Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Aprovação do auxílio sem contrapartidas ameaça ampliar a crise fiscal

O texto aprovado no Senado ficou longe do ideal. O resultado pode comprometer a retomada do crescimento do país

Por Josette Goulart, Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 13h22 - Publicado em 5 mar 2021, 06h00

Aos trancos e barrancos, no incerto ambiente de pandemia, as condições da economia brasileira seguiam dentro do plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, até o fim de 2020. Depois de um primeiro semestre muito afetado pela Covid-19, a atividade econômica se recuperava no fim do ano, e como prova disso o PIB do quarto trimestre, divulgado na quarta-feira 3, acabou saindo melhor do que muitos esperavam, uma alta de 3,2%. Dessa forma, a queda no ano ficou em 4,1%, um número abaixo das expectativas do mercado e de analistas, que chegaram a prever queda de até 9%, em meados do ano.

Arte economia PIB 1

Tal resultado só foi possível pela postura radical do governo de concentrar os seus esforços — e recursos — em estímulos de 9,4% do PIB para salvar a economia. Por ironia, coube a Guedes, reconhecido por suas credenciais liberais, se tornar o ministro da Economia mais gastador entre os países emergentes. O México, por exemplo, não seguiu o mesmo caminho e amargou queda de 8,7% do PIB. “Gastei de consciência tranquila porque era para a saúde dos brasileiros”, disse o ministro à audiência de um podcast para pequenos investidores de ações. Era para a saúde, mas também para a economia. Foram 635,4 bilhões de reais em estímulos, sendo que 325 bilhões de reais apenas para o auxílio emergencial — visto como propulsor da recuperação do consumo em 2020. O problema é que o benefício acabou em dezembro, a pandemia piorou e a vacinação engatinha no país. As reformas que poderiam ter sido feitas foram deixadas de lado e o governo, com a popularidade em queda, resolveu apostar tudo na volta do auxílio.

Novo Auxílio Emergencial

O ponto fulcral é que a situação fiscal, que já era preocupante antes da pandemia, ficou ainda mais frágil depois de tantos estímulos. “Não há benefício sem custo. E só vai ser possível avaliar o retorno que esses estímulos de fato trouxeram daqui a dois anos”, diz Alexandre Manoel, sócio da MZK Investimentos e ex-secretário do Ministério da Economia.

Por esse motivo, a equipe de Guedes, antes relutante em promover o retorno do benefício, passou a aceitá-lo, desde que fosse incluído dentro da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, elaborada antes da pandemia. O projeto tem como medida principal a criação de gatilhos para conter gastos públicos. Ele prevê que, quando as despesas correntes do governo atingirem 95% das receitas em doze meses, estão cancelados reajustes de salários de servidores, concursos públicos e aumento de subsídios, por exemplo.

Continua após a publicidade
DIAS TENSOS - Paulo Guedes: desafio de retomar a agenda liberal -
DIAS TENSOS - Paulo Guedes: desafio de retomar a agenda liberal – (Alessandro Dantas/PT Senado/.)

Nas últimas semanas, conseguir a aprovação dessa PEC no Congresso se tornou a prioridade máxima de Guedes. Com a desastrosa intervenção de Bolsonaro na economia com a troca de comando na Petrobras, a pauta liberal do governo foi posta em xeque, o que ampliou a sensação de risco para o Brasil. Os investidores estrangeiros que voltavam à B3 passaram a retirar dinheiro — fevereiro foi o primeiro mês de saldo negativo de investimento internacional desde julho de 2020 na bolsa. Os juros de longo prazo para os títulos do Tesouro Nacional dispararam. A saída de Guedes do governo, que não vinha sendo mais cogitada nos últimos meses, voltou a ser assunto entre banqueiros e empresários. “O ministro ficou numa posição difícil. Mas sair seria um desastre. A melhor alternativa é acalmar as coisas e continuar no cargo”, afirma Marcílio Marques Moreira, ex-­ministro da Fazenda.

Nesse cenário, a equipe econômica passou a investir tudo em passar a PEC Emergencial de carona com a aprovação do auxílio e, com isso, recuperar credibilidade e resgatar a agenda de reformas. O jogo dos congressistas — interessados nos louros de conceder um benefício, mas resistentes a cortes de gastos —, porém, acabou sendo bastante duro e demonstrou a dificuldade do governo em manter o controle da situação. Apesar de robusta, a primeira versão do relatório da PEC, do senador Marcio Bittar (MDB) e acertada com o ministério, já deixava o auxílio de fora das contas do teto de gastos. Também foram excluídas economias imediatas desejadas por Guedes, como cancelar o pagamento do abono salarial e cortar o salário dos servidores em 25%, como forma de pagar o auxílio. Outras medidas foram sendo retiradas, desidratando o texto em aprovação no Congresso. Entre elas, a desvinculação de porcentagem mínima constitucional do Orçamento voltada para saúde e educação. O governo também queria um limite de recursos destinados ao auxílio de 30 bilhões de reais, que acabou ampliado para 44 bilhões de reais.

Continua após a publicidade
IMPACTO - Fila do auxílio: a nova rodada custará até 44 bilhões de reais aos cofres -
IMPACTO - Fila do auxílio: a nova rodada custará até 44 bilhões de reais aos cofres – (Bruna Prado/Getty Images)

Bolsa Família

Em meio à votação no Senado, na quarta-feira 3, assessores da Casa contavam que os próprios congressistas apoiadores do governo tentavam tirar também o Bolsa Família da base de teto de gastos, num exemplo de fogo amigo. O objetivo era abrir espaço no Orçamento para emendas que destinassem recursos para suas bases eleitorais. Outra manobra, essa vinda da oposição, tentou votar o auxílio sem a PEC Emergencial, o que configuraria uma derrota clamorosa para Guedes. As duas tentativas foram debeladas. O texto aprovado no Senado, entretanto, ficou longe do ideal. Como o índice de 95% de despesas correntes deve ser alcançado só em 2025, levará anos para os gatilhos da PEC serem acionados e compensarem os gastos com o auxílio.

Arte economia PIB

Continua após a publicidade

A década encerrada em 2020 registrou o menor crescimento anual do PIB em 120 anos de dados registrados: apenas 0,3%. Até a chamada década perdida, entre 1980 e 1990, foi melhor, com uma alta média de 1,6%. A pandemia impactou fortemente o resultado do último ano, mas é consenso que a grande razão para o ciclo negativo iniciado em 2015 é a péssima situação das contas públicas, que afugenta investimentos. Iniciar uma nova década piorando esse rombo não é nada auspicioso.

Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.