turismo local e trazer maior equilíbrio e saúde mental aos funcionários nesta retomada. A ideia não é uma novidade na Nova Zelândia: em 2018, a Perpetual Guardian, uma empresa sediada em Auckland que gerencia bens e testamentos, ganhou repercussão mundial ao implementar a medida, que foi seguida por algumas companhias ao redor do mundo, inclusive do Brasil. Seu fundador, o empresário Andrew Barnes, autor do livro The 4 Day Week (A Semana de Quatro Dias, ainda sem tradução para o português), conta em artigo para VEJA sobre a filosofia de trabalho e os impactos que ela pode ter na retomada pós-Covid. Leia a íntegra da proposta nos parágrafos a seguir:
PRODUTIVIDADE MÁXIMA (E EM MENOS TEMPO)
por Andrew Barnes
É, sim, plenamente possível trabalhar apenas quatro dias por semana, sem corte salarial. Há mais de dois anos, implementei esta filosofia em minha empresa na Nova Zelândia, com base na regra 100: 80: 100, que significa: pagamento de 100% em 80% do tempo, desde que com 100% produtividade. Os resultados sempre foram excepcionais. Naquela época, eu já estava convencido de que o modelo de oito horas de trabalho por dia, cinco dias por semana, não era mais adequado à finalidade da Quarta Revolução Industrial, a era da hiperconectividade digital, em que as pessoas nunca estão realmente “fora do expediente”. O surgimento da pandemia de Covid-19 trouxe perturbações monumentais à atividade econômica e às relações profissional e privada em todo o mundo e, ao mesmo tempo, jogou uma luz mais brilhante na equação produtividade-tempo – e no potencial da semana de quatro dias.
Na Nova Zelândia, nossa primeira-ministra Jacinda Ardern chegou a mencionar nossa filosofia para sugerir um curso de volta à normalidade, com máxima produtividade e estímulo à recuperação de empregos e boa saúde mental. Com um dia livre a mais, empresas e governos podem concentrar suas energias em estimular a economia, além de promover a limpeza do ar e a redução do estresse causado pelo trânsito com zero produtividade. Um fator importante em tempos de crise é o turismo, setor crucial para muitas nações, incluindo o Brasil. Fronteiras internacionais devem permanecer fechadas por algum tempo, mas em breve será possível viajar pelo próprio país e a redução da semana poderia estimular o trânsito interno. Ter um dia a mais de “fim de semana” pode ajudar na retomada de negócios que mais sofreram o efeito da pandemia, como hotéis e restaurantes.
A filosofia da semana de quatro dias pode funcionar em qualquer negócio ou país. Há culturas que valorizam o descanso, como a siesta espanhola ou a prática do Shabat na fé judaica; outras são mais baseadas em festividades, como o Carnaval brasileiro. A redução da jornada de trabalho protege todas as tradições e estilos de vida, fatores importantes para a coesão familiar, qualidade de vida, bem-estar mental e senso de comunidade. O importante é sempre focar na produtividade.
Em algumas nações, empresas em perigo vêm adotando o sistema alemão de seguro-desemprego chamado kurzarbeit (algo como “trabalho curto”), no qual o funcionário tem expediente e salário reduzidos de forma equivalente. O governo, então, assume formas de compensação, como realizar parte do pagamento ou oferecer cursos ao funcionário em seu dia “livre”, enquanto os patrões se comprometem a retomar a normalidade dentro de seis meses ou um ano. É uma forma interessante de preservar empresas e funcionários e também uma boa oportunidade para o funcionário mostrar ao chefe que é possível manter a mesma produtividade com menor tempo no expediente. Se os governos puderem se comprometer com isso, com o tempo veremos a produtividade permanecendo saudável enquanto as pessoas retornam a um salário completo em uma semana de 4 dias, tudo dentro de um período relativamente curto.
Uma das questões fundamentais para a redução de jornada é que o expediente deveria funcionar em espaços semipúblicos, como locais de trabalho compartilhados – permitindo que as pessoas deem o seu melhor tanto no trabalho quanto em casa. Nos últimos dois ou três meses, o coronavírus fez com que o lar se tornasse o local de trabalho para muitas pessoas. A filosofia do home office dominou o mundo de maneira forçada. Muitas empresas, como Twitter e Square, já informaram que não exigirão o retorno de seus funcionários a um escritório centralizado neste ano.
Isso representa um desafio para muitos funcionários que estão levando o trabalho para casa, em tempo integral, para a primeira vez. O fato de não haver um horário definido de início ou término pode representar um perigo para a saúde mental das pessoas. Muitos reclamam de estar mais cansados e trabalhando mais. O tempo que estariam se locomovendo para ir até o escritório ou até mesmo a hora de refeição vira hora-extra de serviço, o que não é correto. Novamente, a semana de quatro dias pode ser uma solução, pois prioriza a produtividade e oferece aos trabalhadores três dias definidos no qual devem se desligar totalmente do trabalho.
Para explicar como isso é possível, darei o exemplo do meu negócio, a Perpetual Guardian. Após testes, implementamos uma semana de quatro dias de forma permanente em 2018. Quando o lockdown do coronavírus foi anunciado na Nova Zelândia no final de março de 2020 – o país virou modelo no combate rápido e eficiente ao vírus, que em poucas semanas foi erradicado –, meus 240 funcionários fizeram a transição para o home office e mantiveram um dia a menos de trabalho. Temos como regra que, no dia de folga semanal, a qual todos têm direito, ninguém deve ser contatado para falar de serviço, exceto em casos de extrema emergência. Nem e-mails, nem telefone, nada deve ser utilizado. A empresa e os gerentes respeitam seu tempo pessoal e não se intrometem nele.
Isso também se estende às ferramentas de mídia social, como Messenger, Whatsapp e Slack. Se um funcionário tiver seu dia de folga semanal na quinta-feira, mas permanecer observando as mensagens no grupo de trabalho, isso gerará uma distração ao que deveria ser sua prioridade – focar em atividades que o permitam ser o melhor funcionário possível no retorno ao trabalho. Na folga, os funcionários devem silenciar esses canais e receber o apoio (ou melhor, a instrução) de seus gerentes. Caso contrário, estar em casa será o mesmo que estar no escritório e alguns benefícios importantes da semana de quatro dias serão desperdiçados.
Em contrapartida, funcionários em home office (supondo que tenham o apoio necessário para cuidar dos filhos ou realizar outras obrigações) não devem sofrer as distrações comuns ao escritório. Foco na missão é essencial. Um quiz sobre gerenciamento de tempo proposto pela empresa LeadershipQ obteve mais de 6.000 respostas, com 71% dos os entrevistados relatando interrupções frequentes durante o expediente – muitos dos quais não poderiam ser ignorados, mesmo que brevemente, como um colega que aparece na sua mesa para fazer uma pergunta. Para que a Semana de 4 dias seja bem-sucedida em qualquer contexto ou cenário e, portanto, para que os trabalhadores atinjam saúde mental, bem-estar geral e gerenciamento do estresse, os princípios da redução de tempo, que exige disciplina e foco total na produtividade, devem ser observados por todas as partes envolvidas.
Nem só home office, nem só escritório. Na realidade, o futuro do trabalho será uma combinação entre espaço privado (o lar) e espaços públicos. O tempo social e a interação humana são críticos para a saúde mental e os trabalhadores devem ser incentivados a se encontrar pessoalmente, toda semana, para socializar e acompanhar as prioridades de trabalho compartilhado.
Antes da Covid-19, apenas uma minoria de empregadores considerava seriamente a semana de quatro dias como ferramenta para investir na saúde mental e no bem-estar físico dos trabalhadores mantendo a produtividade total e o desempenho da empresa, ainda que diversos bons exemplos já os direcionassem a este caminho. Grandes empresas de vários países já testaram e comprovaram o sucesso da redução das jornadas de trabalho. A Microsoft do Japão anunciou um aumento de 40% na produtividade ao deixar as sextas-feiras livres para todos os seus funcionários. No Brasil, a Unilever ganhou notoriedade ao implementar um sistema de job sharing (cargo compartilhado) em seu setor de RH, no qual duas funcionárias dividem um mesmo cargo e trabalham três dias da semana cada uma.
Agora tudo mudou, haverá um novo mundo pós-coronavírus. O foco no emprego e no bem-estar dos trabalhadores fará parte da restauração das principais indústrias e da atividade econômica saudável. Os empregadores estão pensando mais lateralmente sobre como reter funcionários e direcionar seus negócios para ter rentabilidade – e para isso, eles precisam de uma força de trabalho saudável e engajada, que use todas as tecnologias disponíveis para conseguir se organizar. É essencial mantermos todos os benefícios de produtividade que o trabalho em casa nos trouxe, enquanto ajudamos as empresas a permanecerem firmes e os setores voltarem ao normal. Temos de ser ousados com o nosso modelo e aproveitar esta oportunidade para uma redefinição maciça em escala global. A semana de quatro dias é uma ferramenta para proteger o trabalho em todos os aspectos, tornando este modelo ainda mais relevante para o novo mundo em que nos encontramos. Um futuro sustentável e lucrativo, no qual trabalhamos menos e melhor, engajados e satisfeitos, está ao nosso alcance. É uma revolução do trabalho cuja hora chegou.